Ele quer mais

Cinco títulos brasileiros e camisas pesadas do Brasil. Agora, aos 35 anos e sem clube, Jean busca nova chance

Guilherme Piu Do UOL, em Belo Horizonte Cesar Greco/Fotoarena/SE Palmeiras

A história que vem a seguir quase não aconteceu, até por um desejo pontual do protagonista. Mas este antigo jovem sul-mato-grossense que era tímido, um tanto imaturo, se tornou um grande vencedor do futebol nacional recente. Afinal, num espaço de 12 anos, foram nada menos do que cinco conquistas de Brasileiro.

Jean Raphael Vanderlei Moreira, ou simplesmente Jean, filho do senhor "Jarrão" - apelido do Seu Moisés -, tentou desistir de ser jogador por três vezes. No entanto, o destino e sua competência o conduziram a alguns dos elencos mais fortes do país.

Foram cinco triunfos na Série A: dois pelo São Paulo [2006 e 2008], outros dois pelo Palmeiras [2016 e 2018] e um pelo Fluminense [2012]. Pois é, Jean faturou títulos em quase todas as equipes onde passou e ainda triunfou com a seleção.

Depois da plenitude física e técnica, o versátil jogador jogou a Série B pelo Cruzeiro em 2020, operou dois joelhos e agora quer, aos 35 anos, recuperar o espaço nos gramados, onde não pisa desde que saiu do clube mineiro. Sem contrato após ter o seu vínculo encerrado no Palmeiras há dois meses, Jean agora espera nova chance.

Eu tenho cinco títulos brasileiros, legal, mas eu quero o sexto."

E aí, tem espaço no seu time para um pentacampeão brasileiro?

Cesar Greco/Fotoarena/SE Palmeiras

Cumprindo o sonho do pai

Jean deu seus primeiros passos no futebol em sua cidade natal, Campo Grande (MS), aos cinco anos com o futsal. Antes de chegar ao São Paulo, trilhou os caminhos básicos de uma criança que sonha com o esporte: começou em escolinhas, depois passou por um time tradicional da cidade e pela equipe de uma escola.

"Estou escrevendo um livro e conto até essa história. Meus familiares estavam reunidos assistindo a um jogo de futebol e eu criança, olhando pra TV, pensei que um dia eu seria o jogador da televisão, aquele que a família pararia para assistir. Eu nunca esqueci disso, mesmo sendo muito criança na época, tinha por volta de cinco, seis anos", disse o jogador em entrevista ao UOL Esporte.

"Eu pensei que seria o cara da televisão, como meu pai um dia sonhou, meus tios também tentaram [ser jogadores], meus primos também tinham muita qualidade, mas por um detalhe não conseguiram ser jogadores (...). Meu pai é técnico em Campo Grande, joga também e continua jogando muito bem, corre mais do que eu [risos]. Se tivesse o apoio como eu tive, com certeza seria um grande jogador também."

VipComm

Fugindo do São Paulo três vezes

Ser jogador de futebol é um sonho difícil para muitos garotos. Para Jean, também foi, mas por três vezes ele tentou abrir mão das oportunidades que batiam à sua porta - numa delas já com contrato profissional em vigência.

"Sentia saudade demais de Campo Grande, dos familiares, amigos. Eu penava. Eu tive uma folga em agosto de 2002 e, na hora de reapresentar, eu não voltei, fiquei em Campo Grande. Não queria voltar, todo mundo chorou, porque eu estava iniciando o trabalho, federado pelo São Paulo, o maior objetivo naquele momento. Depois de seis meses de luta eu não quis voltar, e foi um impacto grande na família", contou.

Não fosse a força de vontade e o apoio dos próprios pais, a carreira do jogador poderia ter sido interrompida precocemente. "Superei tudo isso com a ajuda dos amigos. Hernanes, Chumbinho, que ficaram comigo e eram de longe também. Um supria a ausência da família para o outro", relembrou.

Em 2006, Jean já trabalhava entre os juniores e o time principal do São Paulo, mas mesmo assim houve mais uma tentativa de sair do clube. "Estava decidido a não jogar bola. Era pesado, sentia saudade, ficava na concentração, era um tédio", relatou Jean, que na época contou com a influência do empresário Claudio Guadagno para mudar de ideia.

