Lusail no mapa

Como serão o estádio da final da Copa do Mundo e a nova cidade no meio do deserto do Qatar que vai abrigá-lo?

Gabriel Carneiro Do UOL, em Doha (Qatar) UOL

Os mais de 80 mil assentos estão instalados, só falta tirar o plástico. Estruturas metálicas, de som e telão fazem parte do visual. É como se já fosse um estádio em uso. O vestiário e toda a organização interna poderiam receber hoje mesmo os grandes jogadores de futebol. A maior pendência é o gramado, plantado há pouco tempo e que ainda não está pronto. Promessa é de até o fim do ano estar um tapete.

Dos oito estádios preparados pelo Qatar para sediar a Copa do Mundo de 2022 é apenas este que falta ser inaugurado. Para além do gramado, o fato de a parte externa estar inacabada chama atenção dos visitantes e explica a demora, como se fosse um verdadeiro canteiro de obras ao redor de uma praça esportiva terminada.

Mas há uma explicação para isso: o Estádio de Lusail está sendo construído dentro de uma nova cidade que tem o mesmo nome. A 20 km da capital Doha, Lusail foi durante décadas uma vila isolada no meio do deserto, mas agora faz parte de um projeto ousado de modernização que passa pelo esporte. Daqui a exatamente um ano — em 18 de dezembro de 2022 — é lá que acontecerá a final da Copa do Mundo e a consagração eterna de alguma escola de futebol. Será a do Brasil?

O UOL Esporte visitou Lusail a convite do Comitê Supremo para Entrega e Legado, órgão que organiza a Copa do Mundo de 2022, e agora conta o que viu e ouviu.

UOL

Veja a evolução das obras do Estádio Lusail, no Qatar

Divulgação

Nova cidade terá população entre 200 mil e 450 mil pessoas

Lusail é símbolo do que o governo do Qatar quer mostrar para o mundo ao sediar a Copa de 2022. Em meio à visão internacional de que faltam liberdades individuais, uma demonstração de bem-estar do povo que passará a viver lá. Para contrariar a visão de que se trata de um país preso ao passado por causa de sua riqueza gerada pela exploração de petróleo, um futuro tecnológico e sustentável.

As obras da cidade começaram há mais de 15 anos, quando ainda não se tinha confirmação sobre sediar o Mundial. Mas só a partir do momento em que a Fifa oficializou a indicação é que os planos ficaram mais concretos. A área de 38 km² tem algumas partes já prontas e outras cheias de entulhos, obras e prédios em construção em meio ao processo de inverter a desertificação da região para torná-la habitável. Hoje, é um cenário distópico, que mistura areia a grandes empreendimentos.

A ideia é entregar tudo no começo de 2022 e assim desafogar a capital Doha, que tem população próxima de 2,4 milhões de pessoas — o Qatar inteiro tem 2,7 milhões, a título de comparação. Para Lusail, a expectativa é de 200 mil residentes, mas aproximadamente 450 mil somando trabalhadores e visitantes.

É uma cidade inteira que avança do zero junto com seu maior cartão-postal, o estádio que começou a ser erguido em 2017. Mas nem tudo é bonito como na ofensiva de relações públicas que o país tem feito nos últimos anos.

Lusail em números

  • 40

    Mil trabalhadores participaram das obras do estádio e da cidade.

    Imagem: Gabriel Carneiro/UOL
  • 86

    Mil será a capacidade real aproximada do estádio, não só 80.

    Imagem: Gabriel Carneiro/UOL
  • 38

    Km² é a extensão da cidade. No Brasil, seria uma das 20 menores.

    Imagem: Reprodução
  • 22

    É o número de hotéis que a pequena cidade está construindo.

    Imagem: Reprodução
  • 200

    Bilhões de reais é uma média do custo da cidade, incluindo o estádio. Pode ser maior.

    Imagem: Reprodução
  • 450

    Mil é a população esperada. Residentes são 200 mil, 170 mil a trabalho e 80 mil a turismo.

    Imagem: Divulgação/Road to 2022
Tiago Leme/UOL

A questão dos trabalhadores

A questão das condições de trabalho dos mais de 40 mil operários envolvidos nas obras da cidade e do estádio de Lusail é delicada. Em fevereiro de 2021, o jornal The Guardian publicou que cerca de 6.500 imigrantes de países como Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka que trabalhavam nas obras da Copa do Mundo morreram desde dezembro de 2010, quando o país foi confirmado como sede.

