Mas até eles?

Futebol Bandido #7: quando a corrupção atinge a reputação de Neymar, Messi e CR7 na hora de transferências

FIFA/FIFA via Getty Images

Nesta jornada pelo universo da corrupção, nós já vimos cartolas e executivos sujando as mãos. Mas os malfeitos não são exclusividade deles. As negociações de jogadores abriram possibilidades alternativas de ganhos para empresários e também para os próprios atletas. Alguns dos craques mais badalados da atualidade tiveram suas biografias comprometidas por negócios repletos de detalhes no mínimo estranhos.

Para debater sobre essas histórias quase inacreditáveis, o UOL escalou seu time de especialistas na cobertura da corrupção no futebol. Responsável pela denúncia da máfia da loteria esportiva nos anos 80, o blogueiro Juca Kfouri comanda o bate-papo, com ajuda dos premiados repórteres Jamil Chade e Rodrigo Mattos.

O trio oferece nesta temporada bastidores de escândalos nacionais e internacionais, relembram investigações jornalísticas famosas e dissecam a personalidade de cartolas polêmicos. Dentre os episódios, os bastidores da queda de Ricardo Teixeira na CBF, as bizarrices na organização da Copa de 2014, chegando até as folclóricas viradas de mesa.

Podcasts são programas de áudio que podem ser ouvidos a qualquer hora e lugar —no computador, smartphone ou em outro aparelho com conexão à internet. Os podcasts do UOL estão disponíveis em uol.com.br/podcasts e em todas as plataformas de distribuição. Você pode ouvir Futebol Bandido, por exemplo, no Spotify, na Apple Podcasts e no Youtube. Além disso, o UOL Esporte montou, também, uma versão em texto da apuração do trio, para que você possa consumir a reportagem da maneira que preferir.

Depois de conhecer a trajetória polêmica de Ricardo Teixeira no primeiro capítulo, falar sobre a origem brasileira na corrupção na Fifa, revisitar as bizarrices da Copa de 2014, mostrar como os jogos da seleção brasileira entram na dança das mutretas, como os clubes do futebol brasileiro não ficam atrás nesse assunto e os escândalos multimilionários envolvendo negociações de direitos de TV, chegamos ao sétimo episódio: como as transferências de jogadores viraram palco para lavagem de dinheiro.

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Quando os craques se expõem

A temporada de Futebol Bandido percorreu até aqui quase todo o ecossistema da corrupção dentro do futebol, dos gabinetes de cartolas aos contratos de direitos de transmissão. Mas, as ações controversas chegam vez ou outra a comprometer as biografias cultuadas dos maiores ídolos deste esporte. Geralmente, esses incidentes com os super craques acontecem no momento de transferências de clubes que envolvem muito dinheiro.

Entre outros casos, o episódio relembra a atividade recente da Justiça da Espanha na investigação fiscal de contratos de craques como Messi e Cristiano Ronaldo. Os integrantes do podcast ressaltam a variedade de pessoas envolvidas em grandes operações de transferência e explicam como os ídolos conseguem evitar punições mais severas, como prisões.

O clube da 3ª divisão de Minas Gerais

Durante sua participação no episódio de Futebol Bandido, Rodrigo Mattos relembrou a produção de uma reportagem de sua autoria sobre o Coimbra Esporte Clube, um time então na terceira divisão de Minas Gerais — hoje o time está na elite do futebol mineiro.

Em 2014, Mattos publicou em seu blog uma investigação sobre o fundo de investimentos que controlava o clube, ligado ao banco BMG. Na época, o Coimbra tinha jogadores como Marquinhos (PSG), Oscar (Shanghai SIPG) e Bernard (Everton) registrados, somando um plantel mais caro do que os times de ponta do país. No entanto, nenhum desses atletas defendia a equipe mineira.

"(O clube) tinha na época jogadores mais caros dos que os do Palmeiras. E tinha alguns jogadores da seleção presos a eles. O zagueiro Marquinhos, que até hoje está na seleção, era um deles. Você olhava o elenco dos caras, que aparecia sob contrato, era um absurdo."

No entanto, o blogueiro concluiu que, na verdade, a operação não era irregular, mas usava brechas da legislação internacional do futebol.

"O negócio era legal. O Coimbra era um clube empresa, o dinheiro injetado vinha do BMG, cujo dono, Ricardo Guimarães, já foi presidente do Atlético-MG. Aí você pode discutir: não tem nenhum caso de corrupção apontado ali. Realmente, não tem nenhum caso. Mas qual a justificativa esportiva da existência do Coimbra com contratos até com jogador da seleção brasileira? Não existe nenhuma", comentou.

