A maior janela da história

Clubes investem mais de R$ 360 milhões em reforços para a temporada e batem recorde do futebol brasileiro

Diego Salgado Do UOL, em São Paulo Arte/UOL

Janela indiscreta

Os números falam por si só: Arrascaeta custou R$ 54 milhões ao Flamengo, que também desembolsou R$ 22 milhões para contratar o atacante Bruno Henrique e mais R$ 21 milhões para ter Rodrigo Caio. O Palmeiras fez o maior investimento da era Crefisa, já marcada por caras contratações desde 2015. São Paulo e Santos também não economizaram: juntos, beiraram os R$ 100 milhões em reforços.

Com tantas cifras de impacto, não deu outra. A janela de transferência de verão no futebol brasileiro em 2019 bateu todos os recordes. Os 15 maiores clubes do país investiram R$ 360 milhões em jogadores para a temporada. A quantia é superior à registrada em 2005, quando as equipes, lideradas pelo Corinthians, desembolsaram R$ 352 milhões (corrigidos pela inflação - há 14 anos, as cifras atingiram R$ 165 milhões).

A janela de 2019 também colocou um jogador na lista das dez maiores contratações da história do futebol brasileiro. Nominalmente, Arrascaeta é o maior da história, mas com correção monetária, ocupa a sexta posição. O atacante argentino Tevez está no topo da lista. Ele custou R$ 50,55 milhões em 2005, com o valor subindo para R$ 107 milhões ao levar em conta a inflação.

Ale Cabral/AGIF Ale Cabral/AGIF
Ale Cabral/AGIF

Novo cenário explica gastança

Não é à toa que o investimento dos clubes brasileiros em atletas atingiu o maior nível da história em 2019. Os acordos de Flamengo e Corinthians com a TV só sobem desde o fim do Clube dos 13 e a entrada de um novo personagem no cenário da TV Brasileira, a Turner, na forma do Esporte Interativo, inflacionou contratos de outros times - como o Palmeiras. Mais do que isso, duas gestões específicas criaram uma inflação no mercado nunca vista e os clubes começaram a usar as verbas que entraram na venda de atletas para contratar reforços.

O Palmeiras é o melhor exemplo deste novo momento. Equilibrou contas após a gestão de um presidente (Paulo Nobre) e recebeu um aporte financeiro astronômico de sua patrocinadora (Crefisa). Somando a isso a força econômica criada pela inauguração de um novo estádio (Allianz Parque) e a assinatura do maior contrato de TV fechada fora do grupo Globo (com a Turner), virou o time mais poderoso financeiramente do país.

Depois veio o Flamengo. A gestão do ex-presidente Eduardo Bandeira saneou as contas do clube - apesar das críticas por falta de resultados esportivos. Com o acordo gigante com a Globo, fruto das negociações individuais dos direitos de transmissão, a venda de revelações (como Vinicius Jr. e Lucas Paquetá) e o aumento dos acordos de patrocínio, criou-se uma verba inédita para contratações.

E como esses dois contrataram. O Flamengo gastou R$ 97,99 milhões em nomes como Arrascaeta, Bruno Henrique e Rodrigo Caio. Já o Palmeiras investiu R$ 83,58 milhões para reforçar um time que já era forte, trazendo Carlos Eduardo, Zé Rafael e Matheus Fernandes, entre outros. A diferença é que, em 2019, não foram só eles que abriram os cofres. O São Paulo, aproveitando vendas recentes de revelações das categorias de base, gastou R$ 42,55 milhões - chegaram Hernanes e Pablo, por exemplo. Já o Santos, usando o dinheiro ganho com a venda de Rodrygo, trouxe Cueva e o zagueiro Aguilar.

Os R$ 360,43 desta reportagem representam a soma do investimento de Athletico, Atlético-MG,  Bahia,  Botafogo,  Corinthians,  Coritiba,  Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Inter, Palmeiras, Santos, São Paulo e Vasco. É apenas a segunda vez que esses 15 clubes gastam mais de R$ 250 milhões (em valores corrigidos) no século 21. A primeira foi 2005, quando o Corinthians (bancado pelo fundo europeu MSI) inflou os números e os investimentos atingiram R$ 352,53 milhões.

