Fala, campeão

Vencedor da Copa, Márcio Santos diz que seleção não pode depender só de Neymar e sugere Jesus para o pós-2022

Augusto Zaupa e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Oliver Berg/picture alliance via Getty Images

Ele tinha reputação de reserva, mas não se conformou e no fim acabou eleito o melhor zagueiro da Copa de 1994. Formando a dupla de zaga com Aldair, Márcio Santos saiu de alternativa a titular e participou de todos os jogos do Mundial dos Estados Unidos, inclusive com um gol marcado na vitória sobre Camarões.

Aposentado dos gramados há cerca de 15 anos, o ex-zagueiro ainda acompanha de perto o futebol, ao atuar como coordenador em categorias de base, rechaça a possibilidade de se tornar treinador e foca na formação de gestão na CBF Academy. E, do alto do status de campeão mundial, não fica na defesa na hora de analisar o momento desafiador da seleção atual.

Nesta entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o ex-jogador de São Paulo, Botafogo, Inter, Atlético-MG, Santos, Ajax, Fiorentina e Bordeaux não poupou críticas a Neymar e Tite. Márcio Santos ainda destacou a falta de ídolos do futebol brasileiro atual e defendeu o nome do português Jorge Jesus para o time nacional.

Com longa ficha de serviços à seleção (43 partidas, com 26 vitórias, dez empates e sete derrotas), o ex-zagueiro ainda revelou mágoas com o narrador Galvão Bueno e com o treinador Paulo César Carpegiani — com quem teve dificuldades de relacionamento no São Paulo.

Oliver Berg/picture alliance via Getty Images

Márcio Santos e o raio-X da seleção

Thiago Ribeiro/NurPhoto via Getty Images

Neymar tem deixado a desejar

Romário, Ronaldo, Bebeto, Batistuta, Kluivert... Estes são alguns dos goleadores que Márcio Santos teve o privilégio de ter tido ao seu lado ao longo de quase 20 anos como profissional. Com esses parâmetros em mente, o ex-zagueiro disse acreditar que Neymar tem apresentado um rendimento abaixo do esperado na seleção.

"Em clubes, o Neymar tem tido um ótimo rendimento. Mas dentro da seleção tem deixado muito a desejar. Em competições oficiais, em competições importantes. Por exemplo, na penúltima Copa América [em 2019], o Brasil foi campeão sem ele. Agora [em 2021], com ele, o Brasil não foi campeão. Ele realmente não tem feito a diferença, a meu ver, deixa o Brasil sempre na mão", analisou o campeão mundial.

"A seleção, com ele, não está jogando mais em conjunto. Quando o Neymar está em campo, ele precisa resolver. Os adversários já sentiram essa situação, já sabem que, se marcar o Neymar forte, os outros não vão conseguir fazer a diferença", emendou.

O Brasil raramente tem conseguido fazer gol de contra-ataque, porque a bola cai no pé do Neymar, ele segura, vai pensar uma jogada, e isso já deu tempo para o adversário voltar e se posicionar. Com todo mundo parado na frente dele, o Neymar tem que tentar driblar o time inteiro de novo para poder fazer uma jogada.

Márcio Santos, zagueiro campeão do mundo com a seleção em 1994

Gualter Fatia/Getty Images

Jesus é o nome

E não é só com Neymar que Márcio Santos está descontente na seleção. Para o ex-jogador, o técnico Tite já deveria ter deixado o cargo depois da queda nas quartas de final da Copa da Rússia.

"Desde 2018, quando o Brasil saiu fora para a Bélgica, eu acho que já devia ter tido uma mudança. O próprio escalão da CBF já está com problema, o próprio presidente [Rogério Caboclo, afastado por acusação de assédio sexual]. Acho que tem outros grandes treinadores também, que têm um outro tipo de visão, que deveriam estar na seleção brasileira já há algum tempo", comentou.

Conhecedor do futebol europeu — atuou na França, Holanda e Itália —, Márcio apontou o português Jorge Jesus, ex-Flamengo e atualmente no Benfica, como o substituto ideal de Tite.

"O Jorge Jesus deveria ter uma chance na seleção brasileira. Ele fez todo um trabalho no Flamengo, é um treinador que fala português, não vai ter dificuldade em ser comunicar com os jogadores. Acho que seria uma aposta. Mas tem uns bons treinadores no Brasil. Mas, assim, é bom ter experiência internacional também para você assumir a seleção brasileira. Se você não tiver experiência internacional, você fica um pouquinho atrás."

Como já está à véspera de uma Copa do Mundo [2022, no Qatar], acho muito difícil alguém tirar [o Tite]. Normalmente, seleção brasileira é um trabalho de quatro anos, para trabalhar e preparar a seleção. Às vésperas de uma Copa, acho temerário, não acho interessante.

