Em nome do clã

Pietro Fittipaldi é o 1º brasileiro na fila de espera da F-1, pela Haas, e sonha entrar no grid com o irmão

José Eduardo Martins Do UOL, em São Paulo James Bearne/Getty Images

Há muita expectativa dentro do clã Fittipaldi. O sobrenome histórico do automobilismo nacional já está de volta à Fórmula 1, com a promoção de Pietro a piloto reserva da Haas, única equipe norte-americana da categoria. O neto de Emerson é hoje, aos 23 anos, o primeiro brasileiro na fila para ganhar uma vaga no cockpit.

No momento em que der a partida para uma corrida de F-1, seria o quarto integrante da família a desfrutar dessa honraria e adrenalina. Seria um recorde, depois de os pioneiros Emerson e Wilsinho desbravarem as pistas nos anos 1970. Duas décadas depois, foi a vez de Christian, filho de Wilson, a competir em alta velocidade.

Se o sobrenome Fittipaldi parece uma vantagem natural a qualquer candidato a piloto, a trajetória de Pietro rumo ao badalado e caríssimo campeonato não foi tão natural assim. Nascido em Miami, ele demorou a correr com monopostos. A tradição nos Estados Unidos, mesmo nas categorias menores, é voltada aos carros da Nascar.

A família, porém, teve influência decisiva para que, no meio do caminho, ele mudasse de direção, procurando novo endereço na Europa. A transição deu certo, e aqui está Pietro Fittipaldi à espera uma vaga. E o intrigante é que a ansiedade do clã não só se resume às chances do piloto da Haas. Seu irmão mais jovem, Enzo, de 18 anos, treina pela academia da Ferrari. O que permite ao clã sonhar grande.

Esse é o meu sonho desde pequeno, o de correr na F-1. Não só pilotar um carro de F-1, mas estar em um grid correndo. E o sonho de verdade, mesmo, seria correr junto com o Enzo. Seria top."

Para matar a vontade, por enquanto, com o mundo do automobilismo também em suspenso devido à pandemia do novo coronavírus, os irmãos se contentam com corridas virtuais. Na residência da família nos Estados Unidos, cada um tem um equipamento sofisticado em seus quartos.

"A gente está fazendo isso agora, mas no simulador, porque ele tem um no quarto dele e eu tenho um no meu. Já estamos meio que simulando isso daí, essa possibilidade."

James Bearne/Getty Images

Pietro explica diferenças entre simulador da F-1 e videogame

Thiago Duran/AgNews

Pergunte ao Google (ou para a família?)

Fazer parte de um clã do automobilismo não dá a Pietro Fittipaldi somente acesso privilegiado a testes na pista. As relações familiares fazem o piloto respirar o assunto desde muito cedo. É como se ele não precisasse recorrer ao Google para a resposta —basta olhar para o lado e questionar.

"Tenho o avô, o Emerson, o meu tio-avô, o Wilsinho, o primo da minha mãe, que é meu 'tio', o Christian... Tenho uma grande oportunidade. É muito bom para mim ter uma família que entende tanto de automobilismo", afirmou.

"Todos eles sempre me ajudaram muito. Toda vez que a gente tem alguma dúvida, até coisa de decisão para onde vai nossa carreira. Com qual equipe eu deveria falar, para qual equipe eu deveria ir se tenho a opção de escolher... É claro que estou sempre falando com eles e pedindo conselho", disse.

E uma curiosidade: no círculo familiar, como se não bastasse, há também outra fonte de informação: o italiano Max Papis, que correu nas Fórmulas 1 e Indy, casado com sua tia Tatiana, filha de Emerson.

Assista à entrevista na íntegra

Sobrenome não é pressão, mas um cartão de visitas

A certidão de nascimento com um sobrenome de enorme peso esportivo suscita uma pergunta: mais ajuda ou pode virar um fardo? Para Pietro Fittipaldi, a resposta não é tão complicada assim. O piloto aceita de bom grado as credenciais, que abrem portas nem tão acessíveis assim.

"Para mim, é muito mais vantagem. Uma família que entende muito de automobilismo ajuda muito, abre muita porta. Mas é claro que, quando você tiver a oportunidade, você precisa ir bem. Você precisa acelerar", afirmou.