"Isso abre o futebol para um campo que não deveria ser o dele, que é o de negociação econômica sem justificativa esportiva."

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Dean Mouhtaropoulos/Getty Images

Bélgica: centro europeu de lavagem de dinheiro

Em sua participação inicial no episódio de Futebol Bandido, o jornalista Jamil Chade alerta que as irregularidades em negociações de jogadores não estão apenas nas grandes transações, aquelas que movem as manchetes de jornais. Ele chama atenção para o caso da Bélgica, que se notabilizou por ser um centro de lavagem de dinheiro nos últimos anos.

"Não é surpreendente que, de repente, na Europa nós tenhamos nos últimos anos uma enxurrada de casos contra jogadores, contra agentes, contra clubes, de lavagem de dinheiro no comércio de seres humanos", afirmou Chade.

"Você tem isso enraizado no futebol. No futebol belga, em 2018, nós tivemos um caso em que dez dos 16 times da primeira divisão do país estiveram sob investigação por conta de lavagem de dinheiro na transferência de jogadores", completou.

O Uruguai vivia um caso semelhante: "É um país com grande produção de bons jogadores e dominado por empresários. O primeiro deles foi o Juan Figger, que tinha um clube chamado Rentistas. Esse clube teve vários jogadores brasileiros. Esses jogadores primeiro passavam pelo Rentistas antes de ir para o Real Madrid, para a Lazio, para o Barcelona. Um dos exemplos é o Zé Roberto, que ficou na seleção por anos, passou pelo Rentistas e era empresariado pelo Juan Figger", lembrou Rodrigo Mattos.

Ricardo Nogueira/Folhapress Ricardo Nogueira/Folhapress

Transferência Neymar-Barcelona: "imoral"

O debate no episódio do podcast tratou também da controversa transferência que levou Neymar do Santos ao Barcelona em 2013. Por esse negócio, o craque e a empresa da família foram investigados pela Justiça da Espanha por crimes como corrupção, fraude e simulação de contratos.

"A negociação foi legal, porém imoral", comentou Rodrigo Mattos. "Isso só acabou sendo revelado muito depois. E como se deu? O Neymar pai assinou um contrato em 2011 já fechando o negócio com o clube espanhol, não tendo informado o Santos. Ele tinha uma carta de liberação do Santos para negociar, mas ele não disse que tinha fechado com o Barcelona. E ele recebeu 10 milhões de euros do Barcelona naquela data."

"E matérias que fiz um pouco depois, quando o Neymar estava sendo investigado por questões fiscais no Brasil, demonstravam que ele recebeu aquela quantia pouco antes do jogo entre Santos e Barcelona no Mundial, com o Neymar escalado para aquela final. Acho que não há dúvida sobre a imoralidade de um negócio desse. Como você acha que o torcedor santista se sentiu sabendo que seu principal jogador recebeu, dias antes da final, milhões de euros do adversário?"

Mattos ainda acrescentou que os valores manipulados do negócio acabaram afetando o pagamento de impostos no Brasil, razão pela qual o jogador enfrentou investigações fiscais dentro do país.

Em 2019, Neymar foi cobrado na Justiça pela Fazenda Nacional a pagar uma cifra acima de R$ 88 milhões. A dívida é consequência de uma autuação do Fisco, que apontou irregularidades em negócios do atleta e de sua família entre 2011 e 2013, incluindo a transferência do Santos para o Barcelona.

Michael Steele/Getty Images

Como Messi e CR7 escaparam da prisão

Jamil Chade trouxe ao debate de Futebol Bandido uma explicação bem didática de por que super craques envolvidos em irregularidades fiscais conseguem evitar a prisão. O jornalista falou especificamente sobre os casos de Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, que tiveram contratos devassados pela Justiça da Espanha, com evidências de fraude fiscal.

"No caso espanhol, as penas sempre são batendo na trave. Vou dar um exemplo: a partir de três anos e um dia, você precisa cumprir a pena na prisão. Se for menos do que três anos, como dois anos e 363 dias, aí você não precisa cumprir em regime fechado. Curiosamente, em todos esses casos você tem uma sentença naquele limite. Aí você só tem o pagamento das multas."

"Aí você arruma a sua vida em termos fiscais e... jogo que segue", completou Jamil Chade.

