"Não tenho nem palavras pra dizer o quanto eu amo a Maria Sônia, minha mãe. Passou muitas dificuldades, mas, mesmo assim, conseguiu educar, criar quatro filhos. Meu pai nos abandonou quando eu tinha quatro anos, mas ela ficou firme pra criar os seus filhos".
A realidade da infância narrada por Jefferson de Oliveira Galvão, infelizmente, é mais comum do que deveria. O ex-goleiro do Botafogo ainda teve que se desdobrar para vencer na vida com mais uma dificuldade: a pele preta. No Brasil, os negros são os mais afetados pela desigualdade e pela violência no país. Jefferson foi um deles.
Até mesmo em casa: após ser abandonado pelo pai, o ex-jogador via com certa frequência a mãe ser agredida pelo marido em uma relação abusiva. Sair de casa parecia ser uma decisão fácil, mas não quando se tem quatro filhos para criar. Maria Sônia aguentou por muito tempo terror psicológico e surras físicas para manter as crias de baixo de um teto.
Eu tinha, na época, 11, 12 anos, e a encontrei chorando. Eu falei: 'Mãe, por que a senhora não sai de casa?'. Ela falou uma coisa que me marcou muito: 'Eu vou sair de casa com quatro filhos e vou pra onde? Eu não tenho pra onde ir'. Ela passava aquilo em casa pelos filhos. Meu ex-padrasto, na época, batia nela. A gente via tudo aquilo, só que a gente era pequeno e não podia fazer nada.
Como tudo tem um limite. Incentivada pelos próprios filhos, ela batalhou e conseguiu uma pequena casa através da Cohab (Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo). Jefferson não cabia junto com suas irmãs no quarto e tinha que dormir no corredor. Aperto? Sim. Mas nada comparado ao alívio de poder viver em paz e livre da violência doméstica.
"A gente ficou muito feliz quando ela levou a gente na COAHB. Tinha um quarto pequeno, casa pequena, mas era tão impressionante. A gente morava com o nosso padrasto numa casa grande, só que a gente viu a felicidade dela, ficou tão feliz que ela estava feliz que a gente nem se importou. Minha mãe dormia no quarto e eu e meu irmão se dividia. Um no corredor e outro na sala, que era pequenininha. Foi muito bacana porque a gente foi crescendo juntos", lembrou.
Foi então que Jefferson se viu como peça importante no tabuleiro. "Começou a crescer no meu coração que eu precisava vencer pra ajudar minha mãe. Isso que me motivou. Eu queria vencer na vida pra poder ajudar a minha mãe", disse.
A violência doméstica, no entanto, não é o único problema de um jovem na periferia. "Eu nunca me lamentei, nunca lamentei a cor que eu era, nunca lamentei a dificuldade que eu passava", contou.
Estar ciente das dificuldades, contudo, não as torna simples de serem encaradas. Jefferson enfrentou muitos desafios para virar goleiro profissional. Um dos melhores da posição durante o tempo em que jogou, ele encarou racismo até mesmo dentro da seleção brasileira, quando um dirigente impediu sua convocação por ser negro. Ele superou todas as adversidades para se tornar referência no Botafogo e, após pendurar as luvas, virar empresário. Nessa entrevista ao UOL Esporte, ele conta essas e outras histórias.