2021: o ano das surpresas

Futebol europeu é previsível? Temporada do Velho Continente está terminando com alguns resultados inesperados

Rafael Reis Colunista do UOL, em Ribeirão Preto (SP) Matteo Ciambelli/DeFodi Images via Getty Images

Campeonato de futebol na Europa é chato. Você sabe quem vai ser o campeão antes de começar...

Nem briga pelo título tem, o campeão termina a temporada com mais de dez pontos para o segundo colocado...

Você já ouviu frases como essas duas ai em cima, não? É normal para o torcedor brasileiro pensar assim, já que estamos acostumados a competições com um nível de imprevisibilidade altíssimo, sem muito espaço para o favoritismo que se vê na Europa.

Só que desta vez o cenário do Velho Continente também é de incertezas. A sequência de títulos italianos da Juventus parece estar com os dias contados. Os pequenos estão ameaçando os grandes na Inglaterra. A briga pelo troféu na Espanha não está restrita a Barcelona e Real Madrid. E nem o Paris Saint-Germain tem certeza que será campeão na França.

A menos de um mês para o encerramento da temporada do futebol de clubes por lá, mostramos abaixo a quantas andam as principais ligas nacionais da Europa —e concluímos que 2021 tem sido o ano das surpresas por lá.

Matteo Ciambelli/DeFodi Images via Getty Images
OLI SCARFF/AFP
Greenwood, do Manchester United, observa comemoração de Soyuncu e Fofona, do Leicester

Inglaterra: a vez dos plebeus

O futebol inglês é dominado por um grupo de seis clubes. São os integrantes do "Big 6" (Manchester City, Manchester United, Chelsea, Liverpool, Arsenal e Tottenham) que se aventuraram na criação da Superliga, costumam lutar pelos títulos da Premier League e das copas nacionais e tradicionalmente ficam com as vagas do país na Liga dos Campeões.

Mas, nesta temporada, as coisas estão diferentes. Ainda que o City (77 pontos) caminhe para a conquista de mais um troféu e que o United (67 pontos) já esteja quase garantido na Champions, é provável que a terra da Rainha tenha plebeus na próxima edição do torneio interclubes mais importante do planeta.

Faltando cinco rodadas para o encerramento da Premier League, o Leicester (62 pontos) ocupa a terceira posição e só precisa manter o piloto automático para conquistar a classificação. Já o West Ham (55), quinto, trava uma ferrenha luta pela última vaga com três integrantes do Big 6, Chelsea (58), Liverpool (54) e Tottenham (53), e com outro "intruso", o Everton (52).

A última vez em que a Inglaterra classificou para o torneio continental um time de fora desse grupo de elite foi em 2015/16, quando o Leicester surpreendeu o mundo e venceu a Premier League. Aquela também foi a única edição na última década em que os integrantes do Big 6 tiveram aproveitamento menor que o atual —veja esse aproveitamento no quadro acima.

Cinco temporadas atrás, o grupo somou 56% dos pontos possíveis. Agora, tem 59,8% de aproveitamento, ainda abaixo da casa de 67%, 68% e 69% que vinha sendo o normal nos últimos anos.

Juan Manuel Serrano Arce/Getty Images
Suarez e Angel Correa em ação pelo Atlético de Madri

Espanha: quarteto fantástico

Durante muito tempo, o Campeonato Espanhol foi ridicularizado por torcedores brasileiros por ter apenas duas equipes de ponta: Real Madrid e Barcelona. O crescimento do Atlético de Madri na era Diego Simeone, com um título nacional e duas finais de Champions League na década passada, mudou essa percepção e criou a ideia de uma "terceira força".

Só que, pelo andar da carruagem da atual temporada, a Espanha não tem mais dois ou três clubes grandes, mas quatro. Esse é o número de times que continuam na briga pelo título da La Liga depois de 33 das 38 rodadas previstas.