No mês passado, dois novos elementos foram adicionados à discussão: enquanto a Organização Internacional do Trabalho (OIT) negou este número de mortes de operários, a Anistia Internacional fez relatório apontando "milhares de mortes" e problemas no esclarecimento delas pelo governo do Qatar. Nasser Al Khater, presidente do comitê organizador do Mundial, diz que houve apenas três mortes, aproximadamente 0,04% do número divulgado.

O UOL já publicou uma grande reportagem sobre a realidade dura dos trabalhadores da Copa, que envolve jornadas exaustivas, remuneração baixa e condições precárias, com acusações de situações análogas à escravidão em alguns casos.

É sabido que o maior contingente de trabalhadores diz respeito a Lusail, então existe uma sensação no local de tema proibido. Pessoas sem autorização de órgãos públicos não podem entrar nos canteiros de obras ou conversar com os trabalhadores, sempre de coletes fluorescentes amarelos e laranjas. Essa onda de restrições também conta com placas indicando a impossibilidade de tirar fotos ou gravar vídeos. Quem descumpre as ordens, inclusive, pode ter problemas.

UOL

Detenção de jornalistas e a defesa do governo do Qatar

Um caso recente chamou atenção da mídia internacional: dois jornalistas noruegueses do canal "NRK" que investigavam as condições dos trabalhadores migrantes no Qatar foram detidos pela Polícia antes do voo de volta para seu país, em novembro.

Durante uma transmissão ao vivo para a Noruega, um dos profissionais disse ter visto medo no olhar de trabalhadores para quem pediu entrevistas. Ele acredita que esse tenha sido o motivo da detenção, que durou entre domingo e terça-feira. O governo do Qatar, por sua vez, aponta que os jornalistas foram detidos "por invasão de propriedade privada e filmagem sem autorização".

A dupla já está de volta a Oslo e a NRK considera o caso um atentado à liberdade de imprensa e de expressão, com promessa de acionar a Fifa. Independentemente do rumo que o episódio tomar, é mais uma demonstração de que o assunto seguirá vivo ao longo dos próximos meses.

Para os responsáveis pela organização do Mundial, a ideia é virar a página do tema. O que se diz é que a vitrine do evento chamou atenção para a situação logo no começo, o que fez com que as condições de trabalho melhorassem. Em julho, agosto e setembro deste ano — meses de temperaturas altas — houve paradas obrigatórias entre 12h e 15h.

Além disso, a pressão internacional e da Fifa acabou com um regime de trabalho local chamado "kafala", que vinculava os trabalhadores aos responsáveis por levá-los ao país, inclusive com retenção de passaporte. As leis locais de trabalho foram reformadas em 2020.

UOL

O futuro do estádio

Outra polêmica sobre Lusail é o que fazer com o estádio da final da Copa do Mundo após a competição. O Qatar não precisa de uma praça esportiva para 80 mil pessoas e o plano atual é repensar a sua engenharia. A fachada externa inspirada nas tigelas arredondadas características do artesanato local seria preservada, mas na parte de dentro iria mudar tudo, com as estruturas sendo adequadas para receber uma escola, um shopping, uma clínica de saúde e até moradias.

Dos outros sete estádios da Copa, cinco terão a capacidade reduzida até pela metade depois do torneio (Al Bayt, Al Janoub, Al Thumama, Education City e Ahmed Bin Ali), um terá a capacidade mantida (Khalifa Internacional, o único que já existia no país) e outro será completamente desmontado (estádio 974, cujo nome remete ao código telefônico do Qatar e ao número de contâiners usados na construção), o que mostra a preocupação do país com o risco de erguer elefantes brancos.

Mas sobre o Estádio de Lusail existe uma polêmica, por ser a mais imponente das obras. Nasser Al Khater, o CEO da Copa, é quem trabalha para mudar essa ideia na mente das pessoas e da mídia internacional.

