Zagueiro em casa

De contrato renovado com o Santos, Lucas Veríssimo usa os dias de confinamento para exercer a paternidade

Gabriela Brino Colaboração para o UOL, em Santos (SP) Marcello Zambrana/AGIF

Lucas Veríssimo sabe da dificuldade que é ser um jogador profissional. E nem estamos falando da luta que é se tornar titular de um time do porte do Santos. Nem mesmo do quão desafiador pode ser marcar atacantes como Gabigol e Bruno Henrique, seus ex-companheiros de clube. O mais complicado, mesmo, é como sua rotina o afasta da família.

O zagueiro, de 24 anos, mal conseguiu acompanhar o nascimento de seu primeiro filho, Samuel, por exemplo. São viagens, treinos, competições, eventuais lesões para tratar, alimentação e qualidade de vida bastante regradas... Tudo para a manutenção de um excepcional condicionamento físico. Mas isso também resulta na falta de tempo.

Foi em meio a uma fase delicada da carreira, em meio a uma longa negociação para renovar o contrato com o Santos, com seu nome frequentemente envolvido em possibilidades de negociação, que o zagueiro conseguiu desacelerar. De maneira forçada, obviamente, por conta da paralisação do futebol brasileiro devido à pandemia do novo coronavírus.

Em quarentena, à espera de definições sobre a retomada do calendário do Santos, ainda com chance de ser negociado, ele agora pode acompanhar de perto a nova gravidez da esposa, Amanda Farias. O casal espera por Mirella, com parto previsto para início de agosto. É um momento bem diferente na dinâmica da casa e que, durante esse período de incertezas e noticiário pesado, lhe permite ao menos enxergar um lado positivo no aspecto pessoal.

"Não gostaríamos de estar passando por essa pandemia, mas nós sempre optamos em ver o lado bom de alguma situação ruim. Ficar em casa com a minha família, podendo acompanhar o desenvolvimento do meu filho, a gestação da minha esposa, algo que não consegui antes, é muito gratificante. É bom demais poder estar perto deles nesse momento difícil", desabafa, ao UOL Esporte.

Ouvir seu filho te chamando o tempo todo porque quer você por perto é algo de outro mundo. Ver os olhos de amor dele. Minha esposa sempre falava que só conseguíamos aproveitar as coisas em família nas minhas férias e que eu fazia muita falta no dia a dia deles, mas que agora estamos meses podendo aproveitar um ao outro em tempo integral. Ela já está nos últimos meses de gestação, agora eu posso dividir as tarefas de casa e do nosso filho, algo que eu não conseguia fazer com frequência."

Arte UOL
Acervo pessoal

A maternidade em (outro tipo de) isolamento

Lucas tem razão sobre fazer falta no dia a dia da esposa. As obrigações são tantas, que até mesmo quando ele achou que teria um pouco mais de tempo para exercer a paternidade, não teve. E quem sentiu na pele foi Amanda.

Quando nasceu Samuel, hoje com um ano e meio de idade, o zagueiro estava se recuperando de uma lesão no joelho. Fora de campo, dia mais livre? Nada disso. Por isso, ele teve que fazer tratamento no CT Rei Pelé em dois períodos e ainda perdeu algumas semanas de suas férias. Amanda recorda a dificuldade com a adaptação ao novo momento de sua vida e em que se via sozinha:

O Lucas estava em período de tratamento da lesão dele. Consequentemente, não conseguia dividir comigo a nova missão de sermos pais. Eu não tinha ninguém para me ajudar com casa, comida e nem com o bebê. Éramos só eu e o Samuca, os dois tentando se adaptar um ao outro, eu como mãe e ele com a vida aqui fora."

"Foi difícil, tive a depressão pós-parto, e eu tinha que amamentar ele com o seio todo machucado. Lembro que eu mordia uma fraldinha de boca ou até mesmo a minha mão de tanta dor a cada sugada. E o Samuel mamava 30 minutos exatamente a cada duas horas. Ou seja, eu vivia para amamentar e chorar de dor (risos). A gente ri agora né? Mas não me esqueço dessa dor até hoje!", afirma.

A situação perdurou por nove meses. Foi quando Amanda encontrou Valdenice, a babá que se mantém até hoje na família. A ajuda foi tanta que a jovem afirma que a profissional basicamente "salvou sua sanidade mental".