Líder durante a maior parte do ano, o Atleti continua na liderança, com 73 pontos. Mas a vantagem para Real e Barça, que já foi de dez pontos, agora é de somente dois. E o Sevilla, maior campeão da história da Liga Europa, com seis troféus, tem 70 e entrou de verdade na briga.

A última vez que a Espanha teve um campeão diferente do seu "trio de ferro" foi em 2003/04, quando o Valencia levantou a taça. A equipe alvinegra também ganhou a temporada 2001/02. Antes, o La Coruña havia sido campeão em 1999/2000.

Já o Sevilla, que agora reivindica o posto de quarto grande da terra das touradas, só subiu ao lugar mais alto do pódio uma vez, lá em 1945/46, quando nem os pais da maior parte dos jogadores do seu elenco atual haviam nascido.

Marco BERTORELLO / AFP
Cristiano Ronaldo lamenta derrota da Juventus contra o Benevento

Itália: fim de uma era

Desde 2012, é fácil responder quem é a atual campeã italiana. A Juventus teve a honra de levantar o troféu do Calcio nos últimos nove anos. Só que a incrível sequência, a maior da história da Itália, está perto de um ponto final. A cinco rodadas do encerramento da Serie A, o clube de Turim tem 66 pontos, contra 79 da líder Inter de Milão.

Como tirar 13 pontos em 15 possíveis é uma tarefa que beira o impossível até mesmo para Cristiano Ronaldo, a "Velha Senhora" já jogou a toalha. Ela e todos os outros clubes da Itália, uma vez que a Inter pode ser campeã já neste fim de semana.

E como fica a hegemônica Juventus nessa história? Até a participação na próxima Champions League está ameaçada. No momento, o time dirigido por Andrea Pirlo ocupa a quarta posição no campeonato nacional. Seria o último classificado para o torneio continental. Só que o quinto colocado, o Milan, também tem 66 pontos (mesma pontuação do terceiro colocado Napoli).

Para completar, a Lazio, sexta na tabela, aparece cinco pontos atrás, mas tem uma partida a menos e ainda pode entrar na briga. E nem mesmo a Atalanta, vice-líder (68), está com a vida ganha.

Jan Woitas/picture alliance via Getty Images
RB Leipzig e Bayern de Munique se enfrentam pelo Campeonato Alemão

Alemanha: Bayern, mas...

Diferentemente do que acontece na Itália, a hegemonia deve ser mantida no futebol alemão. Mesmo em meio a uma crise institucional que vai culminar na saída do técnico Hansi Flick, o Bayern de Munique tem tudo para ser campeão da Bundesliga pela nona temporada consecutiva.

O título pode ser conquistado de forma antecipada, mas essa previsibilidade é aparente. Independentemente do resultado final, a temporada 2020/21 na Alemanha esteve longe de ser "mais do mesmo".

Para começar, o Bayern (71) tem apenas sete pontos de vantagem para o RB Leipzig (64). Caso a diferença se mantenha nas três rodadas finais, esse será o segundo título de menor folga do clube na série histórica iniciada 2013 -no período, o clube chegou a fechar a Bundesliga com 25 pontos de vantagem sobre o vice-campeão.

Enquanto isso, a briga por vagas na Champions está pegando fogo. O Borussia Dortmund, tradicional segunda força do país e que conta com o astro Erling Haaland, ocupa só a quinta posição na tabela, com 55 pontos, e, por enquanto, está fora da zona da classificação.

E os times com quem ele disputa vaga não são os mesmos de sempre. O Wolsfsburg (57), terceiro colocado, esteve pela última vez no torneio europeu em 2015/16, enquanto o Eintracht Frankfurt (56), quarto, só jogou a competição em 1960, quando foi vice-campeão.