"Tentei desistir em 2002 e 2003. Em 2004 e 2005 fiquei o ano inteiro no clube, inclusive fiz a minha estreia com o Paulo Autuori no profissional. Joguei e voltei para a base, não cheguei a ficar. Em 2006 eu fui embora de novo, mas voltei para o São Paulo, para a base, e ia para alguns jogos no banco [do profissional]. Chegou o fim do ano, comemoração de campeão. No começo de 2006 eu queria parar de jogar, mas no fim do ano fui campeão (brasileiro). Olha para você ver que doideira."

Fui campeão pelo São Paulo como primeiro volante em 2008, em 2006 eu subi como lateral. No Fluminense [2012] eu fui campeão como segundo volante, olha só que loucura. E, em 2016, como lateral, também pelo Palmeiras. Em 2018 fui campeão muitas vezes jogando como um meia aberto, como um ponta direita. Para cada título tem uma posição diferente em campo, foi fantástico.

Jean, sobre a reputação de jogador de múltiplas funções em campo

Leonardo Soares/Folhapress

Chamado de Muricy

Apoiado pelo ex-lateral Cocada, que marcou o gol do título Carioca do Vasco em 1988 e é irmão do ex-atacante Muller, Jean foi recomendado às categorias de base do São Paulo no começo dos anos 2000.

"Em 2001 eu me destaquei no Operário [de Campo Grande]. O Cocada começou a planejar minha ida para São Paulo, em 2002, para testes, para que eu ficasse um tempo por lá. Aí começou a minha história com o clube. Eu já tinha feito testes no Flamengo, no Santos, no Matsubara, no Rio Preto. Quando eu fui para o São Paulo no dia 7 de janeiro de 2002, entrei no portão 1 do estádio do Morumbi, assim começou minha história tricolor", relembrou.

Oito anos depois, um chamado importante mudou a vida do jogador. Após amistosos do time B do São Paulo contra a equipe principal, que se preparava para as importantes competições da temporada, Jean se destacou.

"Os jogadores do profissional que não atuavam faziam amistosos, e um desses jogos foi contra o time B, atletas que tinham estourado a idade no clube. No primeiro, eu arrebentei, joguei como volante. Voltei para Cotia. Na semana seguinte, atropelei, fui bem de novo. Aí o Muricy [Ramalho, treinador] chegou perto de mim com o Milton Cruz [auxiliar à época], e perguntou: 'Garoto, como você está? Tá casado?' Eu disse que sim, que estava bem e que era casado, falei com ele tremendo, pô, era o Muricy. Aí o professor disse que era para trazer minhas coisas para o profissional."

Passei por uma mudança na vida particular. Eu era um cara confuso, não era centrado (...) Me converti à religião evangélica. Sou cristão, e em 2007 tive uma transformação. Foi o ano em que Deus fez tudo na minha vida, mudou minha história, tirou minha tristeza que me dificultava no futebol. Ali começou uma história linda.

Jean, em testemunho sobre sua 'virada' pessoal

Nelson Perez/Fluminense FC Nelson Perez/Fluminense FC

A melhor versão de Jean

A partir de 2008, o então volante Jean, que também já atuava como lateral, chamou a atenção do país. Campeão brasileiro naquela temporada pela segunda vez no São Paulo, mas agora com mais protagonismo, iniciava uma sequência vencedora.

Também venceria no Fluminense, onde alcançou convocações para a seleção e sonhou em ir à Copa de 2014, e posteriormente seguiu em alta com a camisa do Palmeiras. Mas uma temporada em específico marcou o jogador.

"Não é segredo. 2008 foi um ano maravilhoso. Fui campeão pelo São Paulo (...) no Fluminense [2012] eu fui campeão (...) e em 2016 e 2018 também pelo Palmeiras. Mas a melhor fase em que acredito, não só dentro de campo, mas de sentimento, foi em 2012, pelo Fluminense. Tanto que resultou em convocação no fim da temporada."

"O ano de 2012 foi mágico para mim, pude extrair, pôr para fora tudo o que sentia, o prazer de jogar, consegui alinhar o auge da minha forma física também. Lógico, 2008 foi bom? Maravilhoso também. A distância é curta de 2012 para 2008. 2016 também, a distância é curta. Em 2016 eu fiz seis, sete gols, batia pênalti, batia falta, foi muito legal também pelo Palmeiras. Mas, 2012 foi o auge no geral."

