O último gol de Luis Fabiano

Ex-atacante? Não. Ele sonha em voltar ao São Paulo para (por que não?) também receber um cartão amarelo

José Eduardo Martins Do UOL, em São Paulo Miguel Schincariol/Getty Images

O nome de Luis Fabiano já está escrito na história do São Paulo. Hoje aos 39 anos, sem jogar há quase três, ele atingiu a independência financeira há tempos. São vários os motivos para querer aproveitar a vida com as três filhas em Campinas, longe do futebol, ainda mais depois de uma lesão complicada. Mas, não, para ele ainda não é hora de adicionar o "ex" ao seu currículo. Não quer ser visto como um ex-atacante.

A pandemia atrapalhou um pouco, mas o artilheiro, naturalmente uma pessoa mais reclusa, ainda acorda cedo todos os dias para enfrentar as dores de uma longa carreira em alto rendimento, voltando de uma segunda cirurgia no joelho. Detalhe: ele está sem jogar desde novembro de 2017, quando defendia o Vasco.

Neste intervalo, Luis Fabiano acreditou que voltaria às raízes, para vestir a camisa da Ponte Preta. Ficou perto de um acordo, mas acabou não acontecendo. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, o veterano falou sobre essa negociação frustrada e o desejo de voltar a subir as escadas do Morumbi, ao lado do amigo Daniel Alves e ao som da torcida gritando seu nome, de peito estufado. Assim como ele acredita que tenha fôlego para fazer pelo menos mais um gol pelo Tricolor paulista. E —por que não?— também receber uma última advertência da arbitragem.

"Fui pego de surpresa com essa lesão, com essa operação. Tinha um objetivo e um plano traçado na cabeça. Se tudo desse certo, era cumprir o contrato com o Vasco e, de repente, voltar pro São Paulo e encerrar a carreira lá. Esse era o melhor dos mundos. Coloquei na cabeça que eu tinha que terminar a carreira jogando, dentro do campo. Eu não aceito essa situação que estou vivendo", diz.

É entrar no campo, fazer um gol, tomar um amarelo e sair [risos]."

Miguel Schincariol/Getty Images

Se eu for voltar a jogar, hoje, é por prazer e terminar o que eu fiz a minha vida toda bem feito. Simplesmente é isso.

Luís Fabiano

Eu olho para minha carreira e me coloco entre os melhores atacantes que o Brasil já teve, sem dúvida nenhuma.

O titular na Copa de 2010

Assista à entrevista com Luis Fabiano

Allsport UK/ALLSPORT Allsport UK/ALLSPORT

Mudança (forçada) de planos

Luis Fabiano é o tipo de pessoa que gosta de trabalhar com metas e cumpri-las. O atacante tinha um plano para pendurar as chuteiras. Em ação pelo Vasco, teria espaço para mostrar serviço e retornar ao São Paulo ou à Ponte Preta, antes de dar adeus aos campos.

Tudo corria dentro do esperado. Em 2017, após jogar na China, ele foi para São Januário, aquela que seria a penúltima etapa de sua carreira. No Rio de Janeiro, disputou 20 partidas e anotou mais seis gols em seu currículo. Não era o mesmo rendimento de antes, mas ainda estava inserido no mercado. Mas uma lesão no joelho direito mudou tudo.

Luis Fabiano precisou ser operado e não conseguiu se recuperar plenamente para voltar a jogar bola. Mas, nota-se pela declaração acima, ele se recusa a aceitar essa condição. Parar? Só se for em campo, e, não, na sala de fisioterapia.

Da mesma forma, hoje o veterano rejeita uma possibilidade imediata de vestir novamente a camisa da Ponte, clube que o projetou à elite do futebol nacional, em ótimo momento no final dos anos 90. Jogador e clube até negociaram por um tempo, mas dá para dizer que as conversas deixaram um gosto amargo.

"Gosto muito da instituição, mas as pessoas que estão hoje lá... No começo do ano, tive uma reunião e acabamos decidindo que não seria mais. Pessoas passam, e, de repente, podem aparecer novas figuras e tudo mudar."

Friedemann Vogel/Getty Images Friedemann Vogel/Getty Images

Tudo mais chato?

Se for para voltar a jogar, Luis Fabiano já sabe que vai encontrar um futebol diferente. Desde que enfrentou o Vitória em novembro de 2017, muita coisa mudou.

Em campo, as partidas do Campeonato Brasileiro, por exemplo, agora já contam com o VAR (sistema com árbitro de vídeo). No caso específico deste profícuo camisa 9, a novidade tem seu lado bom, mas também implica em outro ruim. Afinal, seu jogo era físico, e, para se defender de adversários mais truculentos, ele também já se perdeu muitas vezes no revide.