A pressão não preocupa Pietro. A F-1, por exemplo, já viu pilotos como Bruno Senna e Nelsinho Piquet conviverem com essa situação —dois personagens que são, hoje, conselheiros do piloto reserva da Haas. "Tenho vários amigos, o Nelsinho Piquet, o Bruno Senna, Augusto Farfus... Todos eles sempre me ajudaram muito."

O garoto acredita que já saiba lidar bem com as cobranças. Para ele, nada é mais exigente do que uma autoavaliação. "Mostrar resultado no final do dia é o mais importante. A pressão tem em tudo que eu faço. Eu quero fazer bem, sou competitivo. Mas isso vem de mim, mesmo. É claro que estou me divertindo, estou pilotando porque eu gosto, mas estou porque quero ganhar."

Claro que sobrenome abre porta. Quando você estiver lá, você precisa, como se diz em inglês, deliver (entregar)

Pietro Fittipaldi

Dan Istitene/Getty Images Dan Istitene/Getty Images
Reprodução

Um acidente grave e a chave de Indianápolis

Em 2018, Pietro Fittipaldi sofreu o acidente mais grave de sua carreira. Durante um treino para as Seis Horas de Spa-Francorchamps, válida pelo Mundial de Endurance, ele bateu o carro após problema mecânico. Teve fraturas nas duas pernas.

"Estava em uma curva rápida de subida, a Eau Rouge. Quando estava subindo, deu problema no carro, desligou tudo, travou o volante e fui direto para a parede. Até posso te contar a história em detalhes de quando bati o carro."

Quando eu bati o carro, a porta do carro abriu. Falei: 'Meu Deus do céu, agora vai doer muito'. Aí que veio a dor mesmo. No começo, eu não estava sentindo muita dor. Aí eu fui tirar o cinto de segurança. Quando olhei para baixo, vi que o pneu tinha entrado onde estavam as minhas pernas. Todas as minhas pernas estavam tortas."

Ainda na Europa, ele recebeu o diagnóstico de que demoraria um ano para ser liberado para voltar a correr. Decidido a competir o mais rápido possível. o brasileiro foi para os Estados Unidos, onde foi atendido pelo especialista Terry Trammell. Neste período de recuperação, Pietro ficou no circuito de Indianápolis, onde o médico acompanhava as tradicionais 500 Milhas.

"A gente morou dentro da pista, eu com a minha mãe, em um motorhome. Todo dia eu acordava com o som dos carros passando. Aquele evento durou duas semanas. Mas eu fiquei com a minha mãe lá por dois meses. A gente ficou amigo do segurança da pista. Ele deixava a chave com a gente. A chave da pista de Indianápolis mesmo [para quando fosse voltar mais tarde]."

Em tempo: em dois meses, o piloto voltou às pistas. Sem que a fratura estivesse devidamente curada.

Xavier Bonilla/NurPhoto via Getty Images Xavier Bonilla/NurPhoto via Getty Images

14 anos e 500 cavalos de potência

Quando pilotei um carro de Nascar, com 500 cavalos - o que é uma loucura. Eu não sei como eles fazem isso, mas é muito legal, e eu comecei a ir muito bem."

A trajetória de Pietro Fittipaldi para chegar à Fórmula 1 não é muito usual. Ao contrário da maioria dos pilotos da categoria, ele não passou dos karts para os monopostos. Aos 14 anos anos, o brasileiro acelerava em circuitos ovais nos Estados Unidos em bólidos de divisões inferiores da Nascar, a Stock Car norte-americana.

"No começo, eu estava correndo de kart e, para subir para correr de carro, para ir para a Europa, de fórmula, eu não tinha o apoio financeiro. Não tinha um patrocínio para ir para a Europa. Então, eu comecei a correr de Nascar, porque é um pouco mais barato."

Nas primeiras voltas competitivas nos Estados Unidos, o adolescente Pietro já concorria com pilotos até uma década mais velhos. Apesar de ainda sonhar com a F1, tomou gosto rapidamente pelas provas de turismo e pelos carros da Nascar. Nada como um motor bastante potente e o acúmulo de vitórias, claro.

