Deixaram chegar

Flamengo conquista o Brasileirão-20, um título com a cara de muitos Flamengos

Léo Burlá e Marcos Pereira Do UOL, no Rio de Janeiro e em São Paulo REUTERS/Amanda Perobelli

O São Paulo chegou a ter sete pontos de vantagem na liderança. O Atlético-MG passou o ano de 2020 todo como grande favorito. O Internacional parecia ter arrancado na melhor hora possível. Mas, como a torcida do Flamengo gosta de dizer: deixaram chegar. E quando deixam chegar, não tem jeito: o Rubro-Negro é bicampeão brasileiro.

É verdade que o próprio Flamengo também tentou sabotar o seu título. A diretoria vive em guerra fria. Jorge Jesus pegou suas malas e foi embora no meio do ano, a aposta no espanhol Domenec Torrent se mostrou equivocada e Rogério Ceni enfrentou seus percalços contra um time cansado, que demorou a recuperar a confiança e/ou a forma física.

E esse último jogo... O Flamengo foi até o Morumbi, perdeu por 2 a 1 para o São Paulo e os campeões brasileiros tiveram de esperar o fim de uma partida a mais de mil quilômetros de distância, em Porto Alegre, para comemorar. Mas a conquista veio, após o Internacional apenas empatar em 0 a 0 contra o Corinthians.

O título veio, também, graças a muitas similaridades com Flamengos campeões nacionais do passado. Estão lá ecos do que Zico, Bebeto, Júnior e Carlos Alberto Torres, por exemplo. Agora, você vai conferir como os ensinamentos dos campeões do passado ajudaram o Flamengo de hoje a conquistar o segundo título brasileiro em dois anos — e a fazer de sua temporada mais longa também uma das mais vitoriosas em número de taças.

REUTERS/Amanda Perobelli
Alexandre Vidal/Flamengo

Sim, Fla 20/21 tem mais títulos que o de 2019

O Flamengo de 2019 é o melhor campeão brasileiro dos pontos corridos e, para muitos, o melhor time do futebol brasileiro nos últimos anos. Mas em uma coisa ele é superado pelo time de 2020: número de conquistas. Na temporada passada, foram três títulos (Carioca, Brasileirão e Libertadores). Agora, o Fla chega ao quarto título. Além do Brasileirão, o time já foi campeão do Carioca, da Recopa Sul-Americana e da Supercopa do Brasil —os três ainda sob o comando de Jorge Jesus.

Não era como a gente queria mas é um título brasileiro e o que vale é ao longo das 38 rodadas".

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Rogério Ceni, após a partida que definiu o título brasileiro

A gente fez um bom campeonato, fomos merecedores. Gostaríamos de ter vencido hoje, mas ser campeão é muito bom, independentemente de como seja. O time mereceu".

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Gabigol, artilheiro do Flamengo no Brasileirão, com 14 gols

Pedro Martins/UOL Pedro Martins/UOL
Pedro Martins/UOL

Foi um campeonato muito atípico. Tivemos a pandemia, troca de treinadores. Não foi brilhante, mas fizemos por merecer. Lutamos até o último minuto, sempre acreditamos. A Nação sabe muito fazer festa. É gostoso poder dar alegria a eles, porque sabemos que vai ter retorno. É uma alegria imensa".

Everton Ribeiro, meia do Flamengo, que conquistou seu segundo bicampeonato: ele já tinha feito o mesmo pelo Cruzeiro campeão brasileiro de 2013 e 2014.

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Colunistas sobre a última rodada

UOL

Mauro Cezar

Fla tem atuação pífia, mas é campeão. Inter, desta vez, tem do que reclamar.

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UOL

Juca Kfouri

Flamengo é octacampeão do Brasileiro porque o Inter não soube ser tetra.

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Uol

Julio Gomes

Ninguém mereceu ganhar o Campeonato Brasileiro do VAR.

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UOL

Perrone

Inter não teve calma para ser campeão diante de adversário fraco.