"Às vezes, um pisão que o zagueiro me dava sem bola. Às vezes, um soco que eu tomei nas costas, porque eu jogava de costas. Às vezes, muitas provocações poderiam ser pegas, antes da minha explosão. Poderia me beneficiar, mas em outros lados também poderia me prejudicar."

A vida mais simples do futebol também se distanciou. Luis Fabiano viu a rotina dos atletas e dos clubes mudar bastante. O contato entre jornalistas e os jogadores, por exemplo, é completamente diferente. Agora, as conversas ficam mais restritas às entrevistas coletivas e ao contato com assessores, ou com o "o estafe". Os treinos têm quase sempre o acesso restrito. Ao mesmo tempo, a vigia passou a ser muito mais ampla.

Hoje, o futebol se modernizou muito. Então, você não pode fazer nada, você não pode falar um palavrão, você não pode discutir com o adversário. Tudo é o VAR. Tudo é motivo pra ser analisado. Então, quando você está debaixo de muitas câmeras, muita fiscalização, você fica sem muita ação, sem a malandragem. Mas também não estou falando que no futebol você tem que brigar."

Bom, 99% dos zagueiros que iam me enfrentar já entravam com objetivo claro de provocar. Isso é certo

Luís Fabiano

Me provocavam e davam porrada esperando o revide. Eu sabia disso. Mas às vezes você se desconcentra

O "Fabuloso"

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Um arrependimento

Ok, o futebol pode estar mais chato, mesmo. Mas, dentre alguns eventuais arrependimentos em sua carreira, Luis Fabiano elege precisamente um cartão vermelho que recebeu como uma mágoa resistente na memória. Em 2012, ele foi campeão da Copa Sul-Americana, o último troféu conquistado pelo clube do Morumbi. Acontece que, por conta de uma expulsão na primeira partida contra o Tigre (ARG), numa decisão bastante estressante, ele ficou fora da grande final no Morumbi.

Na saída do jogo, que foi realizado na mítica Bombonera, o jogador usou palavras bastante fortes: "Estava muito bem, tudo estava se encaminhando para uma grande partida. Acho que nunca vou ter outra oportunidade de jogar uma final dessa na minha vida. Hoje, sinceramente, estou tendo um sentimento que nunca tive em toda a minha carreira. É um sentimento de frustração, com um pouco de vontade de largar o futebol, de viver em paz".

Agora, oito anos depois, ele revisita o episódio da seguinte maneira: "O ponto que eu mudaria na minha carreira, com toda certeza, é a final da Sul-Americana. O ponto que mais me doeu. Eu mudaria a primeira final (quando foi expulso)". Mas ainda quer viver o futebol.

Mesmo que não estivesse em campo na partida de volta, —com mais confusão no Morumbi, registre-se—, Luis Fabiano foi campeão daquela Sul-Americana. Seu segundo e último título pelo São Paulo, depois de ter levado o Rio-São Paulo em 2001.

Se eu tivesse sido mais vezes campeão no São Paulo, eu seria também como o Rogério continua sendo. Julgam muito pelo final da história, que tem que ser campeão. Não veem tudo o que eu fiz, o momento em que eu joguei no São Paulo, que só foram momentos complicados.

Luís Fabiano

Friedemann Vogel/Getty Images Friedemann Vogel/Getty Images

A falta que as caneleiras fazem

Não é só o futebol "moderno" que vai desafiar Luis Fabiano, caso ele volte a assinar um contrato. Ele também enfrentaria sua própria superstição. Afinal, o atacante tinha um carinho todo especial por um... par de caneleiras que simplesmente desapareceram nessas andanças do mercado da bola.

Os adereços foram feitos especialmente para ele por um artista italiano, que vivia na Espanha. Tinham um leão pintado, além da grafia "LF9" e do nome das filhas do matador. Pois, desde a viagem de volta da China, o atacante nunca mais as viu. Coincidência ou não, foi quando as coisas saíram de controle em sua carreira.

Você tocou numa tristeza muito grande. Rapaz, quando eu fiz a mudança da China para cá, minha caneleira sumiu. Perdi minha caneleira de muitos anos. Desde 2006 que eu a usava. Estava sempre comigo. Era da sorte. Na mudança, perderam. Até falei com o intérprete na China, o Fernando, para ele ir à casa onde morei. Ele foi lá e não achou nada. Eu procurei essa caneleira, já fiz de tudo e não achei."

