Escondido para brilhar

Keno evita redes sociais, tirou período sabático da imprensa e ficou meses sem jogar para triunfar no Galo

Danilo Lavieri, Guilherme Piu e Thiago Fernandes Do UOL, em São Paulo e Belo Horizonte Pedro Souza/Atlético-MG

Keno já estava há dois anos longe do futebol de alto nível quando o Atlético-MG entrou em sua vida. Em 2018, ele tinha sido vendido ao Pyramids, do Egito, por quase R$ 40 milhões. No ano passado, foi emprestado ao Al Jazira, dos Emirados Árabes.

Além disso, foram quatro meses entre o primeiro contato da diretoria mineira até o momento em que ele começou a treinar em Minas. Somando a negociação com a paralisação do futebol por causa da pandemia, incluindo um período de dois meses isolado em sua casa em Abu Dhabi, o atacante de 31 anos ficou sem pisar em um campo de futebol por quase quatro meses.

Por isso, quando ele engatou a sequência de dois jogos marcando três gols, muita gente não entendeu direito o que acontecia. Como aquele atacante de 31 anos chega a nove gols e quatro assistências no Brasileirão após tanto tempo escondido, primeiro em ligas de segundo nível, depois pela pandemia, e, já no Atlético-MG, pelo próprio clube?

A resposta é muita insistência. Do atacante e do Galo.

Pedro Souza/Atlético-MG

A linha do tempo de Keno

  • 2018-2019

    Keno é vendido para o Pyramids, do Egito, por quase R$ 40 milhões. Meses depois, o investidor árabe retira dinheiro do clube. Keno fica por lá até o meio de 2019, quando é emprestado ao Al Jazira, dos Emirados Árabes.

  • Março de 2020

    Atlético-MG começa a conversar para a contratação de Keno: detalhe: o jogador é um pedido de Jorge Sampaoli e não uma ação de Alexandre Mattos, que tinha sido o responsável por sua contratação pelo Palmeiras em 2017.

  • Março a junho de 2020

    Keno acaba isolado em sua casa em Abu Dhabi enquanto a negociação do Atlético-MG com os árabes se arrasta. Auxiliado por um preparador físico, fez treinos individuais a fim de manter o condicionamento.

  • 18 de junho

    Galo paga 2,3 milhões de dólares (R$ 12,3 milhões à época) e o anuncia. Entre o seu anúncio e a sua chegada a Belo Horizonte, 21 dias se passaram. O primeiro trabalho de Keno sob a batuta de Jorge Sampaoli ocorre apenas em 9 de julho.

  • 29 de julho

    Nos 20 dias de atividades que teve até a sua estreia, em 29 de julho, contra o Patrocinense, Keno foi submetido a um processo de melhora física pelos preparadores de Jorge Sampaoli. Em alguns momentos, o atleta precisou treinar à parte.

  • 20 de setembro

    Após quase três de Atlético-MG, Keno supera as críticas, jogos sem brilho e um jejum incômodo para marcar três vezes contra o Atlético-GO. As apostas de Sampaoli e do Galo são pagas. Desde aquele jogo, soma oito gols.

Minutos de brilho, meses de luta

Os primeiros minutos de Keno com as cores do Atlético-MG foram animadores. Logo aos 10 do primeiro tempo do jogo contra o Patrocinense, o atacante deu uma assistência para Nathan estufar a rede de Thiago Passos, goleiro rival. O placar foi dilatado e se transformou em uma goleada (4 a 0). Porém, a empolgação com o atacante parou por aí.

O atacante ficou 602 minutos sem participar de um gol e passou a ser cobrado pela torcida. A redenção veio no jogo de ida da final do Campeonato Mineiro, mas com dificuldades. Aos 54 minutos do segundo tempo contra a Tombense, ele aproveitou passe de Marquinhos para balançar a rede de Felipe Garcia e garantir a vitória do Galo por 2 a 1.

O gol deu indícios de que o Keno dos tempos de Palmeiras ainda existia, mas nos jogos seguintes (contra Tombense, São Paulo, Coritiba e Santos), os questionamentos voltaram. Departamento de futebol e comissão técnica não externavam, mas já imaginavam que o atleta teria problemas e conversavam sobre o caso internamente. A argumentação era justamente a questão física. O atleta ficou quatro meses sem participar de treinamentos de intensidade elevada por causa da pandemia —e ainda vinha de um futebol notoriamente mais fraco.

Pedro Vilela/Getty Images

Keno não era investimento

A confiança da comissão técnica em Keno, hoje, é justificável. Diferentemente do que se imagina, o atacante foi uma das primeiras indicações de Jorge Sampaoli ao departamento de futebol. Ainda em março, o argentino pediu à diretoria a contratação do atleta.

Mas a ideia de trazer um jogador experiente e com qualidade para atuar pelo lado esquerdo do setor ofensivo de 31 anos não era exatamente o que os mecenas do clube (os conselheiros Rafael Menin, Rubens Menin e Ricardo Guimarães) queriam. Keno, aos 31 anos, dificilmente renderá dinheiro em uma segunda negociação, o que o fazia um investimento ruim naquele contexto.

