A vida depois de Messi

Lenda argentina deixa o Barcelona após 17 temporadas e decreta o fim de uma era. E agora?

Eder Traskini e Leandro Miranda Do UOL, em Santos e São Paulo David Ramos/Getty Images

O que é ser imortal? Os avanços da ciência trazem cada vez mais longevidade para o ser humano, mas ainda ficam bem longe da imortalidade. Viver para sempre talvez nem fosse um ideal para Lionel Messi, mas o eterno camisa 10 do Barcelona assim viverá — ainda que, conforme anúncio feito nesta quinta-feira (5), ele não vá mais vestir a camisa do clube catalão.

O argentino foi uma lenda como poucas vezes se viu na história do futebol. Entre os 13 e os 34 anos, o garoto Leo se transformou em Messi, um nome tão pesado quanto o de um deus daqueles que habitam as mitologias antigas. Foi desfilando seu futebol que ele conquistou o lugar de honra no "Monte Olimpo" do Barça.

Agora, o clube terá que reaprender a caminhar sem seu divino camisa 10. Em reestruturação técnica e financeira, o Barcelona tenta retomar protagonismo europeu após desastres recentes na Liga dos Campeões. E Messi também tem um recomeço pela frente — apesar dos incontáveis recordes e das seis Bolas de Ouro, ainda há quem diga que ele precisaria "se provar" em outro país, outra liga, outra cultura.

A pergunta que fica para os dois lados é: e agora?

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Mais que uma lenda

É difícil, mas cabe aqui tentar dimensionar o tamanho do que representa Lionel Messi para o Barcelona.

Colocando sorrisos nos rostos e lágrimas de felicidade nos olhos dos torcedores do Barça, Messi foi eleito seis vezes o melhor jogador do planeta, se tornou o maior artilheiro da história do clube, o maior goleador do campeonato espanhol por um mesmo clube...

As taças também são difíceis de serem contadas. Foram dez canecos da La Liga, sete Copas do Rei e quatro Ligas dos Campeões, só para começar. A verdade é que, com Messi, o fã do Barcelona se acostumou ainda mais a comemorar títulos.

Mas é mais que isso. Os culés se habituaram a se encantar com o camisa 10 de tal forma que a genialidade parecia "só mais um jogo". Acontece que não era só mais um jogo, era o último. Do alto do Monte Olimpo, o imortal Messi acenou pela última vez para o clube que o formou. Mais que uma lenda, mais que um gênio. Simplesmente Lionel Messi.

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Messi e o presidente do Barcelona, Joan Laporta

Por que ele se foi?

A primeira pergunta que você deve ter feito quando viu a notícia de que Messi deixaria o Barça foi: "como isso foi acontecer?". A resposta não é tão simples, mas envolve, basicamente, a grave crise financeira do clube catalão e o fair play financeiro "preventivo" adotado pela liga espanhola.

Com gastos estrondosos com transferências e salários, o Barcelona viu seu endividamento crescer demais nos últimos anos. E com a pandemia, as receitas despencaram. Resultado: a relação entre receita e despesa ficou muito desfavorável, e o clube se viu obrigado a cortar gastos.

Aí entra o fair play financeiro de La Liga. Na Espanha, ele é feito de forma "preventiva": antes de começar a temporada, a saúde financeira dos clubes é avaliada e, a partir dessa projeção, limites salariais para jogadores e demais profissionais são estabelecidos.

O Barça afirma que chegou a um acordo com Messi para reduzir seu salário pela metade. Ainda assim, não foi suficiente para o clube se adequar ao teto imposto pela liga — os valores exatos não foram divulgados, mas é certo que esse limite hoje é menos da metade do que era na temporada 2019/20, quando foi de 656 milhões de euros.

Em resumo, Messi saiu do Barcelona porque o Barcelona não tinha mais como bancá-lo.

MIGUEL RIOPA / AFP

Ainda o melhor do mundo?

A saída de Messi do Barcelona não é a velha história de um veterano chegando ao fim de um ciclo, com um desempenho que não condiz mais com seu status, dando um passo atrás na carreira. Pelo contrário: mesmo aos 34 anos, ele possivelmente ainda é o melhor jogador do mundo.

É claro que o auge já passou. Os números extraterrestres de temporadas como 2011/12 (73 gols e 34 assistências em 60 jogos) ou 2014/15 (58 gols e 31 assistências em 57 jogos) são só lembranças. A mobilidade hoje é bem mais reduzida, a participação sem a bola é quase nula.