Márcio Santos, ex-jogador da seleção brasileira

Koki Nagahama/Getty Images

Carência de ídolos no Brasil

Atualmente com 51 anos, Márcio Santos é de uma geração que viu o Brasil esperar 24 anos para conquistar um Mundial. O zagueiro teve a honra de participar da equipe montada pelo técnico Carlos Alberto Parreira que encerrou este jejum em 1994. Na volta para casa, jogadores da delegação desfilaram em carros de bombeiros em diversas capitais e em Brasília e foram recebidos por milhares de torcedores.

Márcio Santos sentiu de perto este carinho da torcida. Passados 27 anos da conquista do tetra, o ex-atleta opina que esta afeição foi se esfarelando aos poucos e, hoje, o brasileiro é carente de ídolos devido principalmente ao distanciamento.

Já está provado, o brasileiro está carente de ídolos há muito tempo, desde a morte do Ayrton Senna. Se você for analisar os últimos anos, o brasileiro tem dado muita atenção até para o futebol feminino, está tão carente de ídolos, de resultados. Os resultados negativos da seleção brasileira ajudaram a crescer o interesse pelo futebol feminino."

"O Neymar é um grande jogador, mas ele tem aparecido mais extracampo, ou muita polêmica, do que dentro de campo. O Messi é um grande jogador, mas uma pessoa séria, focada, tem a família dele. Eu não me lembro de ter visto uma polêmica, não existiu até hoje uma polêmica com o Messi. Isso aí faz com que o brasileiro comece a torcer até para a Argentina", acrescentou.

Peter Robinson - EMPICS/PA Images via Getty Images Peter Robinson - EMPICS/PA Images via Getty Images

"Nunca me considerei reserva na seleção"

O destino costuma a pregar algumas peças, e com Parreira em 1994 não seria diferente. Na cabeça do treinador, a dupla de zaga ideal para a Copa nos EUA era formada por Ricardo Rocha e Ricardo Gomes. Já Márcio Santos, que já era constantemente convocado pelo antecessor Paulo Roberto Falcão, mesmo como jogador do modesto Novorizontino, quase ficou fora do Mundial.

Márcio recordou que foi chamado para conversar numa salinha, na Granja Comary, com Parreira e o Zagallo (então auxiliar técnico), às vésperas do duelo decisivo com a Bolívia, pelas Eliminatórias Sul-Americanas, em 1993. Acabou sendo comunicado que iria ficar fora do jogo no Recife e que a zaga seria formada pelos "Ricardos".

"O Ricardo Gomes já tinha recuperado da lesão, aí ele (Parreira) falou: 'Márcio, você está muito bem, e tal'. Eu até brinco, quando dá um tapinha nas costas elogiando é um perigo", disse, aos risos. "Falei bem assim: 'quando vocês subirem para dormir na concentração, não sei se vocês vão dormir com a consciência pesada, porque eu vou dormir que é uma beleza, vou dormir igual um anjo'", completou.

Menos de uma semana antes da estreia da seleção, Ricardo Gomes sofreu uma nova lesão muscular na coxa, no último amistoso de preparação contra El Salvador, e acabou cortado — Ronaldão foi chamado para o seu lugar. Para a primeira rodada contra a Rússia, Parreira confirmou Márcio Santos como titular ao lado de Ricardo Rocha, que também se lesionou diante dos russos e cedeu vaga a Aldair.

"O Ricardo [Gomes] se machucou e voltei [ao time] na semana antes da estreia. Voltei e fui o melhor zagueiro, eleito pela Fifa [no 3-5-2, o sistema defensivo ideal ainda teve Jorginho e Paolo Maldini]. Então, não precisa falar mais nada. Eu nunca me considerei reserva na seleção, quando eu entrei, entrei tranquilo e falei 'pô, tô recuperando o meu lugar', e deu no que deu", afirmou o ex-zagueiro.

O Branco, o Dunga e o Taffarel tinham jogado na Itália, falaram que o Pagliuca, goleiro deles, tinha falhado muito pelo lado direito. O Parreira me pediu para bater o primeiro. Na caminhada [até marca da cobrança], eu quis mudar [de lado]. Bati forte até no cantinho [direito], mas ele conseguiu defender. Sinceramente, eu fiquei tranquilo. O Baresi bateu o primeiro e errou, eu bati o primeiro e errei, tinham mais quatro para cada lado. A gente não tinha medo de ninguém.

Marcio Santos, sobre a cobrança perdida na histórica decisão por pênaltis contra a Itália em 1994

Reprodução/TV Globo

Galvão Bueno "passou dos limites"

Uma das cenas mais marcantes na festa pela conquista do título de 94, após Roberto Baggio errar o pênalti decisivo, foi Galvão Bueno soltar o grito "é tetra, é tetra", enquanto era quase 'enforcado' por Pelé, parceiro de transmissão na Rede Globo. Porém, o narrador 'soltou a corneta' na final entre Brasil e Itália e criticou Cafu, Zinho, Taffarel... O fato irritou a delegação brasileira.