Nelson Perez/Fluminense

Penta brasileiro... mas e a Libertadores?

Ganhar o Brasileiro virou rotina para Jean. Mas o próprio jogador entende que faltou um algo a mais no período vitorioso da carreira. Tanto pelo São Paulo, quanto por Fluminense e Palmeiras: um título de Libertadores.

Com o Flu, teve eliminação sofrida em 2012. "A gente saiu para o Boca Juniors por detalhezinho. Ali eu pensava que chegaríamos longe, na final pelo menos, mas saímos nas quartas".

No São Paulo, antes, um disparo certeiro de um cruzeirense tirou o sonho dos tricolores em 2009. "O Henrique acertou um chute que foi absurdo, de muita qualidade, bateu bem na bola. No Morumbi eles eliminaram a gente."

"Eu tinha certeza que levantaríamos o título da Libertadores [no São Paulo]. Poxa, 2009 e 2010, dois anos fenomenais. Falei, cara, a gente vai ganhar, não tem como, olha o nosso time, entrosamento. Mas, é futebol, tem coisas que a gente não consegue explicar, não dá para achar mil desculpas."

Jefferson Bernardes/VIPCOMM Jefferson Bernardes/VIPCOMM

Quase uma Copa

A temporada de 2012 no Fluminense abriu portas especiais na carreira de Jean. Vestir a camisa da seleção brasileira foi motivo de orgulho para o pai do jogador, um dos grandes incentivadores da carreira.

"O meu pai sempre entendeu que eu precisava de disciplina, de ir para o treino. Ele tinha uma moto e mesmo com chuva ele me levava, e mesmo com sono eu ia. A determinação, a vontade dele comigo foi enorme. Ele trabalhava de madrugada entregando jornal, chegava 7 horas, e ainda me levava pra escola, para o treino. Sempre com a mesma energia. Meu pai e minha mãe são referências para mim."

E ao atingir o que pode ser considerado o ápice na carreira do jogador, com uma convocação à seleção, a alegria tomou conta de toda família. Campeão da Copa das Confederações em 2013, Jean também faturou o título do Superclássico das Américas, série de jogos entre Brasil e Argentina, em 2012. A assiduidade no grupo da seleção nas proximidades da Copa de 2014 mexeu com a expectativa do atleta. Mas, no fim das contas, a convocação mais especial não veio.

"Lógico que ficar fora da Copa do Mundo é algo ruim, chato, mas não tem espaço para esse sentimento comigo. Só gratidão por tudo o que a seleção, o Felipão, a comissão, o Parreira, que estava junto, me deram de presente."

Bruno Hadadd/Cruzeiro

Ainda não é hora de parar

Jean ainda não quer saber de aposentadoria. Mesmo com os problemas dos últimos anos, com as cirurgias nos dois joelhos, o jogador indica que quer continuar. "Eu tenho cinco títulos brasileiros, legal, mas eu quero o sexto. Enquanto eu tiver condição para isso, vou correr atrás", afirmou.

O calvário físico de Jean começou em 2017, pelo Palmeiras, ano em que precisou fazer a primeira intervenção cirúrgica em um dos joelhos. Foi um momento complicado na carreira, mas que o jogador superou, apesar das marcas.

"Nunca mais o joelho foi o mesmo, essa foi a realidade. Eu sempre me entreguei bastante, não preciso falar disso aqui, todo mundo conhece, e não era qualquer dorzinha que me parava. Jogava muitas vezes com dorzinha, mas faz parte da nossa vida. As lesões me atrapalharam dessa forma."

Em 2020, no empréstimo para o Cruzeiro após perder espaço no Palmeiras, veio uma nova lesão para atrapalhar. Até hoje, depois da cirurgia no outro joelho, Jean não voltou a jogar. Mas ele não pensa em parar.

"Aposentadoria é uma coisa que, esquece, não está no meu dicionário."

Estou aguardando oportunidade, aguardando propostas. Sei que está caminhando para o final [da temporada], mas estarei me preparando para o estadual, para o ano que vem e pegar uma temporada legal. Quero jogar, é isso, não tem frescura comigo. Quero jogar, mostrar que estou bem, é isso.

Jean, sobre a expectativa para a temporada 2022

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