Messi e seu pai foram condenados, em 2016, a 21 meses de prisão por crime de fraude, por terem usado paraísos fiscais entre 2007 e 2009. Apesar da sentença, os dois não precisaram cumprir a pena, já que nenhum deles têm antecedentes criminais e a condenação é inferior a dois anos (limite para liberação de regime fechado). A família já havia depositado 5 milhões de euros para o pagamento de impostos devidos.

Já Cristiano Ronaldo chegou a um acordo com a promotoria espanhola em 2019. O português foi condenado a 23 meses de prisão, reconhecendo ter cometido quatro crimes fiscais entre 2011 e 2014, em cifras que chegam a 5,7 milhões de euros.

Neymar também enfrenta um processo judicial na Espanha por crimes que preveem prisão, ainda sem desfecho. Em junho do ano passado, a Justiça espanhola decidiu que as suspeitas de fraude fiscal e sonegação de impostos na contratação pelo Barcelona, em 2013, devem ser julgadas na capital catalã.

Marco Bertorello/AFP Marco Bertorello/AFP

Itália abaixa impostos para atrair craques

Jamil Chade também mencionou uma recente mudança de legislação no futebol italiano, em manobra para redução de impostos que favorece jogadores que recebem salários milionários. A alteração deverá passar a valer em breve.

"É uma forma de atrair craques. No lugar de 40% de impostos, que eles pagariam na Inglaterra, na Alemanha ou na Espanha, na Itália eles passam a pagar 24%. Talvez não seja surpresa que na mais recente janela de transferência, e na anterior também, alguns jogadores, já se antecipando a isso, se apresentaram a clubes italianos."

"No lugar de fazer toda essa engenharia fiscal que a gente estava falando, eles simplesmente mudam de time e acabam pagando muito menos, em se tratando de impostos", completou.

Robin Jones/Getty Images

A era dos superagentes

A nova configuração do futebol acabou propiciando a criação de um personagem poderoso nas negociações de jogadores. Os superagentes. Às vezes, com um poderio econômico e influência de mercado maior do que os de alguns clubes. É o que vimos acontecer no Brasil nos últimos anos.

"Não são fáceis os contratos de negociação de jogadores hoje em dia. São contratos complexos, com variáveis, pagamento de bônus. Num nível em que, num determinado momento, ele não tem só um agente. Ele tem um agente e dez ou 15 advogados. O tamanho da equipe que vai se acumulando ao redor dele é gigantesco", comentou Rodrigo Mattos.

Um exemplo é Neymar. Oficialmente, o agente de Neymar é seu pai. Mas quem faz as grandes negociações com os clubes europeus é o israelense Pini Zahavi, agente ligado Kia Joorabichian - que ficou famoso por aqui por ser o gestor da parceria MSI-Corinthians e que foi um dos assuntos do Futebol Bandido #5.

"Ele participou de todas as negociações do Neymar desde a saída do Santos. Porque você precisa ter um cara que tem um preparo absurdo para fazer esse tipo de coisas. Estão nesse nível o Pini Zahavi, o português Jorge Mendes... Esses superagentes têm a força de um Real Madrid. Quando eles sentam à mesa, têm um estafe gigantesco, um dinheiro acumulado".

Aqui no Brasil, temos patamares similares, lembra Mattos. "O Carlos Leite, por exemplo. Quando ele senta para negociar com Corinthians e Vasco, clubes para os quais ele já emprestou dinheiro, quem você acha que é a parte forte da negociação?"

"Ele empresta constantemente dinheiro para esses clubes, às vezes R$ 20 milhões de uma vez. Se o Carlos Leite chegar nesses clubes e pedir para que um atleta seja negociado, como eles vão dizer não? Como é que o clube que tem uma dívida de R$ 20 milhões com ele vai dizer não?", completou.

Mais do noticiário de negociações:

  • Mattos: Santos contabiliza R$ 18 mi a receber do Barça por "amistoso"

    Em texto de 2018, o blogueiro informa que o clube brasileiro ainda cobrava do Barcelona quantia pendente pelo amistoso de 2013 no Camp Nou, parte da polêmica negociação de Neymar para a Europa.

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Simon Plestenjak/UOL

Futebol Bandido #8: Virada de mesa também é corrupção?

Depois de passarmos por diversas modalidades de falcatruas dentro do universo do futebol, a primeira temporada de Futebol Bandido termina com uma reflexão, com um quê de provocação: viradas de mesa também são corrupção?