Jogadores mais caros de 2019

  • Arrascaeta: R$ 54,60 milhões

    Cruzeiro/Flamengo

    Imagem: Marcelo Cortes / Flamengo.com.br
  • Cueva: R$ 25,70 milhões

    Krasnodar(RUS)/Santos

    Imagem: Divulgação
  • Pablo: R$ 25,20 milhões

    Athletico/São Paulo

    Imagem: Rubens Chiri/saopaulofc.net
  • Carlos Eduardo: R$ 23,94 milhões

    Pyramids (EGI)/Palmeiras

    Imagem: Ale Cabral/AGIF
  • Bruno Henrique: R$ 22,39 milhões

    Santos/Flamengo

    Imagem: Alexandre Vidal / Flamengo
  • Rodriguinho: R$ 21 milhões

    Pyramids (EGI)/Cruzeiro

    Imagem: Vinnicius Silva/Cruzeiro
  • Rodrigo Caio: R$ 21 milhões

    São Paulo/Flamengo

    Imagem: Alexandre Vidal/Divulgação/Flamengo
  • Matheus Fernandes: R$ 16,80 milhões

    Botafogo/Palmeiras

    Imagem: Divulgação/Palmeiras
  • Felipe Aguilar: R$ 14,70 milhões

    A.Nacional (COL)/Santos

    Imagem: Ivan Storti/Santos FC
  • Zé Rafael: R$ 13,65 milhões

    Bahia/Palmeiras

    Imagem: Cesar Greco/Ag. Palmeiras/Divulgação

Jogadores mais caros do século *

  • Tevez: R$ 107,48 milhões

    Boca (ARG)/Corinthians - 2005

    Imagem: Antônio Gaudério/Folha Imagem
  • Mascherano: R$ 84,56 milhões

    River Plate (ARG)/Corinthians - 2005

    Imagem: FERNANDO SANTOS/Folha Imagem
  • Carlos Alberto: R$ 71,65 milhões

    Porto (POR)/Corinthians - 2005

    Imagem: Fernando Santos/Folha Imagem
  • Leandro Damião: R$ 56,48 milhões

    Inter/Santos - 2014

    Imagem: Friedemann Vogel/Getty Images
  • Alexandre Pato: R$ 55,86 milhões

    Milan (ITA)/Corinthians - 2013

    Imagem: Leonardo Soares/UOL
  • Arrascaeta: R$ 54,60 milhões

    Cruzeiro/Flamengo - 2019

    Imagem: Marcelo Cortes / Flamengo.com.br
  • Alex: R$ 34,95 milhões

    Parma (ITA)/Cruzeiro - 2002

    Imagem: REUTERS/Bruno Domingos
  • Borja: R$ 34,72 milhões

    A.Nacional (COL)/Palmeiras - 2017

    Imagem: Jorge Saenz/AP
  • Vagner Love: R$ 34,02 milhões

    CSKA (RUS)/Flamengo - 2012

    Imagem: Alexandre Loureiro/VIPCOMM
  • Luis Fabiano: R$ 27,53 milhões

    Sevilla (ESP)/São Paulo - 2011

    Imagem: Rodrigo Capote/UOL
Daniel Kfouri/Corinthians

R$ 590 milhões: Corinthians é maior gastador do século

Nos últimos anos, você não liga o Corinthians a grandes contratações. Mas saiba que o clube do Parque São Jorge lidera com folga o ranking dos clubes que mais investem em jogadores no século 21. Em valores corrigidos, as cifras superam a casa do meio bilhão de reais. No total, o clube paulista desembolsou R$ 590 milhões nos últimos 19 anos.

É praticamente o dobro do segundo colocado, o Flamengo, que pagou R$ 297,75 milhões por contratações no período. O Palmeiras vem em seguida, com R$ 284,79 milhões. Outros três clubes superam os R$ 200 milhões em reforços: Santos, Cruzeiro e São Paulo.

Como explicar essa vantagem corintiana? MSI e o efeito Ronaldo. Os dois fenômenos (trocadilho intencional) foram os causadores de dois anos fora da curva do Corinthians. Em 2005, oxigenado pelo fundo de Kia Joorabichian, foram R$ 307 milhões gastos em reforços. Oito anos depois, em 2013, os valores atingiram R$ 113 milhões - Alexandre Pato, Renato Augusto e Gil chegaram a um clube que se reestruturou financeiramente após a contratação revolucionária do pentacampeão.

Antônio Gaudério/Folha Imagem

2005: Corinthians e a maior loucura da história do futebol brasileiro

Primeiro, Carlos Tevez, que chegou ao Corinthians como craque promissor. Depois, Carlos Alberto, Mascherano, Sebastián Domínguez e Roger também foram anunciados, com Daniel Passarella como comandante à beira do campo. Eram os dólares da MSI, que permitiram que o clube alvinegro reforçasse seu elenco em 2005 de uma maneira jamais vista - e que dificilmente será igualada - no futebol brasileiro.

Para se ter uma ideia, Tevez, Mascherano e Carlos Alberto ocupam, até hoje, as três primeiras posições entre os jogadores mais caros do futebol brasileiro. O atacante custou R$ 107 milhões, enquanto o volante/zagueiro foi comprado por R$ 84 milhões, contra R$ 71 milhões do meio-campista. Lembrando: esses números são sempre atualizados pelo IPCA. Outros reforços, como o zagueiro Marinho e o lateral-esquerdo Gustavo Nery chegaram de graça. Nilmar, por sua vez, foi contratado no segundo semestre.