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Ricardo Nogueira/Folha Imagem

2009 e as lideranças que não valeram muita coisa

A comparação mais fácil para o Flamengo de 2020 é com o campeão de 2009. Aquele time do técnico Andrade também arrancou na reta final, aproveitou um rival tropeçando e atropelou para conquistar o título.

O elenco de 2009 tinha Adriano e Petkovic, mas não estava entre os favoritos do torneio. A posição pertencia ao Palmeiras, que tinha Diego Souza e Cleiton Xavier, jogando muito, e Muricy Ramalho, então tricampeão brasileiro, no comando. O Alviverde chegou a ter 12 pontos a mais que o Flamengo, mas, nas últimas dez rodadas, desmoronou.

Em 2020 e 2021, um dos personagens daquela época voltou a aparecer: Muricy Ramalho foi anunciado como dirigente do São Paulo quando o Tricolor tinha sete pontos de vantagem na liderança do Brasileirão. E, como em 2009, seu time viu a vantagem derreter até perder a chance de ser campeão.

A grande diferença entre as conquistas, no entanto, foi a expectativa. Se em 2009, o Rubro-negro era um completo azarão, com Andrade quase um interino no comando técnico, a situação mudou nesta temporada. Campeões em 2019, os rubro-negros entraram com absoluto favoritismo e, embora a campanha tenha sido cheia de altos e baixos, deu a lógica no final.

A chegada do Rogério nos ajudou muito, nossa atitude mudou bastante. É como eu tinha falado numa coletiva: 'Como é que um time que venceu uma Libertadores em três minutos não seria capaz de fazer isso em dez jogos?' Eu sabia que, se a gente se juntasse, seríamos campeões. E fomos

Gabigol

Wagner Meier/Getty Images

2019: Fla supera trauma por Mister e queda de braço no clube

O Flamengo reencontrou o mapa da mina em 2019, após anos de títulos espaçados e perda de protagonismo. O clube saneou despesas e montou um esquadrão com Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabigol se juntando a Everton Ribeiro, que já estava na Gávea.

Após um começo ruim com Abel Braga, chegou Jorge Jesus, e a revolução se concretizou. Ao vencer a Copa Libertadores, o clube quebrou um jejum de 38 anos e escancarou a porta para conquistas em série: dois Cariocas, dois Brasileiros, uma Supercopa e uma Recopa.

A sequência vitoriosa, no entanto, não significa um mar de rosas. O clima entre a cúpula do futebol e alguns cardeais da Gávea não é dos mais leves. No momento mais crítico da atual temporada, já sob o comando de Rogério Ceni, Rodolfo Landim e seus pares mais próximos aumentaram a lupa sobre o trabalho no Ninho do Urubu. A área médica foi acusada de demorar a devolver jogadores ao campo, por exemplo. A vida do agora campeão Rogério Ceni também não foi simples. Rodada a rodada, os resultados salvavam o treinador, mas a guerra fria seguia.

Não é exatamente tranquilo convívio entre Marcos Braz, vice de futebol, e Luiz Eduardo Baptista, o Bap, vice de relações externas. Mesmo em tempos de bandeira branca, as discordâncias são sucessivas. Quando Jorge Jesus pediu demissão, Bap queria o espanhol Miguel Ángel Ramírez, então no futebol do Equador, mas prevaleceu o desejo de Braz, que apostou (sem sucesso) em Domenec Torrent. Ceni, uma rara escolha unânime, demorou para engrenar, mas deu ao Rubro-negro a única coisa que importava: a taça de campeão.

Agência O Globo

1982/83: muitos craques e dois títulos

As épocas são diferentes, os formatos de disputa também, mas a história apontará para sempre que a atual geração do Flamengo fez o que apenas Zico e companhia haviam feito: conquistado o bicampeonato do Brasileiro.

Em 1982 e 1983, o mágico Flamengo, que encantou o mundo, venceu as decisões contra Grêmio e Santos, ampliando uma hegemonia que já vinha desde 1980, quando o clube ergueu seu primeiro troféu nacional. Era um time com uma defesa forte, com Mozer, Leandro e Júnior, um meio-campo fortíssimo, com Andrade, Adílio e Zico, e um ataque mortal, com Nunes e Tita.