Ainda assim, em 2020/21, jogando em um Barcelona bem longe da dominância de anos anteriores, foram 38 gols e 14 assistências em 47 jogos. Artilheiro e melhor jogador de La Liga. Artilheiro, líder de assistências e enfim campeão pela Argentina na Copa América.

Levando em conta desempenho individual, quem joga mais que o Messi de hoje? Neymar? Mbappé? Lewandowski? De Bruyne? O velho rival Cristiano Ronaldo? É possível que sim. O fato é que o Barcelona está perdendo o favorito a levar sua sétima Bola de Ouro nesta temporada.

Os fiascos na Europa

Se o desempenho individual de Messi segue na elite do futebol mundial, as últimas temporadas foram decepcionantes para ele e o Barcelona a nível coletivo. Mesmo com títulos na Espanha, o time acumulou fracassos e até vexames na Liga dos Campeões desde o último título, em 2015.

Agora, o clube terá que reencontrar esse caminho da forma mais inimaginável possível: sem Messi em campo.

  • Show de Mbappé

    Na última Champions, o Barça foi atropelado pelo PSG nas oitavas de final. Mbappé brilhou no jogo de ida e fez três gols na vitória por 4 a 1, e Messi ainda perdeu um pênalti

    Imagem: REUTERS/Gonzalo Fuentes
  • Humilhado pelo Bayern

    A maior humilhação veio na temporada 2019/20, com a humilhante derrota por 8 a 2 para o Bayern de Munique nas quartas de final, em jogo único

    Imagem: Manu Fernandez/Pool via Getty Images)
  • A virada em Anfield

    Em 2018/19, mais um desastre: depois de fazer 3 a 0 no Liverpool no jogo de ida, com show de Messi, o Barcelona foi invisível em Anfield e foi eliminado ao tomar 4 a 0

    Imagem: Phil Noble/Reuters
  • Desastre em Roma

    Um ano antes da virada épica sofrida para o Liverpool, o Barça tinha feito o mesmo roteiro com a Roma: venceu a ida por 4 a 1, mas sucumbiu na volta por 3 a 0

    Imagem: AFP PHOTO / Filippo MONTEFORTE
Barcelona
Memphis Depay, aposta do Barça para a próxima temporada

O que sobrou do Barça

É impossível saber o que será do Barça em reestruturação sem Messi, mas o cenário não é de terra arrasada. Apesar dos novos limites salariais, ainda é um dos times mais estrelados do mundo e aposta em novos rostos para reoxigenar um elenco com líderes envelhecidos. Além disso, a saída do astro argentino abre espaço financeiro para que as contratações sejam registradas sem maiores problemas.

Há promessas como De Jong, Ansu Fati e a joia Pedri, destaque da Espanha na Eurocopa. Memphis Depay chega para ser titular no ataque, enquanto Agüero — que não poderá jogar com seu amigo Lionel — é opção de peso. Eric García e Emerson são apostas jovens para a defesa. "Senadores" como Piqué e Busquets ainda rendem em bom nível. E já há no clube um candidato a protagonista pós-Messi — o francês Griezmann, contratado por 120 milhões de euros em 2019.

A busca por uma identidade sem seu eterno camisa 10 será um desafio como o Barça não enfrenta há muitos anos. O posto de craque do time está vago. Após temporadas abaixo da média, as expectativas não são das maiores. O que vai sair dessa combinação imprevisível?

Reprodução
Durante as férias, Messi tirou foto com Neymar e outros jogadores do PSG

Próxima parada: PSG?

Se o futuro do Barça sem Messi é difícil de prever, o futuro de Messi sem o Barça parece ter opções bem mais reduzidas. Se ele quiser continuar no futebol europeu, o bilionário Paris Saint-Germain se apresenta como o grande candidato a bancar o alto custo dos serviços do argentino.

Um dia antes de a saída do Barcelona ser oficializada, Messi, de férias, posou para foto com Neymar e outros jogadores do PSG. O clube francês, propriedade da família real do Qatar, já demonstrou interesse em ter o astro em um passado não tão distante.

O outro grande candidato recente a contratar Messi também foi um clube ligado a um Estado do Oriente Médio: o Manchester City, controlado por monarcas dos Emirados Árabes Unidos. Mas os ingleses acabaram de gastar 100 milhões de libras em Jack Grealish, apresentado com a camisa 10.

Por enquanto, existe só a expectativa de ver Neymar, Messi e Mbappé juntos em um novo "tridente dos sonhos" na capital francesa. E nesse caso, qualquer coisa abaixo do título da Champions League seria vista como fracasso.

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