Em campo, o supertime não deu show, mas conseguiu se sagrar campeão brasileiro, já sem Passarella no comando. As estrelas deixaram o clube aos poucos. Tevez e Mascherano seguiram juntos para o West Ham, da Inglaterra, em 2006. No ano seguinte, foi a vez de Carlos Alberto acertar com o Fluminense, Roger, com o Flamengo, e Domínguez, com o Estudiantes, da Argentina.

Ficou, porém, a ideia de que existiam mecenas dispostos a investir no futebol brasileiro. Figuras que até hoje, de uma maneira ou de outra, colocam dinheiro em campo para contratar craques.

Os mecenas

  • 1

    MSI

    O fundo de investimento Media Sports Investment (MSI) acertou uma parceria com o Corinthians no fim de 2004. Com Kia Joorabchian à frente do grupo, passou a investir no futebol corintiano. Na primeira temporada, Tevez, com 20 anos à época, Mascherano, Carlos Alberto e Roger foram as estrelas contratadas. O técnico argentino Daniel Passarella também acertou com o clube. Até hoje, o investimento alvinegro é o maior de todos os tempos no futebol brasileiro. O contrato foi encerrado em dezembro de 2007.

    Imagem: Tuca Vieira/Folhapress
  • 2

    Unimed

    A empresa chegou ao Fluminense em 1999, ano em que o time carioca disputava a Série C do Campeonato Brasileiro. Durante 15 anos de parceria, a Unimed não apenas patrocinou o clube, mas também ajudou em contratações e salários. Com o auxílio de Celso Barros, presidente da companhia, contratações como a de Fred e a de Conca puderam ser realizadas pela diretoria tricolor.

    Imagem: Nelson Perez/Divulgação FFC
  • 3

    Crefisa

    Outro caso de forte parceria que acabou resultando em contratações é a Crefisa, que acertou com o Palmeiras no começo de 2015. Hoje, a empresa, que tem Leila Pereira no comando, é a patrocinadora que melhor paga um clube. Assim como a Unimed, a Crefisa coloca dinheiro em contratações. A mais famosa foi a do atacante Borja, que custou mais de R$ 41 milhões.

    Imagem: Cesar Greco/Fotoarena
Thiago Ribeiro/AGIF

2019 destoa no Flamengo: quase R$ 100 milhões investidos

Sempre ativo no mercado da bola, o Flamengo tinha investimento médio de R$ 15 milhões de 2011 a 2018. Neste começo de 2019, porém, o Flamengo se dispôs a tirar R$ 98 milhões dos cofres para reforçar ataque, meio-campo e defesa. Como? Nos últimos anos, o clube pagou dívidas e aumentou receitas - a verba da Globo aumentou e o clube fechou contratos de patrocínio maiores, por exemplo.

Assim, Arrascaeta, Bruno Henrique e Rodrigo Caio, além de Gabigol, que chegou sem custos, juntam-se ao elenco já estrelado, agora, comandado por Abel Braga. As contratações fizeram o Flamengo alcançar o terceiro maior investimento da história das janelas de verão do futebol brasileiro, superando até as temporadas 2017 e 2019 do Palmeiras - que já era turbinado por Crefisa e lucros pelo Allianz Parque.

Antes da atual temporada, o ano com maiores gastos em contratações do Flamengo tinha ocorrido em 2012, quando R$ 36 milhões foram usados pelo clube. Naquela oportunidade, o atacante Vagner Love foi comprado do CSKA, da Rússia, por R$ 34 milhões.

Cesar Greco/Ag. Palmeiras/Divulgação

Ascensão do Palmeiras: clube é o que mais investiu nos últimos 5 anos

O tímido Palmeiras dos anos 2000 deu lugar ao Palmeiras forte no mercado da bola da década atual, sobretudo depois de 2015, ano da chegada da Crefisa e da primeira temporada completa de funcionamento do Allianz Parque.

A combinação se tornou vital para a retomada do clube alviverde em relação a contratações milionárias. Com o diretor Alexandre Mattos no comando, o Palmeiras contou com o aumento considerável da receita com patrocínio e bilheteria - campeão da Copa do Brasil 2015 e das edições 2016 e 2018 do Brasileirão, o time manteve a sua arena cheia e a situação financeira só melhora.

Nos últimos cinco anos, o Palmeiras desbanca qualquer clube do Brasil no quesito contratações. O investimento ultrapassou a marca de R$ 222 milhões, contra R$ 172 milhões do Flamengo, R$ 132 milhões do Santos e R$ 109 milhões do São Paulo. De 2001 a 2011, o clube alviverde investiu apenas R$ 62 milhões.