"Era um campeonato muito competitivo e eu corria contra uns caras de 23, 24 ou 25 anos. Porque nessas categorias de Nascar, tem caras que ganham dinheiro com isso, tocam a vida assim. Eu comecei a ganhar corridas e ganhei o campeonato no meu primeiro ano."

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Como Carlos Slim influenciou diretamente na carreira de Pietro

Para chegar à Europa e tentar viabilizar seu sonho de Fórmula 1, Pietro Fittipaldi teve apoio financeiro fundamental de Carlos Slim, de uma das famílias mais ricas do mundo. Quando despontava nas categorias de base da Nascar, o brasileiro chamou a atenção do bilionário mexicano, que já era amigo da família também.

"Ele tinha uma categoria que se chamava Nascar México. Então, estava sempre de olho na Nascar também. Quando viu que eu ganhei o campeonato, falou que gostaria de me patrocinar", afirmou. Por isso, Carlos Slim Domit, filho do mecenas que dirige a Escuderia Telles, com atuação na América do Norte, também foi um entusiasta.

Adaptado ao automobilismo norte-americano, ainda muito jovem, Pietro até se mostrou relutante para fazer as malas e partir para a Europa. No fim, aos 16 anos, entendeu que era um passaporte que não poderia recusar.

É, meu avô foi o primeiro a falar: 'Vai para a Europa, que você precisa'. Meu pai também me falou: 'você precisa, você tem essa oportunidade única e vai. E aí eu fui'."

Marco Canoniero/LightRocket via Getty Images Marco Canoniero/LightRocket via Getty Images
Ferrari Photoservice/EPA/EFE

No quintal da Ferrari

Depois de aprender a se virar sozinho na Inglaterra, Pietro passou a morar na Itália. Hoje, o brasileiro reside com o irmão mais jovem, Enzo, em Maranello, no Norte do país. A cidade é mundialmente conhecida por ter a sede da Ferrari. A escolha do local para morar se deve também por uma questão estratégica para ambos.

"A Haas tem uma base na Itália, que fica a uma hora de Maranello. E o simulador deles está lá também, que é na Dallara. Então, o Enzo faz as atividades dele na Ferrari em Maranello, então ficou perfeito."

O pequeno município, de cerca de 17 mil habitantes, é puro automobilismo. Muitos pilotos moram lá. Por isso, de vez em quando, as corridas virtuais acabam sendo até uma maneira diferente de os jovens se divertirem.

"É pequeninho lá, mas o que é legal é que tem vários outros pilotos. Tem outros pilotos brasileiros, o Gianluca Petecof, tem o Antonio Giovinazzi , que ainda está morando lá. O Arthur LeClerc [irmão de Charles, titular da Ferrari] está lá também. A gente tem meio que essa comunidade."

Divulgação/ABB Formula E

Onde estão os brasileiros?

Felipe Massa pendurou seu capacete de Fórmula 1 , em 2017, e desde então o Brasil não tem mais um representante na principal categoria do automobilismo. Tal fato acabou com uma sequência iniciada justamente pelo avô de Pietro, Emerson, em 1970. O neto tenta encontrar uma resposta para o sumiço dos brasileiros. Uma possibilidade passa pelas questões financeiras.

"Quando você sai do kart para ir para um fórmula, é muito mais caro. O piloto precisa ter esse apoio financeiro, ou da família ou de um patrocinador. Então, por isso que teve menos piloto brasileiro nas categorias júnior e acaba tendo menos piloto que tem chance de chegar à F1."

Agora, como reserva da Haas e com o irmão Enzo no programa da Academia Ferrari, ele acredita que poderá em breve ver um representante do país no grid. Quem sabe um Fittipaldi.

"Acho que agora estamos em um momento bom, tem vários brasileiros chegando próximos à F-1. Eu estou perto da minha meta. O Enzo, meu irmão, está na academia Ferrari e ganhou também a Fórmula 4, terminou em segundo o campeonato europeu de Fórmula 3. Ele também está chegando. Acho que agora a gente está voltando."

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