Sem filtro

Jorginho escancara bastidores da temporada de 2009 e de como o Palmeiras deixou escapar o titulo do Brasileiro

Bernardo Gentile e Vanderlei Lima Do UOL, no Rio de Janeiro Almeida Rocha/Folha Imagem

Uma das maiores decepções do torcedor do Palmeiras é a temporada de 2009, quando o time deixou de ser o virtual campeão do Brasileirão para ficar de fora até da zona de classificação para a Libertadores. Jorginho Cantinflas foi personagem importante na oportunidade, quando comandou interinamente o Alviverde por sete partidas após a polêmica demissão de Vanderlei Luxemburgo.

Em uma grande arrancada, colocou time na vice-liderança do Brasileiro e o entregou para Muricy Ramalho. Inicialmente, o consagrado treinador manteve a pegada, e o Palmeiras chegou a liderar com folga a competição. Foi então que as coisas começaram a dar errado. O Alviverde, então, despencou e terminou na quinta colocação. Mas o que aconteceu?

Sincerão, em entrevista ao UOL Esporte, Jorginho contou detalhes inéditos dos bastidores do Palmeiras de 2009, e nem mesmo o amigo Muricy Ramalho escapou das 'cornetadas'. O atual treinador do Figueirense soltou o verbo e ainda detonou algumas "unanimidades" do futebol, como Jorge Sampaoli, Jorge Jesus e Gabigol.

Almeida Rocha/Folha Imagem
Albert Gea/Reuters

"Sampaoli teve Messi, Di Maria e Dybala e foi eliminado na 1ª fase"

Jorginho avaliou a atuação de técnicos estrangeiros em clubes brasileiros. Jorge Sampaoli, treinador do Atlético-MG, terceiro colocado no Brasileirão, recebeu duras críticas, sobretudo por causa do trabalho na seleção argentina na Copa de 2018.

"Uma vez eu estava num programa de rádio e os caras falaram assim: 'Pô, o Sampaoli é fera' e não sei o quê. Em seguida me perguntaram o que achava dele. Eu virei e perguntei se eles realmente achavam que o cara era fera. Responderam que sim, que era um dos melhores do mundo. Aí falei que o cara trabalhou com o Messi, Di Maria e Dybala, com um monte de fera, e não conseguiu se classificar na primeira fase [da Copa do Mundo]. Acabou a conversa e deram o braço a torcer, mudaram de opinião".

a Argentina se classificou na primeira fase da Copa do Mundo de 2018, mas acabou eliminada nas oitavas de final, derrotada pela França, que seria a campeã.

Campeão de quase tudo que disputou em sua passagem pelo Flamengo, Jorge Jesus também foi alvo de críticas de Jorginho. Segundo o treinador, o português fez bom trabalho, mas que jamais conseguirá repetir o feito em outras circunstâncias.

"Queria ver a hora que ele chegasse num clube que ele não tivesse jogadores com a mesma qualidade que tinha o Flamengo. Foi para o Benfica, cadê? Ele não conseguiu fazer o mesmo lá e olha que o time tem mais dinheiro que o Flamengo e poderia ter jogadores ainda melhores. Mas não conseguiu montar um time, não conseguiu fazer nada", concluiu.

Thiago Ribeiro/AGIF

"Gabigol é um jogador problema e que não resolve porra nenhuma"

No melhor estilo sincerão, Jorginho ainda disparou contra Gabigol e diretoria do Flamengo. O atacante flamenguista foi um dos principais jogadores do time nas conquistas do Carioca, Brasileiro, Libertadores e Supercopa em 2019. Nesta temporada, no entanto, o atacante não tem repetido as boas atuações principalmente após a saída do técnico Jorge Jesus. Ele, inclusive, tem se revezado no time titular com Pedro.

Para o treinador, os dirigentes erraram ao demitir Domènec Torrent, que substituiu Jorge Jesus, em possível queda de braço com o elenco. Segundo Jorginho, isso deu força para os jogadores se sentirem ainda mais importantes.