Marcello Zambrana/AGIF

São Paulo e Santos: vendas explicam contratações

Conhecido pelas grandes negociações em vendas, o São Paulo potencializou essa postura recentemente e conseguiu, assim, desbancar Corinthians e Cruzeiro na corrida por grandes contratações. Nos últimos cinco anos, o clube ocupa a quarta posição, atrás de Santos, Flamengo e Palmeiras.

No ano passado, o São Paulo teve receita de R$ 150 milhões só com a venda de atletas, como Lucas Pratto, Cueva e Éder Militão. A conta aumentou com a ida de Rodrigo Caio ao Flamengo. A boa performance ajudou nas contratações valiosas de Pablo e Hernanes. A atual janela tricolor, com R$ 42 milhões, é a maior da sua história.

Já a do Santos é a segunda maior, atrás apenas da registrada em 2014, ano em que o clube contratou Leandro Damião por R$ 56 milhões (valor corrigido). Na atual temporada, impulsionado pela venda do jovem Rodrygo, os santistas já investiram R$ 57 milhões. Cueva custou R$ 25 milhões. O zagueiro Aguilar, quase R$ 15 milhões. Já o meia Soteldo fez o Santos desembolsar aproximadamente R$ 13 milhões.

Thiago Ribeiro/AGIF

Botafogo, Inter e Vasco não colocam a mão no bolso

Diante de tanto investimento e contratações milionárias, há os clubes que praticamente não investem em reforços, à espera da famigerada "oportunidade de negócio". Os maiores exemplos são Vasco e Botafogo. Inter, na comparação com o rival Grêmio, também entra nesse rol.

O caso mais emblemático é do Vasco, que não mexe nos cofres desde 2012 para pagar por uma contratação. Naquela temporada, o clube investiu pouco mais de R$ 3 milhões na compra do meia Bernardo. O Botafogo tampouco precisou de muito dinheiro para reforçar o elenco nas últimas temporadas. O investimento foi zero no começo deste ano, assim como em 2016 e 2015.

Curiosamente, as duas equipes superaram Fluminense e Flamengo no último Campeonato Carioca ao disputarem a final. O Botafogo bateu o rival e conquistou o título estadual. Agora em 2019, o investimento nulo não impediu que os times se reforçassem. O Botafogo contratou nomes como o volante Alex Santana, o meia Cícero, o zagueiro Gabriel e o goleiro Diego Cavalieri. No Vasco, chegaram o lateral Cláudio Winck e o meia Bruno César sem custos.

No Gre-Nal, o Inter até conseguiu igualar as cifras no século: são R$ 140 milhões contra R$ 159 milhões do rival. Mas, nas temporadas recentes, a diferença só aumenta. Na década atual, os gremistas investiram R$ 128 milhões, enquanto os colorados tiraram R$ 77 milhões do bolso. Em 2016, o Inter não gastou com contratações. Em 2019, desembolsou apenas R$ 2,9 milhões, exatamente a metade do Grêmio.

Itamar AGUIAR / AFP

Cruzeiro, Atlético-MG e Grêmio: poupança e títulos

O trio Cruzeiro, Atlético-MG e Grêmio está longe das cifras de Corinthians, Palmeiras e Flamengo, mas nem por isso deixa de montar equipes competitivas e vencedoras. Os três clubes estão entre os maiores campeões dos últimos anos.

Atlético-MG e Grêmio chegaram a erguer a taça da Libertadores em 2013 e 2017, respectivamente. Na Copa do Brasil, ganharam quatro das últimas cinco edições. O Cruzeiro é o atual bicampeão da competição. O tricolor gaúcho venceu a edição 2016, enquanto o Galo conquistou o título em 2014.

Desde 2011, o investimento desses clubes é similar. O Cruzeiro usou R$ 144 milhões em contratações, contra R$ 128 milhões do Grêmio e R$ 123 milhões do Atlético-MG. Em 2019, os gremistas ficaram para trás, com quase R$ 6 milhões. No duelo de Minas, há quase um empate: os cruzeirenses gastaram R$ 23 milhões, a maior parte no meia Rodriguinho, e os atleticanos desembolsaram R$ 20 milhões nas vindas do zagueiro Igor Rabelo e no lateral Guga.

Metodologia

Para chegar às cifras mostradas na reportagem, o UOL Esporte se baseou no site Transfermarkt. Somente as contratações para o primeiro semestre foram incluídas no levantamento. Como os números divulgados são em euros, adotamos o seguinte padrão: os valores foram convertidos para o real por meio da média do euro em fevereiro de cada ano. Em seguida, todos eles foram corrigidos pelo índice IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a variação de preços em determinado período. O padrão foi usado nos investimentos dos clubes e nos valores ligados aos jogadores citados.

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