Assim como nos anos 80, pesou a favor do Rubro-negro o talento extraordinário dos jogadores. Em tempos de êxodo para o mercado internacional, os campeões se dão ao luxo de (man)ter nomes como Gabigol, Arrascaeta e Gerson, todos com potencial e idade para viverem o sonho europeu.

É verdade que, neste Brasileirão, a oscilação veio de uma maneira que não aconteceu em 2019. Gabigol e Bruno Henrique foram contestados, Everton Ribeiro correu risco de ir para o banco e a defesa, com Rodrigo Caio sofrendo com lesões, nunca se acertou. Mas, com estrutura de primeira, salários em dia e um projeto esportivo sedutor, o Flamengo seguiu forte e virou objeto de desejo de brasileiros e até estrangeiros que desejam atuar em alto nível.

Eu vejo o Flamengo com um elenco muito bem montado. Eles têm a possibilidade de manter isso e ir mais longe até do que fizemos. Na nossa época, era mais equilibrado. Hoje, tem o Flamengo liderando. O Palmeiras e o Atlético-MG, que eram times que achávamos que poderiam brigar, acabaram oscilando e ficaram pelo caminho."

Andrade, volante bicampeão em 1982 e 83 (e campeão também como técnico em 2009)

DOMICIO PINHEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE DOMICIO PINHEIRO/ESTADÃO CONTEÚDO/AE

O Flamengo de 1982: (esquerda para a direita) Leandro, Raul, Mozer, Marinho, Andrade e Júnior, (agachados) Tita, Adílio, Nunes, Zico e Lico

1983: um capitão ao resgate

Um capitão histórico do futebol brasileiro é chamado em uma emergência e acaba campeão. Aconteceu agora, com Rogério Ceni, e com Carlos Alberto Torres, em 1983. O Capita foi contratado na metade da segunda fase daquele torneio e pegou um time pronto.

Paulo César Carpegiani, técnico do mundial de 1981 e do Brasileiro de 1982, deixou o clube após críticas da torcida. Torres estreou com goleada sobre o Corinthians, mas não durou mais do que quatro meses no cargo. O curto período foi suficiente para levar o Fla ao tricampeonato, com cinco vitórias, dois empates e três derrotas. Foi o primeiro troféu de Torres como treinador. Como jogador, havia sido campeão nacional pelo Santos em 1965 e 1968.

Em 2020, Rogério Ceni, um dos maiores ídolos do São Paulo e tricampeão nacional entre 2006 e 2008, também chegou no meio do torneio, após a demissão de Domenec Torrent. Da mesma forma que Torres, tinha um time pronto (montado por Jorge Jesus), mas que ainda não havia encaixado em 2020.

Nas primeiras semanas, foi contestado após eliminações na Copa do Brasil e na Libertadores. O embalo veio nos últimos 40 dias. Em nove partidas, conquistou 22 pontos dos 27 disputados. De contestado, Ceni arrumou o time com Diego no meio-campo e Willian Arão na zaga. Foram 17 partidas, com 11 vitórias, três empates e três derrotas —aproveitamento de 66,6% dos pontos.

Um título sem a torcida

Reprodução/@Maracana

Sem o que vem da bilheteria...

Para chegar ao oitavo título, o Flamengo precisou superar uma adversidade em decorrência da pandemia: a falta de público. E não só pela falta de apoio da torcida. Foram cerca de R$ 5 milhões gastos só para entrar em campo. E o clube ainda deixou de ganhar aproximadamente R$ 100 milhões ? na temporada passada, o clube arrecadou R$ 100 milhões em 36 partidas, incluindo bilheteria e participação em venda de bebidas e comidas.