"Ele se mostrou muito torcedor, não foi tão profissional narrando, parecia o torcedor ali narrando na mesa do bar. Não pode, extrapolou demais. Eu mesmo falei com uma pessoa lá de dentro [TV Globo]. Ele passou dos limites, os jogadores ficaram muito bravos com ele, muito chateados. Mas está gravado agora, né? Quando for passar de novo [reprise da partida] vai mostrar ele falando essas besteiras tudo de novo, tem que se conformar com isso", criticou Márcio Santos.

Apesar desta onda de julgamentos negativos, surgiu o bordão "Sai que é sua, Taffarel". Márcio Santos, no entanto, não dá o braço a torcer até hoje. "Aí ele dá moral, mas é emoção. Ele vive de emoção, mas tem que saber se controlar na hora certa. Ele não pode falar o que falou."

Muitos anos depois da Copa de 1994, Galvão Bueno chegou a pedir desculpas ao ex-meia Zinho pelo excesso de críticas. O então meia do Palmeiras era um dos alvos mais atingidos pela insatisfação ao estilo de jogo moderado do time de Parreira.

Getty Images

Zidane era horrível de cabeça, mas...

Um dos cortes mais emblemáticos antes da Copa de 1998 aconteceu poucos dias antes de a delegação brasileira embarcar para a França. Herói do tetra, Romário sofreu lesão na panturrilha e foi vetado pelo médico Lídio Toledo. Revoltado, o Baixinho não aceitou bem o desligamento e criticou a comissão técnica, pois acreditava que poderia estar em campo, no mais tardar, na segunda partida da primeira fase.

Mas poucos recordam que volante Flávio Conceição (torção no joelho) e Márcio Santos também foram cortados por contusões. O zagueiro sofreu uma contusão na coxa esquerda na final do Paulistão-98 e não conseguiu se recuperar a tempo. Então, teve que assistir pela TV um ex-companheiro dos tempos de Bordeaux decidir a Copa: o meia Zinédine Zidane fez dois gols de cabeça na final França x Brasil.

"Ele nunca fez gol nem em treino, era horrível de cabeça no Bordeaux. Uma vez cruzei com ele e falei: 'pô, você nunca fez nem em treino, você não sabe cabecear, naquele jogo você fez dois gols de cabeça'. Ele deu risada. Realmente, naqueles dois anos que fiquei lá, ele fez chover no Bordeaux. Tanto que deu no que deu, o grande jogador que ele é", recordou.

Apesar da boa estatura (1,85 m), Zidane não era um excepcional cabeceador, visto que, geralmente, era o batedor de faltas e escanteios das equipes por onde passou.

Folha Imagem

Afastamento no São Paulo e "perseguição" a campeões

Aposentado, Márcio Santos ainda guarda mágoas da primeira passagem de Paulo César Carpegiani pelo São Paulo. Ele não aceita o fato de ter sido deixado de lado pelo técnico, mesmo após ter ajudado o time a ser campeão paulista de 1998.

"Até hoje eu não entendi o que aconteceu, estou tentando entender. Eu era o capitão desde 97, quando eu cheguei era o Darío Pereyra o treinador, já estava toda essa leva lá, Rogério Ceni, Denílson, Edmilson, Dodô, toda essa molecada boa", recordou. "Fomos campeões paulistas em 98, no Brasileiro quase caímos, escapamos nas últimas rodadas para não cairmos para Série B. Ele me usou para dar um chacoalhão nos outros. Em menos de dois meses no São Paulo, ele me tirou a faixa de capitão, do nada", acrescentou.

Antes de encerrar o seu ciclo de três temporadas pelo São Paulo, Márcio Santos chegou a ser afastado do time depois de reclamar da reserva publicamente. Precisando de mais maturidade no grupo, Carpegiani voltou atrás e deu nova chance ao zagueiro em um clássico com o Corinthians.

"Ele não gostou de uma entrevista que eu dei e me afastou, fiquei um mês treinando separado. Ele estava precisando de experiência, eu fazia a diferença, gostava mais de clássico. Na segunda-feira [jogo era no domingo], ele me chamou e falou: 'quero reintegrar você'. Resumindo, fui o melhor em campo. Em três minutos de jogo, eu fiz um gol de cabeça", contou.

O ex-zagueiro ainda recordou o episódio com meia-atacante Rivaldo, que também teve rusgas com o comando técnico no Tricolor. "Você já reparou que todos os campeões do mundo tiveram problemas depois que voltaram para o Brasil? O Lúcio teve, o Rivaldo teve também. A sensação que eu tenho é que os treinadores querem dar um chacoalhão no elenco e fica pegando os mais experientes para 'ó, se eu tô fazendo com ele, não vou fazer com você?'. O Carpegiani foi assim."

Fiquei 86 inteiro no São Paulo. No último dia, me dispensaram. Eu falei: 'não tem problema não, fica tranquilo, eu estou de graça para vocês aqui. Daqui uns anos, vocês vão ter que gastar muito dinheiro para me trazer de volta'. E aconteceu isso, o São Paulo teve que me comprar do Ajax em 97, foi uma transação bem grande para a época.

Márcio Santos, sobre as duas passagens pelo São Paulo

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