"Depois de nove meses de vida do Samuel eu encontrei a Val (babá), que é quem me ajuda até hoje com o Samuca. É difícil você achar alguém em quem confiar seu maior tesouro. Antes dela eu tentei trabalhar com outras babás, mas nunca dava certo. Eu me sentia desconfortável com outra pessoa pegando ele, mas com a Val foi natural, ela tem um carinho enorme pelo Samuel. Ela é da família!", diz.

Acervo pessoal

Tudo em ordem em casa

Em quarentena forçada pelo novo coronavírus. Veríssimo está vivendo a paternidade há três meses. Amanda lamenta a situação delicada de pandemia, mas acolhe com amor o reforço do marido para, usando um jargão das narrações de futebol endereçados aos zagueiros, ajudar a botar ordem na casa.

A esposa e mãe agora se sente menos sozinha. É um sentimento que, admite, ainda lhe acompanha mesmo com tantos anos de carreira do marido, que está no elenco profissional do Santos desde 2016.

"Ter o Lucas em casa há quase três meses, em tempo integral, está sendo ótimo. Não só para mim, mas para o Samuel também. A gente sente muita falta dele, principalmente em época de campeonato. Quando nos conhecemos, ele ainda era da base, então não tinha essa correria como agora", conta.

"Desde que ele subiu [migrou para o time profissional], eu não me acostumei ainda. Choro sempre quando ele viaja [risos]. Nós somos muito unidos, fazemos tudo juntos, ele é meu melhor amigo, além de marido. E nesse final de gestação é difícil de carregar o barrigão e ainda o Samuel, fazer as coisas de casa, acordar inúmeras vezes de madrugada para consolar o Samuel."

Uma rede de suporte

Para diminuir e lidar com a solidão, Amanda e outras mulheres de jogadores do Santos criaram um grupo no whatsapp. A ideia é que uma dê suporte e dicas para outra, além de terem companhia, mesmo que virtualmente. Cada casal em geral tem sua dinâmica, mas o lar de um jogador de futebol tem suas questões bem semelhantes.

E deu tão certo, que a jovem de 24 anos criou laços e participa, por exemplo, até hoje da rotina de Giselle, que é a esposa de Bruno Henrique. Sim, o atacante que se transferiu em 23 de janeiro de 2019 para o Flamengo, formando um superataque e conquistar praticamente todos os troféus que disputou. O grupo acaba também rediando outro aspecto comum aos boleiros: a constante ciranda do mercado da bola.

"Procuramos ajudar uma a outra, porque sabemos como é solitária a vida de mulher de jogador de futebol. Mas sempre tem alguma que a gente se identifica mais. A Gi, por exemplo, no momento está no Rio de Janeiro. Ela é alguém que me faz muita falta. Nós vivíamos juntas, uma na casa da outra. Eu fui a primeira a saber quando ela estava grávida do Lorenzo e ela foi a primeira a saber também do Samuca. Mas o futebol tem disso, né? Nunca sabemos aonde vamos estar, mas permanecemos em contato diariamente. Acompanhando virtualmente", disse.

"E hoje eu e a Manu [Manuela, mulher do atacante Eduardo Sasha] somos bem próximas. Temos filhos com a mesma idade, engravidamos quase na mesma época do segundo filho também. Treinamos (na academia) juntas, saímos, fazemos companhia uma para outra! Amizade que fazemos no futebol e levamos para a vida toda."

Acervo pessoal

Instagram cupido

Em tempos atuais, é cada vez mais frequente as redes sociais juntarem casais. Com Lucas e Amanda, foi assim. Foram os tantos likes distribuídos no Instagram que levaram ao flerte.

"Nos conhecemos no meu aniversário de 18 anos em um barzinho, por meio de amigos em comum. Até hoje tenho uma foto que tirei no celular dele nesse dia, mas nem conversamos muito durante a comemoração. Alguns dias depois achei uma foto dele no explorar [do aplicativo Instagram], e dei uma curtidinha [risos]. Mas não me recordava que ele era o menino do barzinho. Depois disso ele curtiu meu instagram todo, me seguiu e descobriu meu snapchat. Foi por lá que começamos a conversar. Marcamos de sair com nossos amigos e, depois de um mês, ele me pediu em namoro. Permanecemos até hoje", conta.