Reprodução

...e sem força da arquibancada

Esportivamente, o Flamengo também sofreu. Nas 19 partidas como mandante no Brasileiro, foram 11 vitórias, quatro empates e quatro derrotas. Em 2019, o time de Jorge Jesus havia alcançado um recorde com 17 vitórias e dois empates. Além disso, o Rubro-Negro foi eliminado em casa na Libertadores --pelo Racing-- e levou 2 a 1 do São Paulo nas quartas de final da Copa do Brasil, confronto que o eliminou do torneio.

Alexandre Vidal/Flamengo

1987: Bebeto e Gabigol

O personagem mais decisivo do Flamengo em 2020 tem uma grande semelhança com um dos craques do título da Copa União de 1987 — também conhecido como Troféu João Havelange. Mesmo sem ser o artilheiro do campeonato, Bebeto foi protagonista na reta final.

Foram quatro gols seus nos últimos quatro jogos que deram ao Fla o seu quarto título nacional. Em 2020, Gabigol tem seis gols marcados nas últimas seis partidas, justamente na arrancada para o título. Foi dos pés do camisa 9, inclusive, o gol do triunfo no confronto direto com o Internacional na penúltima rodada — jogo considerado a final antecipada do torneio.

Bebeto também fez sucesso no Vasco e no Deportivo La Coruña, da Espanha. Pela seleção, foi campeão mundial em 1994 e vice em 1998, além de ter conquistado a medalha de prata nas Olimpíadas de 1988 e a de bronze em 1996.

Gabigol ainda não tem histórico vitorioso no exterior, mas é um dos jogadores mais importantes dos últimos anos do futebol nacional. Foi bicampeão paulista e vice da Copa do Brasil pelo Santos. No Flamengo, ganhou o Brasileiro pela segunda vez. Foi, ainda, artilheiro do Brasileirão em 2018 e 2019. Com a seleção, foi medalha de ouro nas Olimpíadas de 2016.

Transmissão TV Globo

Gabigol xinga repórter da Globo, Mas se desculpa depois...

Eric Faria entrevistou o atacante Gabigol após o elenco do Flamengo levantar a taça. Antes, porém, ouviu uma série de xingamentos quando avisou que o Internacional havia feito um gol, que momentos depois foi anulado. "Quando ele ouviu que foi gol do Inter, antes de eu avisar que anulou, ele falou todos os palavrões possíveis", disse Eric, que recebeu um pedido de desculpas do jogador: "Desculpa, Desculpa, mãe! Ele falou gol do Inter, falei, meu Deus do céu. Desculpa, foi mal".

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Domício Pinheiro/AE

1992 e os garotos da base

É natural que o elenco estelar do Fla dê pouco espaço aos jogadores revelados na base. Mas, mesmo com muitos jogadores de nível de seleção, o Brasileirão de 2020 deixou nos torcedores do Flamengo o mesmo gostinho que eles sentiram em 1992.

O exemplo mais claro é o goleiro Hugo Souza. Ele foi escalado pela primeira vez diante do Palmeiras, no Allianz Parque, o jogo que que teve sete titulares e todos os oito reservas formados nas categorias de base do Flamengo por causa de um surto de covid no elenco. O goleiro garantiu o empate por 1 a 1, dando início a uma sequência de oito partidas sem derrota no fim do primeiro turno. Ele terminou o Brasileirão como titular.

Também se destacaram Nathan e Gabriel Noga, os zagueiros que supriram a longa ausência de Rodrigo Caio por lesão e a instabilidade técnica dos recém-contratados Gustavo Henrique e Léo Pereira. No meio-campo, João Gomes apareceu bem em um setor que sentiu a perda de Thiago Maia por uma grave lesão no joelho. Completam a lista de promessas rubro-negras o atacante Pepê e os laterais Matheuzinho, João Lucas e Ramon.

Em 1992, Fla foi pentacampeão nacional com uma geração de futuros craques. Júnior, então com 38 anos, foi a base de experiência de um time que tinha zagueiros Júnior Baiano e Gelson Baresi, o lateral Piá, os meias Marcelinho Carioca e Djalminha e os atacantes Paulo Nunes e Nélio.

Pedro Martins/UOL Pedro Martins/UOL

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