Onde vou ver meu futebol?

Antes restrito a uma emissora, futebol agora pode ser assistido em 4 dos 5 maiores canais abertos do Brasil

Gabriel Vaquer Colaboração para o UOL, em Aracaju (SE) Marcelo Hernandez/Getty Images

Em janeiro de 2020, antes da pandemia do novo coronavírus, o cenário da televisão esportiva era bem claro: um ano sem maiores emoções. O Grupo Globo seguia hegemônico no futebol, os campeonatos europeus não atraíam atenção e só a renovação de La Liga gerava alguma discussão. A maior expectativa era pela fusão entre ESPN e Fox Sports. Mas a covid-19 e seus efeitos na economia mundial viraram tudo de cabeça para baixo.

A Globo perdeu, em menos de seis meses, Fórmula 1, Libertadores da América e Campeonato Carioca. Ainda colocou em risco a transmissão da Copa do Mundo. Foi a brecha para que as concorrentes, antes paradas, começassem a abraçar o futebol como nunca antes.

E o maior exemplo disso é o SBT. Considerado um canal acomodado, a emissora de Silvio Santos exibiu a final do Carioca, se empolgou, foi procurada e fechou acordo para a transmissão da Libertadores. Além disso, as concorrentes também entraram para a festa. A Band ressuscitou o "Show do Esporte", com futebol feminino, Bundesliga e Campeonato Italiano. A RedeTV! tenta adquirir os direitos da Copa Sul-Americana. Só a Record parece estar disposta a esquecer do esporte.

A partir de agora, o UOL Esporte conta como chegamos a esse cenário. E porque canais abertos voltaram a investir no setor.

Marcelo Hernandez/Getty Images
Marcelo Endelli/Getty Images

A pulverização do Esporte

É consenso entre executivos de televisão aberta que os eventos ao vivo são o futuro de seu mercado. Mas as compras de direitos esportivos estavam complicadas. Nos últimos anos, os diretores reclamavam de valores inflacionados — Globo e Fox Sports fecharam os pacotes mais caros de sua história. Direitos internacionais, como as ligas de França e Itália, passaram a ficar fora de cogitação.

A plataforma DAZN aceitou pagar por esses direitos, assim como pelos da Sul-Americana. Esse movimento reforçava a pulverização na TV paga que já tinha começado em 2016, quando a Turner adquiriu os direitos de alguns clubes para o Brasileirão, para exibir a partir de 2019. A Globo, porém, continuava soberana, com os principais direitos.

Desde o início do ano, a emissora carioca passou a rever contratos que não davam lucros —um deles, o da MotoGP, foi rescindido antes mesmo da pandemia. Com os efeitos da covid-19, a Globo rescindiu o contrato do Carioca (pela disputa com o Flamengo originada pela MP do Mandante), desistiu da Fórmula 1 (por não concordar com os valores pedidos pela Liberty Media, dona da competição) e entrou com um processo contra a Fifa para não pagar uma parcela do contrato que ia até 2022 pelos torneios da entidade, colocando em risco a exibição da Copa do Mundo do Qatar — o pagamento previsto era de US$ 90 milhões, mas com a alta do dólar, esse valor em reais subiu quase R$ 100 milhões desde o janeiro, saindo de R$ 378 milhões no fim de janeiro para R$ 476 milhões na cotação atual. Com isso, outras empresas viram oportunidades de mercado.

"Imagem pra Globo sem Libertadores é muito negativa"

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Globo: saída da Libertadores causou divisão

O Grupo Globo vem passando por transformações nos últimos anos. A emissora criou um núcleo único para esportes e a ordem, agora, segundo um executivo ouvido pela reportagem, é reavaliar todos os contratos. O que não for mais benéfico financeiramente deve ser renegociado. Se não for possível baixar o valor, não haverá renovação.

O foco ficou nos direitos nacionais, que são mais rentáveis. Perder a Libertadores, porém, foi um golpe. O torneio é um produto de prateleira A, com potencial de índices históricos de audiência. Um executivo ouvido pela reportagem disse que a emissora "ganhou uma dor de cabeça por dois anos e meio" sem o evento.

A emissora carioca sabe: mesmo escalando jogos do Brasileirão para disputar no Ibope, em fases agudas, o SBT terá resultados expressivos com o campeonato mais importante da América do Sul.