Juca Kfouri, Jamil Chade e Rodrigo Mattos revisitam episódios clássicos do mundo controverso do "tapetão", como o misterioso incidente de 2013 que rebaixou a Portuguesa no Campeonato Brasileiro. Os participantes relembram ainda de outros casos envolvendo grandes times do país.

"Corromper não é pagar. É fazer um trajeto diferente que não está previsto na lei para beneficiar alguém de alguma forma. E esse alguma forma pode ser evitando um rebaixamento"
Jamil Chade

Todo o Futebol Bandido

  • #1: Quem é Ricardo Teixeira?

    Por trás dos anos do tetra e do penta, Ricardo Teixeira construiu uma história na CBF repleta de pontos obscuros. Alçado ao poder em 1989 por ser genro do ex-presidente da Fifa João Havelange, o cartola que nem gostava tanto de futebol surfou na onda de sucesso da seleção. Mas a cobiça desenfreada enfraqueceu sua longevidade. Teixeira sobreviveu a uma CPI, mas em 2012 foi obrigado a sair de cena em razão de investigações internacionais.

    Imagem: REUTERS/Nacho Doce
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  • #2: Havelange, Fifa e corrupção

    "Quando fui eleito para a CBF, ouvi que não entendia de futebol. Foi a sorte do futebol. Não fui para jogar, fui para administrar", dizia João Havelange, o 1º dirigente brasileiro a ganhar notoriedade internacional, graças ao sucesso da seleção de Pelé -- a quem chamava de "aquele negrinho". Foi presidente da Fifa por 24 anos e criou uma máquina de ganhar dinheiro. O problema é que, com ele, nasceu também uma cultura de corrupção.

    Imagem: Alexandre Durão/Folhapress
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  • #3: escândalos da Copa-2014

    Quando a Fifa inspecionou a Arena do Corinthiansem construção, para a Copa do Mundo de 2014, avisou que era necessário uma nova torre de elevadores só para que Joseph Blatter pudesse andar até a tribuna de honra durante a abertura do Mundial. A obra custaria R$ 23 milhões. O elevador não foi construído, o Corinthians não deixou. Mas a história representa bem como era tratado o dinheiro brasileiro que pagou pela festa.

    Imagem: Fabrice Coffrini/AFP
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  • #4: aproveitadores da seleção

    Em 1994, após o tetrcampeonato, a seleção brasileira virou coqueluche para o mundo dos negócios. Quando a Nike assinou o patrocínio, um espanhol chamado Sandro Rossel (que depois viraria presidente do Barcelona) ganhou status no mundo do futebol, tudo para cair alguns anos depois. O quarto episódio mostra como ele foi seduzido pela corrupção da CBF e, após confirmação de propinas, acabou preso em sua terra natal.

    Imagem: EFE/Alejandro García
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  • #5: até a máfia russa chegou ao futebol

    Dos tentáculos da máfia russa no Corinthians na primeira década do século até o mar de lama que culminou no rebaixamento do Cruzeiro em 2019, o futebol brasileiro nunca ficou longe quando o assunto é corrupção. O quinto episódio de Futebol Bandido vai se debruçar sobre os problemas mais visíveis do ponto de vista do torcedor comum no Brasil. É aquela que chega ao clube de coração e compromete de forma evidente o desempenho do time em campo.

    Imagem: France Presse: AFP/France Presse- AFP
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  • #6: direitos de transmissão explicam corrupção?

    Talvez, em nenhum outro nicho do futebol o dinheiro seja tão abundante quanto nos contratos de direito de televisão. No Brasil e no exterior, alguns cartolas usaram as negociações desse tipo para lucrar por debaixo dos panos. A farra durou um tempo, mas, hoje, a maioria desses cartolas está preso ? ou oficialmente fora do jogo. Mas será que os esquemas acabaram? Será que os contratos brasileiros atuais estão sendo benéficos para o nosso futebol?

    Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress
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  • #7: Como Neymar, Messi e CR7 escaparam da prisão?

    Nesta jornada pelo universo da corrupção, nós já vimos cartolas e executivos sujando as mãos. Mas os malfeitos não são exclusividade deles. As negociações de jogadores abriram possibilidades alternativas de ganhos para empresários e também para os próprios atletas. Alguns dos craques mais badalados da atualidade tiveram suas biografias comprometidas por negócios repletos de detalhes no mínimo estranhos.

    Imagem: AFP PHOTO / OLIVIER MORIN
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