Sem sucesso na busca pelo amuleto, o jogador tentou ao menos encomendar um novo modelo. Um novo revés: tampouco entrou em contato com o artista que produziu a peça.

"Pois é. Lá no Vasco, eu usei [caneleiras] da marca que era a minha patrocinadora [a Nike]. Mas a minha caneleira era a minha caneleira. A minha encaixava de um jeito diferente. Até procurei o contato da pessoa que as fez, mas acho que ele mudou o número. Aqui, no Brasil, eu não sei se tem alguém que faça esse tipo de caneleira."

WALLACE TEIXEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO WALLACE TEIXEIRA/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

O "Buracanã" e as raízes

Nascido em Campinas, o atacante ainda mora no município do interior paulista. Lá, graças à combinação rara de porte físico, explosão, talento e fibra, não demorou muito para ele deixar para trás o "Buracanã", nome que popularizou a praça de esportes Vereador Salvador Lala, com um campinho improvisado no subúrbio.

Luis Fabiano foi recrutado bem jovem pela Ponte Preta, o time do coração do seu principal incentivador, o avô Benedito. Se hoje o atacante gosta de planejar as coisas, o então garoto sequer imaginava ir tão longe, a ponto de um dia ser titular e esperança da seleção brasileira numa Copa do Mundo

"Quando comecei a jogar no profissional da Ponte, para mim, estava ótimo. É lógico que você sempre almeja mais coisas, mas eu cheguei no time de coração do meu avô, da minha família. Jogando em Campinas, a minha cidade, ganhando um salário que, para mim, com 17 anos, estava ótimo."

Ele ainda brilhou pelo São Paulo, fez seu nome na Europa, passando por Sevilla e Porto, conheceu a China, mas se mantém ligado às raízes. Além de viver em sua cidade natal, o contato com os amigos da várzea faz parte do dia a dia do artilheiro. Como ele gosta de dizer, sua essência está nas ruas de Campinas, mais especificamente do Jardim Proença.

"Tenho alguns amigos no futebol que se tornaram amigos de verdade, mas a maioria dos meus amigos está aqui, que são amigos da infância. Eu mantenho a minha raiz. Minha avó mora na casa que eu morei até hoje. Minha mãe mudou por questão de segurança, mas eu gosto dessa simplicidade."

Reprodução/Instagram

Olá, Arboleda. Você quer comprar uma máquina?

Luis Fabiano ainda não pendurou as chuteiras, mas já faz um tempo que abriu o seu horizonte para não depender financeiramente apenas do futebol. O jogador diversificou seus negócios. Entre os seus investimentos, há uma loja de carros de alto padrão, em Campinas. Da qual Arboleda, o zagueiro equatoriano do São Paulo, já se tornou um cliente.

O artilheiro, aliás, é apaixonado por carros e entende do assunto, da mesma forma que age na grande área. A sua marca preferida é a Porsche. Mas não se limita a essas máquinas no mundo dos negócios. Ele é sócio de uma empresa que também trabalha com móveis, joalheira, entre outros.

O Corinthians bem que tentou, mas...

Ídolo são-paulino, Luis Fabiano já teve a oportunidade de defender o Corinthians. Em 2011, antes de retornar para o São Paulo, ele recebeu uma proposta do Alvinegro. Apesar de a oferta ser interessante financeiramente, ele não quis dar ouvidos ao rival. Um ano depois, o clube fechou com o peruano Paolo Guerrero.

"Tive proposta. Primeiro é que o Sevilla não tava disposto a me liberar. Depois, eu nunca tive essa grande vontade de jogar no Corinthians. Eu respeito muito o Corinthians, é uma grande equipe. Tive uma proposta muito boa, muito atrativa em termos financeiros, mas eu nunca tive nem um pinguinho de vontade de jogar no Corinthians. Acabei recusando todas as propostas."

O clube do Parque São Jorge, para constar, é a maior vítima de Luís Fabiano durante a sua carreira. Até agora, o jogador marcou 13 gols no adversário. Foram dez vestindo a camisa do São Paulo, um pela Ponte Preta e outros dois pelo Vasco da Gama.

"Sempre gostei de fazer gol em clássico. Em clássico era mais gostoso. Como a rivalidade era muito grande e cresceu bastante entre São Paulo e Corinthians, nesse tipo de jogo era sempre mais prazeroso fazer um gol."