Juan Mabromata/AFP

A atitude de rescindir o contrato para renegociar foi considerada arriscada e gerou briga interna entre diretores. Após o SBT anunciar o acordo, a discórdia se intensificou. A rescisão contratual foi uma decisão do departamento jurídico da empresa, apoiada em um parecer da área financeira. O problema foi que o conteúdo da área de esporte não foi consultada com antecedência e ficou sabendo quando a decisão de rescisão estava tomada.

Executivos do esporte, então, buscaram informações com outros departamentos para entender os detalhes da rescisão. E deixaram claro que, na opinião da área, a Globo errou na avaliação de cortar a Libertadores. O motivo era simples: a Conmebol iria dar um jeito de colocar a Libertadores em outros players, principalmente em TV aberta. E isso viria a ser um problema para a Globo. E virou.

Assim que as notícias de que o SBT havia fechado um acordo, rolou um "eu avisei" da área esportiva entre executivos. Alguns nomes da emissora ficaram surpresos com o contrato fechado com a emissora de Silvio Santos. As informações eram que as concorrentes estavam em situação financeira difícil por causa da pandemia. Coube à Globo traçar uma estratégia de manutenção de danos para as quartas-feiras à noite e reduzir a cobertura em reportagens que faz da competição.

Gabriel Cardoso/SBT

SBT: Fla-Flu, Copa do NE e a empolgação por Libertadores

Como tudo o que ocorre no SBT, as decisões da diretoria surpreendem até os seus funcionários. Até junho, o canal de Silvio Santos tinha interesse zero em esporte. Mas por uma questão também política, o Flamengo entrou em contato com a diretoria para que a transmissão da final do Campeonato Carioca entre o rubro-negro e o Fluminense. E aí os olhos da TV brilharam.

Com bom faturamento, 11 pontos de audiência em São Paulo e 25 no Rio e picos de 35 na Cidade Maravilhosa, o Carioca acendeu a luz esportiva do SBT. Algumas semanas depois, Silvio Santos soube a audiência de Ceará x Fortaleza, pela semifinal da Copa do Nordeste — 28 pontos com picos de 34 na capital cearense - e pediu informações mais informações sobre o torneio. Ficou impressionado: dos 22 jogos exibidos da Copa do Nordeste, 12 venceram a Globo.

Em 2020, o SBT Nordeste triplicou o dinheiro pago aos clubes usando apenas as cotas publicitárias, que aumentaram e foram compradas apenas por anunciantes grandes. Se antes do Carioca o discurso era de "situação pontual", depois dos fatos listados acima, virou um "podemos voltar se tivermos novas oportunidades". E ela veio quando a Conmebol ofereceu a todos os canais de TV aberta os direitos da Libertadores.

Inicialmente vendo o cenário com cautela, o SBT percebeu que poderia pagar o torneio se a entidade aceitasse um valor mais em conta. E conseguiu: fechou contrato até 2022 pagando um mínimo de US$ 15 milhões, que pode aumentar e ficar entre 18 e 22 milhões de dólares a depender dos anunciantes. Rapidamente, a emissora criou um núcleo de esportes e o colocou sob o comando de Tiago Galassi, ex-Band e ligado aos e-Sports recentemente. Téo José, o narrador do Fla-Flu, foi contratado por dois anos. E o que vier daqui para frente é lucro para o canal de Silvio Santos.

Band

Band: recuperando seu prestígio no esporte

Entre os anos 80 e 90, a Band ficou conhecida como o "Canal do Esporte" e criou uma geração de fãs das mais variadas modalidades. Nos últimos anos, a emissora esqueceu desse passado. Em janeiro, quase abriu mão da Fórmula Indy, que estava cara. Mas a direção da emissora no começo de 2020 era uma, e em julho virou outra. Com essa mudança, o canal passou a concentrar investimentos em esporte e jornalismo, seus tripés. E esse é o principal motivo dos investimentos.

Aproveitando preços em queda por causa da crise gerada peo coronavírus, a Band conseguiu adquirir os direitos dos campeonatos Italiano e Alemão. De quebra, um patrocinador ofereceu o Campeonato Russo e a emissora aceitou. Ao ver que ainda tinha público por esporte no domingo, a TV criou uma atração aos moldes do "Show do Esporte", dos anos 80 e 90. Contratou Glenda Kozlowiski, talvez a principal apresentadora esportiva de toda uma geração, conhecida pelos seus 23 anos de Globo.

Por fim, o canal do Morumbi fechou um acordo para, em sociedade com a Conmebol, criar um pay-per-view da Libertadores e da Sul-Americana vendido na TV por assinatura. Tudo isso empolgou o núcleo esportivo da Band, que desde 2016 sofria com o fim dos investimentos na área.