O Galo, então, usou recursos próprios e precisou parcelar o valor da compra — 2,3 milhões de dólares. O clube pagou a primeira prestação, avaliada em US$ 1,15 milhão (R$ 6,150 milhões à época), logo após a assinatura do contrato. O restante do negócio será quitado em 2021. As condições só foram aceitas pelos egípcios por causa da pandemia do novo coronavírus.

GUSTAVO RABELO/PHOTOPRESS/ESTADÃO CONTEÚDO

Atenção especial

Com esse investimento, o Atlético-MG tratou de cuidar bem de seu novo jogador. Enquanto a boa fase não chegava, Keno fez um período sábatico. Da imprensa. Poupado de entrevistas, se desenvolvia tática e fisicamente sem a pressão por rendimento. A estratégia foi do departamento de comunicação atleticano.

Foram 32 dias de proteção até os seis gols contra Atlético-GO e Grêmio — feito inédito na história do jogador e do próprio Galo. Outros atletas até marcaram três ou mais gols em partidas seguidas, mas não no Brasileirão. Keno ainda fez o gol 2.000 do Atlético-MG em Campeonatos Brasileiros —somados desde 1971. Quer maneira melhor de colocar o nome na história logo nos primeiros meses de clube? Aí, não teve jeito. Todos os holofotes se direcionaram ao artilheiro alvinegro.

"Fico feliz pelos gols, mais importante são as vitórias. Brasileiro é difícil. Nunca tinha feito três gols num jogo, e agora em duas partidas. Muito trabalho, ajuda dos companheiros. Fico feliz pelo gol e pela vitória", disse em entrevista à TV Globo após o duelo com o Grêmio, na 12ª rodada do Brasileirão.

O tapa da discórdia

Assista ao vídeo acima. Percebeu a irritação do astro dessa reportagem? Depois de marcar três gols na vitória por 4 a 3 em cima do Atlético-GO, Keno recebeu "carinho" do amigo e zagueiro atleticano Gabriel. Foi um tapa na cabeça, que em alguns lugares chamado de "fica esperto". Em outros, "tá ligado" ou "pedala".

No jogo seguinte, contra o Grêmio, ele voltou a marcar três gols. Dessa vez, além de ficar ligado pra não levar mais tapas, comemorou um dos gols fazendo o "L" com a mão, gesto em homenagem ao filho Lucas e ao irmão Leandro.

"Eu fiquei ligado no Gabriel, que da última vez me deu um soco. Mas vale pela brincadeira, ele é meu irmão".

E essa história dos tapas acabou virando mesmo piada e brincadeira dos demais jogadores do Galo.

Clélio Tomaz/AGIF

Keno e o lucro de mais de R$ 30 milhões

A história do atacante no futebol é curiosa. Enquanto a maioria dos profissionais começa na base antes dos 10 anos, ele fez seu primeiro jogo em um time profissional aos 22 anos, no América-SE. Sua base foi nos terrões de fim de semana. Jogando na várzea, chegava a disputar mais de uma partida por dia e o pagamento era avulso: de R$ 50 a R$ 100, dependendo do time que o contratava.

Depois de algumas experiências frustradas, incluindo uma passagem pelo México, teve seu melhor ano na carreira até então em 2016, no Santa Cruz. Observado por Cuca e referendado pelo hoje comentarista Grafite, foi indicado ao Palmeiras sem muita "pompa". O clube paulista o contratou por R$ 3 milhões — por 60% dos seus direitos — em 2017.

No começo, teve dificuldades para conquistar a torcida. Nos 30 primeiros jogos, ficou 90 minutos em campo só duas vezes. Rápido e driblador, pecava na hora de tomar a decisão final, fosse chutar ou de passar. Aos poucos, foi afinando e chegou a ser titular absoluto.

REUTERS/Martin Acosta

Na temporada seguinte, ele teve 100% de seus direitos adquiridos em janeiro e caiu definitivamente no gosto do torcedor ao marcar um golaço em cima do Boca Juniors dentro de La Bombonera. A questão é que não foi só o torcedor que gostou muito daquela atuação. Nove jogos e dois gols depois da brilhante atuação na Argentina, Keno seria vendido por quase R$ 40 milhões ao Pyramids.

Era um lucro de mais de R$ 30 milhões para um atleta "velho" se considerado os parâmetros do mercado. Ele foi campeão do Brasileirão daquele ano à distância, mas teve sua medalha reservada porque participou do início da campanha.

Alessandra Torres/AGIF Alessandra Torres/AGIF

Keno na intimidade: você não conhece porque ele não quer

Jogando o que está jogando, Keno poderia aproveitar a fama. Mas não o faz. O baiano é um jogador às avessas e até tem perfil em redes sociais, mas não o utiliza com frequência. Ele está no Instagram, mas é sua assessoria quem atualiza. O atleta usou o Twitter pela última vez em sua apresentação — desde então, deletou a conta.

De origem humilde, o soteropolitano Keno deu um salto na vida e prosperou. Mas mantém sua baianidade à mineira: "Na dele e quietinho". É assim que busca seu espaço. Como fez em toda a vida, saindo dos terrões da várzea para ganhar o mundo.

E a rede que ele mais gosta? A dos adversários, para comemorar os gols logo na sequência.

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