"Faria de novo"

Jogadora que se recusou a homenagear Maradona diz que não planejou ato e que recebe ameaças de fãs do craque

André Naddeo Colaboração para o UOL Esporte, de Atenas, Grécia Tania Esperon/Pontevedresaviva.com

Paula Dapena, de 24 anos, ainda está incrédula quando liga a TV de sua casa e vê a cara dela nos noticiários. Ou quando entra no Twitter e se dá conta de que está nos assuntos mais comentados da Espanha. A jovem meio-campista do Viajes Interrias F.F, uma equipe de Pontevedra, na Galícia, sua terra natal, confessa que está chocada com a fama adquirida repentinamente. Tudo porque ela se negou a homenagear um dos maiores ídolos de todos os tempos do futebol, Diego Armando Maradona, que morreu há uma semana, na Argentina.

Mais do que a negativa em prestar um minuto de silêncio no último final de semana, durante uma partida amistosa contra o Deportivo Abanca, a jogadora virou de costas e se sentou no gramado para o espanto das suas companheiras. O gesto de Dapena reacendeu um velho tabu no mundo futebolístico: até que ponto o brilhantismo de um esportista profissional pode camuflar os atos de um ser humano fora das quatro linhas?

"Para mim não existe essa divisão. O que essa pessoa faz fora de campo sempre marca o que ela faz dentro do campo também", explica, em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, entre dezenas de ligações de jornalistas de todo o mundo. "Para mim é preciso ter princípios e valores que precisam ser levados também para dentro do campo. É isso que deve fazer um bom esportista. Se esquecem que é preciso ser uma pessoa, uma boa pessoa, um bom exemplo, antes de ser jogador de futebol. Acredito que a culpa seja do entorno social", opina.

Segundo ela, o ato, ou protesto, não foi premeditado, mas afirma que "faria tudo de novo". A jogadora diz que só ficou sabendo que a Real Federação Espanhola de Futebol (RFEF) determinou homenagens ao ídolo argentino em todas as partidas oficiais do país quando já estava no ônibus a caminho do estádio, no último domingo. "Não acredito que faltei com o respeito a ninguém neste minuto de silêncio. Acredito que respeitei a todos em todos os momentos".

Tania Esperon/Pontevedresaviva.com
Reprodução/Instagram

"Não queria homenagear um abusador"

A data da morte de Maradona coincidiu com o chamado movimento N25, ou 25 de novembro, quando se celebra no mundo o dia internacional da eliminação da violência contra as mulheres. A data é uma homenagem a três ativistas feministas assassinadas, em 1960, pelas forças policiais da ditadura de Rafael Trujillo Molina, na República Dominicana.

"Veio um não na minha cabeça", conta Dapena, que é feminista declarada. A negativa da jogadora em homenagear Maradona foi em função das acusações de que o argentino teria abusado de menores de idade em sua polêmica trajetória, além das constantes brigas, com relatos de agressões físicas, contra Rocío Oliva (foto), a última namorada dele.

No calor da partida e do seu protesto pessoal, ao ser indagada pela mídia local, ela declarou que "não poderia prestar homenagem a um abusador e pedófilo". Mais comedida, agora ela prefere reiterar que a sociedade é a culpada por permitir que supostos atos criminosos sejam tolerados em função do talento do acusado.

Eu sei que Diego Maradona fez muitas coisas boas como pessoa, mas sei que nesse sentido também deixou muito a desejar. Ainda que as pessoas digam que ele fazia algumas coisas porque estava drogado e não sabia o que fazia, você não pode justificar isso maltratando uma mulher ou dormindo com meninas menores de idade."

Paula Dapena, sobre atitudes de Maradona

São atitudes vergonhosas para um ídolo e um mito. Isso não deveria ser permitido, afinal meninos e meninas que começam a se apaixonar pelo futebol vão estar atentos a esses temas que saem na televisão. É preciso ter valores e princípios para que as crianças não se formem apenas pelo futebol, mas possam ter outras referências."

Paula Dapena, defendendo que ídolos sejam exemplos também fora de campo

Cristina Saiz/Pontevedresaviva.com Cristina Saiz/Pontevedresaviva.com

Os ataques e apoios

Dapena diz que não esperava tanta repercussão. "Eu pensava que seria algo que ficaria mais restrito entre os meus seguidores de Instagram e Twitter. Foi uma notícia que o site local fez uma matéria e pensei que ficaria mais por aqui, mas começou a ter uma repercussão brutal, viralizou e foi um choque ver tudo isso".

A jogadora se diz assustada com ataques de ódio e ameaças de morte que tem recebido especialmente nas redes sociais. "Cada um é livre de pensar e fazer o que queira, mas chega a um ponto que não se podem permitir ameaças".

Em meio a tantos ataques ferozes, ela tem recebido também o apoio maciço de suas companheiras, do técnico rival e até mesmo mensagens positivas de mulheres argentinas. "Elogiaram minha atitude", conta.