"A grande culpada disso [queda de rendimento do time] é a direção porque quando mandou o Doménec embora, passou a mão na cabeça dos jogadores e está passando de novo. Quanto eles gastaram no Gabigol? Você acha que eles recuperam? Nunca mais. Sabe por quê? Porque lá fora ninguém quer mais. É um jogador problema e que não resolve porra nenhuma. Se fosse bom, estava resolvendo. O Zico, quando jogava lá, resolvia o problema. Essa é a diferença entre atleta e jogador".

Rubens Cavallari/Folha Imagem

Demissão de Luxa em 2009 abriu caminho

O nome de Jorginho começou a ganhar destaque no noticiário esportivo quando ele foi promovido a treinador interino do Palmeiras em 2009 após a polêmica saída de Vanderlei Luxemburgo, que deixou o time na sétima rodada. Na ocasião, Luxa queria seguir escalando Keirrison, um dos destaques do elenco, durante as negociações do atleta com o Barcelona. Mas o jogador se recusou a entrar em campo, e o técnico disse que ele não jogaria mais no time, mesmo que a venda não fosse concluída.

A diretoria entendeu a atitude de Luxemburgo como um ato de insubordinação e o demitiu. Em seu blog, o treinador desabafou. "Acabei de sair de uma reunião onde [sic] fui demitido do cargo de técnico da Sociedade Esportiva Palmeiras. O motivo alegado pela diretoria foi por eu ter quebrado a hierarquia do clube. Foi quando eu declarei que, por falta de profissionalismo e de respeito a mim e ao elenco por parte do atleta Keirrison, que ele, comigo como técnico, não jogaria mais no Palmeiras", escreveu Luxemburgo.

O substituto pretendido pela diretoria era Muricy Ramalho, mas as conversas demoraram a evoluir. É aí que entra Jorginho, que, na época, treinava o Palmeiras B e foi alçado como técnico do time principal até a chegada do medalhão. A solução temporária, no entanto, ficou mais tempo do que o imaginado inicialmente. Os resultados? Para lá de surpreendentes, o que gerou um forte elo com a torcida.

"Eles [diretoria] me convidaram para ser o treinador para treinar e jogar contra o Santos. Achavam que depois disso já iam conseguir um outro treinador, mas não foi assim", disse ao UOL Esporte.

Fernando Santos/Folha Imagem

Arrancada, briga por título e aviso prévio

A primeira chance de Jorginho como comandante do elenco principal foi muito bem aproveitada. Foram sete jogos com cinco vitórias, o que colocou o Palmeiras na briga pela liderança do Campeonato Brasileiro. No primeiro jogo, empatou com o Santos em casa. Mas, como as conversas com Muricy não avançavam, Jorginho foi ficando.

Fiz uns ajustes no time e ganhamos cinco jogos seguidos. Um deles foi o Flamengo [que acabou sendo campeão naquele ano], no Maracanã. Os caras tinham Adriano Imperador, Petkovic, Emerson Sheik, Léo Moura, e ganhamos de 2 a 1. Foram cinco vitórias e pulamos para a 2ª colocação, com a mesma pontuação do líder Atlético-MG, com saldo maior".

Após vencer o Santo André em casa, Jorginho foi informado pela diretoria que não seguiria mais no cargo. A contratação de Muricy Ramalho já estava encaminhada, apesar de naquele momento não ter sido oficializada.

"Eu ia no programa da TV Gazeta, o 'Mesa Redonda', aí o Toninho Cecílio [gerente de futebol na época] me chamou e não me deixou ir porque estava muito próximo de fechar com o Muricy. Eles não queriam que fosse com ele contratado, seria estranho, ia da merda. Aí que fiquei sabendo e não fui ao programa. Eles acertaram tudo [a contratação de Muricy] no domingo, mas tentaram segurar e só falar depois do jogo contra o Goiás [quarta-feira]", lembrou.