FRANCK FIFE / AFP
Jonathan David comemora gol do Lille contra o PSG

França: o suor do PSG

O Paris Saint-Germain tem os dois jogadores mais caros da história do futebol (Neymar e Kylian Mbappé), venceu sete das últimas oito edições do Campeonato Francês, é o atual vice-campeão da Liga dos Campeões e está novamente nas semifinais da Champions.

Se o futebol fosse uma ciência exata, o PSG já teria festejado há algumas semanas mais um título da Ligue 1 e agora poderia se dedicar exclusivamente à reta final do torneio mais importante de 2020/21. Só que a bola tem dos seus imprevistos....

A quatro rodadas do fim da temporada, quatro times ainda estão na briga pelo posto de campeão da França. E o favoritismo, pelo menos na matemática, nem é dos parisienses.

Desde a 20ª rodada, é o Lille, do meia-atacante brasileiro Luiz Araújo (ex-São Paulo), quem ocupa o topo da classificação. No momento, a equipe do norte do país tem 73 pontos, contra 72 do PSG, 71 do Monaco e 67 do Lyon.

Para deixar os fãs de Neymar ainda mais tensos, os confrontos diretos contra o líder já acabaram. Então, para conquistar o título nacional novamente, o clube mais poderoso do futebol francês terá de torcer por Nice, Lens, Saint-Étienne e Angers, os últimos adversários do Lille.

Opinião dos colunistas

Qual é a maior surpresa desta temporada na Europa?

Acho que temos duas grandes surpresas. A principal é o que está acontecendo na França. Não se imaginava um campeonato tão equilibrado, dada a disparidade econômica entre PSG e o resto. As campanhas de Lille e Monaco são incríveis. A outra surpresa é o Sporting, que pode ser campeão tem Portugal após quase 20'anos. Não houve nenhuma grande contratação ou revelação, não se esperava um Sporting assim forte, ainda mais no ano em que Jorge Jesus voltava ao Benfica".

Júlio Gomes

O PSG não ser campeão francês em um ano que chegou às semifinais da Champions será a maior surpresa do futebol europeu não só desta, como das últimas temporadas. Mas, ainda que Neymar e Mbappé consigam conquistar o título da Ligue 1, a França terá visto a grande surpresa de 2020/21. Afinal, ninguém imaginava que seria possível ter uma briga de verdade pelo posto de melhor time do país neste ano".

Rafael Reis

Acredito que o Lille é maior surpresa entre os principais campeonatos nacionais da Europa. O time conseguiu disputar o título de igual pra igual com o poderoso e milionário PSG e pode conquistar o título. Campeão francês em 2011, o Lille vem fazendo boas campanhas, como o vice em 2019, deixando tradicionais forças como Olympique Marselha, Lyon e Monaco para trás".

Rodolfo Rodrigues

Fenômeno tem explicação

A alta frequência de surpresas nos campeonatos nacionais do primeiro escalão da Europa (vale lembrar também que o Sporting caminha para seu primeiro título português em quase 20 anos) coincide com o esmagamento do calendário provocado pela pandemia da covid-19.

Desta vez, a temporada no Velho Continente começou em meados de setembro, um mês e meio mais tarde que o normal, mas vai terminar na mesma época de sempre. Como não houve mudanças no número de jogos, houve menos tempo para descanso de uma partida para outra.

Além disso, quem costuma dominar os torneios nacionais também se classifica para os torneios continentais. E soma ainda mais partidas ao mesmo período de jogos.

Com uma maratona de partidas pela frente, os jogadores ficaram mais desgastados que o normal e não conseguiram manter um futebol de alto nível por tanto tempo. Com isso, as zebras ficaram mais frequentes.

Não à toa, quatro dos campeões nacionais das cinco principais ligas nacionais do Velho Continente devem encerrar a temporada com aproveitamento inferior aos dos donos das taças em 2019/20 (a exceção tende a ser a Itália). A maior queda deve acontecer na França: o PSG do ano passado ganhou 83,9% dos pontos possíveis, bem mais que os 71,6% do Lille de agora.

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