Chris Brunskill/Fantasista/Getty Images Chris Brunskill/Fantasista/Getty Images

RedeTV! fica otimista por Sul-Americana

Quinta maior emissora do país, a RedeTV! tem orçamento mais baixo e não conta com grande penetração nacional. Os dois fatos pesaram contra na proposta pela Libertadores —recusada pela Conmebol. A entidade e o canal de Osasco, porém, ainda conversam pela Copa Sul-Americana, o segundo torneio mais importante do continente.

Mesmo com o acordo de pay-per-view com a Band contar com o torneio, a Conmebol ainda busca espaços em TV aberta para a Sul-Americana. A RedeTV! está otimista: ter o evento, que já exibia no início do ano em parceria com a DAZN, com controle dos jogos que exibiria seria importante. E os patrocinadores já prometeram investir se o contrato for assinado.

Por isso, a emissora mantém um pequeno núcleo esportivo. Os narradores Silvio Luiz e Marcelo do Ó seguem contratados, além do repórter Fernando Fontana. A ideia é tentar manter a tradição esportiva, iniciada com a Sul-Americana.

Edu Moraes/Divulgação/Record

Record: esqueceu o Esporte e não liga pra ele

Como diz o ditado: toda a regra tem uma exceção. Se as concorrentes querem esporte ao vivo, a Record, que já gastou bastante com o esporte olímpico (na foto, a equipe para as Olimpíadas de 2016) parece não estar nem aí. A emissora é a única entre as grandes emissoras nacionais que deixa claro que não quer mais eventos esportivos. Antes da pandemia, a TV de Edir Macedo tinha um núcleo esportivo com 30 profissionais e produzia o semanal "Esporte Fantástico" nas manhãs de sábado. Em julho, chegou a anunciar o retorno do programa, mas cancelou a volta porque o telejornal "Fala Brasil" aos sábados chegou a ganhar da Globo em audiência.

Todos os profissionais antes no Esporte agora atuam no Jornalismo, o que criou situações insólitas: Lucas Pereira, narrador da Record desde 2012 e com história no Grupo Globo, está fazendo matérias policiais. A emissora também não dá espaço ao esporte em seus noticiários diários. Na semana passada, segundo monitoramento do UOL Esporte, apenas duas reportagens foram realizadas para o "Fala Brasil" e para o "Jornal da Record". É como se o Esporte não existisse.

A Libertadores foi oferecida, mas não empolgou os executivos da emissora da Barra Funda. Curioso é que a Record tem o direito dos Jogos Pan-Americanos de 2023, no Chile, e da Internacional Champions Cup, torneio de pré-temporada de clubes da Europa. Então, por que ela descarta ampliar os investimentos? Nem seus funcionários entendem.

Enquanto isso, na TV paga...

Reprodução

Canais Disney focam na fusão

Em maio, ESPN e Fox Sports passaram a ser um só. O bolo da divisão de direitos, porém, ainda está dividido. A novidade foi a renovação por cinco temporadas com a La Liga. A manutenção de jogos da Libertadores e da Premier League são outros fatos comemorados. A Disney promete entrar na licitação para trazer a Champions de volta no ano que vem --hoje, os direitos são da Turner.

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SporTV: resta futebol brasileiro

Ao perder a Libertadores, o SporTV perdeu o único torneio estrangeiro que exibia. O foco é no futebol brasileiro. As séries A e B do Campeonato Brasileiro seguram a audiência -- em agosto, por exemplo, o canal chegou a um patamar próximo do que apresentava pré-pandemia. Outra aposta é a Copa do Brasil, que é sua com exclusividade na TV por assinatura e sempre gera grande interesse.

Divulgação

Turner: Brasileirão e Champions

Após a guerra com a Globo pela MP do Mandante entre julho e agosto, a Turner navega em águas mais tranquilas. A programadora americana decidiu só mostrar neste ano jogos com os clubes que já possuia contrato no Brasileirão. Com a Champions, existe uma empolgação após a maior audiência em 30 anos de TV paga no Brasil. Renovar com a competição de clubes da Europa no ano que vem é prioridade.

Divulgação

Streaming: momentos distintos

O Facebook segue com Libertadores e Champions. Com o calendário enxuto, a exclusividade dos jogos nas quintas acabou. Mas a rede social ainda conta com partidas de Flamengo e Santos. Com o DAZN, a situação é inversa: a plataforma diminuiu sua operação no Brasil e devolveu diversos direitos, como Italiano, Francês e Copa Sul-Americana. Premier League e Série C do Brasileiro seguem.

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