"Mas a situação toda vazou [para a imprensa] na terça, antes do jogo. Os atletas não gostaram da forma como tudo aconteceu. A notícia veio pela imprensa e confirmei tudo com a diretoria. Eu fui para o jogo contra o Goiás, mas perdemos por 2 a 1. O clima não tinha ficado muito bom para aquele jogo. Voltamos para São Paulo e expliquei que tudo aquilo gerou descontentamento e desconcentração. Foi a única derrota que tive", explicou Jorginho.

Adriano Vizoni/Adriano Vizoni/Folhapress Adriano Vizoni/Adriano Vizoni/Folhapress

Palmeiras ignorou números do interino e fechou com Muricy

Os números de Jorginho no Palmeiras foram fantásticos. O interino dirigiu o time em sete jogos: cinco vitórias, um empate e uma derrota (um aproveitamento de 76%). Mesmo assim, a diretoria entendeu que o experiente e vitorioso treinador era fundamental para a conquista do título.

"Depois da vitória sobre o Santo André [a 5ª consecutiva] a torcida passou a gritar meu nome nas arquibancadas. Eu tive uma grande relação com o grupo e acho que foi isso que fez dar certo. Eles ficaram apaixonados pela forma como eu os tratava. Mas o Palmeiras já estava com tudo certo com o Muricy", disse.

Após a contratação de Muricy, Jorginho foi mantido na equipe técnica ao lado de Tata, fiel escudeiro do novo treinador. O Palmeiras seguiu no trilho das vitórias. Tanto que o time assumiu a liderança e, faltando dez rodadas para o fim da competição, tinha cinco pontos de vantagem sobre o vice-líder São Paulo. Tudo parecia no caminho certo para o nono título brasileiro, mas não foi bem assim que a história terminou.

Muricy, que na época, para mim, era o melhor treinador do país. Um cara que já tinha sido tricampeão brasileiro [com o São Paulo]. Como é que você vai deixar uma Ferrari na mão de um cara que está iniciando e um piloto como o Schumacher fora? Não tinha como, entendeu? Único erro foi como tudo foi conduzido, acho que grupo deveria ter sido informado antes de vazar na imprensa. Aí eu tentaria convencer os caras que estavam certos de fazer a troca".

Jorginho, sobre chegada de Muricy Ramalho ao Palmeiras em 2009

Fernando Santos/Folha Imagem

Clima fica pesado após time derrapar

Mas, após abrir uma vantagem considerável na liderança, o Palmeiras começou a oscilar na competição, e a diferença do líder para o segundo colocado diminuiu a cada rodada.

A situação ficou desconfortável, e os torcedores passaram a pedir a volta de Jorginho. A diretoria do Alviverde, no entanto, seguiu firme e bancou a permanência de Muricy Ramalho. Foi assim até a última rodada do Brasileirão.

"A cobrança ficou demais em cima do Muricy, tanto é que eu saí no fim do ano [para o Goiás], porque eu não aguentava mais a torcida gritar o meu nome. Eu achava que estava atrapalhando. Por isso que no ano seguinte eu pedi para sair e apareceu a oportunidade de eu andar sozinho. Juntou a fome com a vontade de comer. O Tata [auxiliar pessoal de Muricy] é meu amigo, meu irmão, eu adoro ele. Não queria ficar atrapalhando a vida dos outros, eu segui a minha vida".

Adriano Vizoni/Folha Imagem

'Muricy achava que estava no São Paulo'

Mas o que aconteceu para o Palmeiras mudar tanto e passar vergonha na reta final do Brasileiro de 2009? Há um consenso que o clube tinha um elenco fraco para aguentar as 38 rodadas da competição, e isso ficou evidente com a lesão de importantes jogadores, como Cleiton Xavier, o Pierre e Maurício, que não foram substituídos à altura. Jorginho, no entanto, tem outras versões de bastidores para explicar a queda de rendimento do time.