"É melhor que o estádio seja útil depois da Copa do Mundo do que não seja usado. Mesmo sem ser com futebol, é importante que seja útil para a comunidade. As discussões hoje são como fazer um centro importante para as pessoas neste novo local, onde há áreas residenciais e escritórios sendo construídos. É uma área premium para novos negócios", alardeia.

Lusail é uma nova cidade em construção e desenvolvimento. Há muitas coisas, como casas, escolas, shoppings, espaços de entretenimento, parques e escritórios, que ainda estão sendo criados e alvos de investimentos por lá. Depois de receber a final da Copa, a cidade de Lusail não terá necessidade de um estádio com tanta capacidade."

Fatma Al Nuaimi, Executiva de comunicações da Copa do Mundo, ao UOL Esporte

Então, este será um prédio para complementar a cidade. Será um espaço em que veremos: o que ainda está faltando na cidade? Aí complementar. Usos como unidades comerciais, escolas ou serviços médicos implementados como legado da Copa do Mundo. O formato do estádio será transformado para este projeto de legado."

Sobre o futuro do Estádio de Lusail

Veja imagens internas do Lusail

Divulgação

Cidade do futuro

Promete ser difícil encontrar o que Fatma Al Nuaimi chama de "complementos" para a cidade de Lusail. É como se tudo já estivesse projetado. A cidade de 38 km² será dividida em quatro ilhas exclusivas e outros 19 distritos. Um destes distritos é o do estádio, por exemplo.

Também vai ter um distrito cultural, com museus e arquitetura inspirada em Paris, e outro já predeterminado para viverem as famílias de menor poder aquisitivo, como se fosse um bairro popular. Alguns distritos são residenciais, outros comerciais, alguns turísticos e outros de uso misto.

Tudo isso já está desenhado e é divulgado pelo governo do Qatar na internet para vender casas e salas comerciais da nova cidade, junto com uma série de tecnologias que colaborem com o lema de "cidade do futuro".

  • Transporte

    Cidade terá um veículo leve sobre trilhos conectado ao metrô de Doha, além de 76 km de ciclovias e opção de 20 pontos de táxi aquático em três marinas. Para estacionar carros, há o projeto de 6 mil vagas subterrâneas.

    Imagem: Reprodução
  • Clima

    Toda a cidade é projetada com dutos subterrâneos de refrigeração. A ideia é que o ambiente seja agradável para circulação de pessoas mesmo no calor do Qatar, em que as temperaturas atingem até 50º.

    Imagem: Reprodução
  • Conectividade

    Wi-Fi em toda a cidade e uma grande rede de fibra óptica já fazem parte dos projetos originais. Também é pensado um sistema integrado de dados e informações para monitoramento de todas as vias num moderno sistema de segurança, prioridade no país.

    Imagem: Reprodução
  • Limpeza

    A novidade é a coleta de lixo pneumática. Cada andar de prédio terá estação de coleta que permite que o lixo seja transportado por uma rede de tubos de vácuo até o aterro ou compostagem. Não haverá caminhões de lixo, por exemplo.

    Imagem: Reprodução
Getty Images

Capital do esporte qatari

O investimento em esporte de Lusail vai bem além do novo estádio ou da Copa do Mundo. Desde 2004, a cidade faz parte do calendário da MotoGP sediando o Grande Prêmio do Qatar de Motovelocidade, que teve a primeira corrida noturna da história do esporte e geralmente abre as temporadas.

O Circuito Internacional de Lusail também recebeu eventos de Superbike e corridas de carros de turismo, mas neste ano fez sua esperada estreia na Fórmula 1. Foi no dia 21 de novembro e teve vitória do inglês Lewis Hamilton, da Mercedes. Uma curiosidade chamou atenção: as áreas de escape têm grama sintética para evitar que a areia influencie na pista.

Em 2022 não vai ter GP do Qatar por causa da Copa do Mundo, mas no ano seguinte volta para um contrato de dez anos.

Lusail também tem uma arena coberta com capacidade para 15 mil pessoas que é um cartão-postal (foto). Ela foi inaugurada em 2014 para receber no ano seguinte o Mundial de Handebol Masculino vencido pela França — o Qatar foi vice-campeão e o Brasil caiu nas oitavas de final.

Com sua arena, circuito e estádio, o Qatar usa o esporte na construção da identidade nacional. As polêmicas também fazem parte dela.

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