Marcello Zambrana/AGIF

159 vezes Veríssimo

Nascido em Jundiaí, Veríssimo passou pela base do Linense até chegar a santos em 2013, aos 17 anos. Ele precisou esperar por três temporadas para subir ao elenco profissional. Ganhou espaço sob o comando de Dorival Júnior na campanha do título paulista em 2016, mas vivia uma disputa intensa com os jovens Gustavo Henrique e Luiz Felipe e o veterano David Braz. Teve paciência, manteve uma curva de evolucao e hoje já soma 159 partidas e seis gols com a camisa alvinegra. Relembre alguns de seus melhore momentos pelo Peixe:

Fim de novela

Enquanto Lucas Veríssimo recupera o tempo com a família, com o Santos ele agora vive um momento de relativa tranquilidade, tendo renovado seu contrato até 2024 no sábado passado (6). O processo do acordo, porém, foi complicado e se arrastou desde o final do ano passado. Na época, o jogador, junto de seu empresário, decidiu esperar pelas propostas e estudá-las, para depois definir seu futuro. E sondagens não faltaram. Por isso, hoje os santistas podem até comemorar sua assinatura, mas isso não garante que ele vá ficar na Vila Belmiro por muito tempo.

O técnico Jorge Sampaoli, de tão empolgado com o futebol do zagueiro no ano passado, exigiu à diretoria que eles aguardassem pelo menos o fim da temporada. O presidente José Carlos Peres atendeu o pedido do argentino, que acabou se desligando do clube de forma traumática e hoje está no Atlético-MG.

A situação financeira do Santos, porém, é alarmante, e a pandemia foi um agravante. A diretoria, então, está disposta a receber propostas, até mesmo priorizando a venda em meio ao processo arrastado renovação contratual. O zagueiro hoje é o que oferece ao clube uma maior perspectiva de lucro. Em entrevista recente ao programa "Os Canalhas", aqui no UOL Esporte, inclusive, Peres afirmou que chegou a hora.

"O objetivo da gente é negociar o Lucas Veríssimo, negociar com o exterior, porque ele mesmo merece. É um jogador por quem tenho grande admiração, é amigo, e entendo que chegou o momento dele. Por duas vezes, quase vendemos ele. Agora, acho que essa oportunidade que está surgindo, que obviamente vai surgir agora na janela se o futebol voltar a ser operante, com certeza é um prêmio para ele", disse. O presidente mantém um piso de dez milhões de euros para a venda. Por enquanto, ainda não chegaram ofertas oficiais.

Marcello Zambrana/AGIF Marcello Zambrana/AGIF

Mas também tem saudade

A cotação de Lucas Veríssimo subiu ao longo da temporada passada, quando ele foi um dos pilares de Jorge Sampaoli na surpreendente campanha do vice-campeonato brasileiro. Os elogios do técnico argentino foram uma constante ?e não à toa ele sonha em levá-lo ao Atlético.

Veríssimo cativou o exigente argentino por sua versatilidade, atuando em vários momentos na lateral, como uma das peças que viabilizava uma camaleônica equipe. Sua leitura de jogo e o passe seguro também lhe garantiam autorização para subir ao ataque. Some aí sua capacidade no combate mano a mano e no jogo aéreo, e temos um zagueiro premiado com a Bola de Prata, ocupando lugar de destaque em diversos rankings de estatísticas do Brasileiro, do Paulista e mesmo da Libertadores.

Por isso, o defensor também tem saudade dos gramados, e Amanda sabe que uma hora o futebol vai voltar. "Com ele em casa a gente divide tudo, para não sobrecarregar nenhum dos dois, mas por outro lado estamos orando muito para essa pandemia passar, para as pessoas poderem voltar a trabalhar, se reunir, rever familiares... o Lucas também não vê a hora de voltar a jogar, é algo que faz muita falta para ele", diz.

"O futebol é a minha vida. Graças a Deus posso trabalhar com algo que eu amo. Sinto muita falta de entrar em campo, de ver a torcida vibrando em cada jogo, faz falta demais. Mas sei que isso [a pandemia] vai passar e logo logo estaremos de volta", afirma o jogador.

Enquanto o futebol não volta, Amanda e Lucas Veríssimo esperam ansiosos por Mirella. Agosto é logo ali. E o jogador já deve sonhar com o dia em que, com segurança, entrará com a pequena em campo ?e a família toda reunida, por enquanto, na Vila Belmiro.

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