"Tivemos algumas lesões, mas perdemos também o Diego Souza. Ele foi convocado para a seleção brasileira. Eram dois jogos, um na altitude. Ele entrou por cinco minutos. Um cara grandão que nem ele, na altitude. No segundo jogo, no nível do mar, nem jogou. Desculpa, mas a cabeça dele afundou, né? Demorou dois meses para ele voltar ao normal. Ele não entendia aquilo, e é natural, porra. Ele vinha jogando um Brasileirão excepcional, era o nosso melhor jogador e nós o perdemos dessa forma", disse.

Jorginho também fez uma análise sobre a postura de Muricy no comando do Palmeiras. O tricampeão brasileiro pelo São Paulo, diz o treinador, demorou a entender que havia trocado de clube e queria que os jogadores do Palmeiras se adequassem ao estilo de jogo que ele usava no Tricolor.

"O Muricy que vinha de três anos consecutivos campeão brasileiro com o São Paulo, jogando de uma forma lá, com jogadores que entendiam a cabeça dele. O problema não é você entender a cabeça do jogador, o problema é o jogador entender a cabeça do treinador. Aí ele achava que estava no São Paulo, estando no Palmeiras. Eram jogadores do Palmeiras e não do São Paulo. Ele nunca prestou atenção no Palmeiras a não ser quando ele ia jogar contra".

Bruno Ulivieri/AGIF Bruno Ulivieri/AGIF

Palmeiras 2009 x São Paulo 2020

Líder do atual campeonato brasileiro, com 57 pontos, o São Paulo vem caindo de rendimento nas últimas rodadas e vê a diferença para o segundo colocado cair para apenas um ponto. Impossível não enxergar semelhanças entre o Tricolor desta temporada e o Palmeiras de 2009.

Se há 11 anos, a passagem apagada de Diego Souza pela seleção brasileira abalou a confiança do atacante a ponto de ele parar de render no Palmeiras, no São Paulo atual, o problema são as ausências de Luciano e Reinaldo, lesionados, avalia Jorginho.

"Diniz perdeu Luciano e o Reinaldo. A maioria dos gols do Luciano saiu de assistências do Reinaldo. Pronto: saíram os dois, e como é que você quer que o time ande? Essa é uma semelhança com aquele Palmeiras. Não conseguimos jogar com Diego Souza mal em 2009, e o São Paulo sofre sem o Luciano. O time encaixou com ele, é como um quebra-cabeça. Se a outra peça não encaixar perfeitamente vai dar diferença", disse.

Facebook/Grêmio Esportivo Juventus

Voo solo ainda não decolou

Com um início de carreira promissor, Jorginho não demorou a ter ofertas para seguir seu próprio caminho. O Palmeiras seguiu apostando em Muricy Ramalho para 2010, e o então auxiliar técnico entendeu que deveria seguir caminho solo. A decisão não foi tão boa como ele esperava.

Logo no primeiro ano, fechou com o Goiás, mas não durou muito tempo. Demitido, comandou a Ponte Preta na mesma temporada. Jorginho ainda passou por Portuguesa, clube em que fez o trabalho mais consolidado. Também registra passagens por Athletico, Bahia, Náutico, Vitória, Chapecoense, Atlético-GO, Água Santa, Nacional-SP, Juventus-SC e Figueirense.

Em nenhum desses clubes, todos de menor expressão no futebol nacional, Jorginho voltou ao viver os dias de glória que teve na sua primeira experiência treinando um time profissional. O clube atual do treinador, o Figueirense está na 15ª colocação da série B do Brasileiro, com 39 pontos.

+ Especiais

Arquivo pessoal/Instagram @gersonsantoss

Chamar jogador de negro é racismo, sim. Explicamos o por quê

Ler mais
Ivan Storti/Santos FC

Marinho é muito mais que um meme: noites sem dormir e luta contra racismo

Ler mais
Arte/UOL

Em 1963, o mais jovem dos meninos da Vila calou o Boca em Buenos Aires

Ler mais
Bruno Kelly/UOL

Ex-SP, Régis tenta reconstrução na série D após problemas com droga

Ler mais
Topo