Eduardo Anizelli / LatinContent / Getty Images Eduardo Anizelli / LatinContent / Getty Images

O mercado em movimento

Não foi só o Corinthians, obviamente, que passou pelo horizonte de um jogador como Luis Fabiano, ainda mais quando no auge. Diversos grandes clubes o cercaram, indo das básicas sondagens de mercado a propostas concretas. O difícil era convencer o Sevilla, clube do qual foi um dos maiores jogadores na história, a liberá-lo.

Pouco depois de começar a sua jornada na Espanha, ele se consagrou ao abrir caminho na goleada sobre o Middlesbrough pela final da Copa da Uefa [hoje Liga Europa], em 2006. Na ocasião, ele completou de cabeça um cruzamento de Daniel Alves. Sua trajetória na Espanha, porém, bem que poderia ter sido cumprida em algum dos maiores clubes do planeta: Barcelona ou Real Madrid. Mas as negociações nunca se concretizaram. No caso do clube catalão, antes mesmo de chegar ao Sevilla.

"Eu gostaria de ter ido para o Barcelona, quando eu ainda estava no São Paulo e recebi a proposta. Mas sempre tive a tranquilidade de deixar o clube resolver. Se chegasse num acordo com o clube, eu faria a minha parte. O São Paulo recebeu uma proposta, acabou não chegando no valor de transferência. Eu nunca forcei nada."

O gigante de Madri também tentou também contratá-lo, já quando estava na Espanha. No entanto, à época, o emergente clube da Andaluzia podia, de certa forma, enxergar o Real como um adversário direto. Desta forma, a transferência ficou ainda mais difícil de ser concretizada. "O Sevilla faz jogo duro na hora de vender o jogador", relembra.

Também recebi uma proposta muito boa do Olympique de Marselha e outra do Manchester City. Mas aí eu resolvi não ir. Nesse trâmite todo, eu estava na seleção [durante a primeira passagem de Dunga como técnico]. Eu preferi ficar no lugar que eu já era titular absoluto, em que já conhecia a casa, até a Copa do Mundo. Joguei a Copa, um sonho, e aí tinha proposta do Milan, estava tudo certo,e o presidente do Sevilla acabou não aceitando. Renovei com o Sevilla, mas, mesmo assim, vim para o São Paulo.

Luís Fabiano

Gostaria, sim, de ter jogado em um time de maior expressão, porque, se isso acontecesse, com certeza, eu teria possibilidades de lutar por prêmios maiores individuais. No Sevilla, cheguei a ficar entre os 13, 14 melhores do mundo. Não que eu fosse ser o melhor, mas, jogando em outro time, teria visibilidade maior. Nunca bati o pé e me rebelei para sair. Sempre fui tranquilo nesse ponto. Acabou não acontecendo. Isso, para mim, é um pingo de tristeza, mas o que eu tinha de fazer no futebol, fiz. Essa era a minha trajetória.

Luis Fabiano

Bagu Blanco/Getty Images Bagu Blanco/Getty Images

Um velho amigo no Morumbi

O São Paulo não conquista um título desde aquela Sul-Americana, em 2012, mas a pressão, porém, não assusta Luis Fabiano. O atacante vê o Tricolor em um momento positivo. Sob o comando do técnico Fernando Diniz, a equipe do Morumbi vai disputar as quartas de final do Campeonato Paulista e também está na zona de classificação na Copa Libertadores, que será retomada em setembro.

No elenco atual, somente Reinaldo e Alexandre Pato atuaram no Tricolor ao lado do camisa 9, que deixou o clube no fim de 2015. Porém, se fosse para voltar, é notável que o atacante mantenha amizade com um dos líderes do elenco: Daniel Alves e o artilheiro foram companheiros no Sevilla e na seleção brasileira por anos e anos.

"Foi uma surpresa [participar da festa de apresentação do lateral/meia]. Quando me convidaram, eu fiquei muito feliz, porque é um grande amigo. Eu sabia do desejo, a vontade dele de retornar ao Brasil e jogar pelo São Paulo. Participar da festa foi um momento muito legal."

No momento, o São Paulo não trabalha com um homem fixo, centralizado em seu ataque. Pato e Pablo revezam na posição. Em situação financeira complicada, clube também não trabalha mais com cifras astronômicas para reforçar nenhum setor. Se Diniz pedir a chegada de um centroavante, haveria chance de um reencontro? Nem que seja por mais um gol —e um cartão?

Em dois meses, eu estarei totalmente apto, ou até menos. Para forçar um pouquinho, eu acho que em um mês e meio já dá para começar a jogar. De todo esse tempo, esse ano é o ano que eu senti menos dor.

Luis Fabiano

Jonne Roriz/Getty Images Jonne Roriz/Getty Images

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