O maior suporte neste polêmico momento veio, sobretudo, do seu núcleo familiar. "Os meus pais na verdade reagiram muito bem. De repente, começaram a receber mensagens de amigos, todos muito orgulhosos de mim e viam as mensagens de apoio nas redes sociais. Meus pais estão muito orgulhosos também. Toda a minha família. Toda hora recebo mensagem deles".

Divulgação

O caso Robinho

No Brasil, a polêmica contratação de Robinho pelo Santos em outubro deste ano desencadeou diversos movimentos de revolta contra jogador e clube, e que terminaram na suspensão do contrato. O atacante foi condenado a nove anos de prisão em primeira instância por estupro na Itália e recorre da decisão. Em outubro, transcrições de áudios da sentença que condenou o atleta obtidos pelo Globo Esporte e, posteriormente pelo UOL, mostram o jogador dizendo que a vítima estava "completamente bêbada".

Indagada sobre o caso, Dapena disse que desconhecia a situação, ficou feliz ao saber que o clamor gerado entre movimentos feministas no Brasil, no final das contas, foi o grande eixo de pressão contra a volta de Robinho ao futebol nacional.

"Na verdade eu não sei por que isso ainda é um tabu. É um assunto importantíssimo, que é preciso falar sobre, são coisas que não se podem permitir em nenhum momento e sempre é preciso condenar pessoas que tenham esse tipo de atuação. São atos gravíssimos e imperdoáveis", comentou sobre o caso de Robinho.

"Muitas vezes se esquecem que é preciso ser pessoa antes de jogador de futebol. Por serem quem são, deixam esses atos para trás. [As pessoas dizem] 'eu gosto no meu time porque é bom e vai me ajudar a ganhar dinheiro'. No final das contas, o dinheiro está à frente dos valores e princípios", completa.

Arquivo pessoal

O machismo no futebol é reflexo da sociedade

Sempre segura em suas palavras, a meio-campista galega mostra uma maturidade para além dos 24 anos de idade. Dapena acredita que atos como o seu e de muitas outras mulheres são decisivos para uma mudança de comportamento que, aos poucos, vai ganhando terreno.

"Acredito que pouco a pouco, passos importantes estão sendo dados e as coisas estão mudando. Mas também acho que, antes de conseguir qualquer coisa no futebol feminino, é preciso conseguir coisas como sociedade de uma forma geral", pontua.

"Tudo o que acontece na sociedade se reflete nos esportes ou mesmo nos trabalhos. Primeiramente, é preciso mudar o entorno social. E uma vez que isso melhore, o resto vai seguir tanto no futebol feminino, ou mesmo outros esportes", ressalta.

Arquivo pessoal

Quem é Paula Dapena?

A jovem galega tem o futebol no DNA. "Meu pai e meu tio jogaram um pouco de bola, a minha irmã [mais velha] também", diz Dapena. O avô, Eduardo "El Tcholo" Dapena, no entanto, foi a grande referência dela. "El Tcholo" era o capitão do Pontevedra Fútbol Club, que, nos anos 60, estava na primeira divisão de La Liga e afrontava grandes clubes espanhóis, como Real Madrid e Barcelona. "Daí veio a minha veia futebolística", resume.

Sou uma moça normal, de Pontevedra, da Galícia, que joga futebol desde os cinco anos, e que não viu Maradona diretamente jogando, mas que o conhece e que já ouviu falar muito dele. Futebolisticamente não há comparação com outros jogadores. Tinha habilidades que eram espetaculares. Era um jogador de futebol incomparável".

Fã declarada de Marta, a quem classifica como "espetacular e a melhor jogadora de todo o futebol feminino", ela sonha seguir os passos da brasileira. "Entre todas as jogadoras que eu conheço, todas temos a mesma aspiração que é chegar o mais longe possível. Eu, obviamente, conheço as minhas capacidades, sei aonde posso chegar. Sonho em chegar o mais alto possível. Para mim já é um sonho jogar na liga em que estou, na primeira divisão. Só isso já é um sonho".

Formada em Ciências do Esporte, no ano passado, sempre conciliando estudos com a carreira de jogadora profissional, atualmente Paula Dapena faz mestrado em Educação Física. Ela ainda dá aulas de futebol a crianças e adolescentes de sua cidade natal. "Quero me dedicar um pouco à educação para levar um pouco do que eu sei para adolescentes. Essa é a minha grande vontade. Vamos ver o que eu posso fazer".

+ Especiais

REUTERS/REUTERS

Maradona político: flerte com ditadores, esquerdistas e briga com Fifa

Ler mais
Getty Images

Flerte com clubes e visitas: Maradona fingia implicar, mas adorava o Brasil

Ler mais
Gigi Kassis/UOL

Joanna de Assis conta como sofreu aborto dentro da Globo

Ler mais
Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Cruzeiro: presidente fala em prisão para ex-diretoria "servir de exemplo"

Ler mais
Topo