Festa do interior

Final caipira do Paulistão completa 30 anos, com o 1º sucesso de Luxemburgo e 2 titulares do tetra

Emanuel Colombari e Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo ACERVO/Gazeta Press

A eliminação da seleção brasileira nas oitavas da Copa do Mundo de 1990 para a Argentina ainda era uma dor palpitante —e também motivo de grande reflexão sobre os rumos do esporte no país após seguidos insucessos. Mas este momento de futebol no divã não foi um privilégio verde-amarelo: o Mundial ficou marcado pela menor média de gols da história, pelo sucesso das retrancas e pela mediocridade generalizada simbolizada numa Argentina finalista com cinco gols. Só a campeã Alemanha se salvou.

Mas o que tudo isso tem a ver com o Campeonato Paulista?

Bom, o ano de 1990 marcou uma espécie de depressão do futebol em São Paulo, no Brasil e no mundo. Mas Bragantino e Novorizontino, com projetos sólidos de futebol, craques em formação e treinadores que fariam muito sucesso depois dali, nada tinham a ver com todo o contexto. Até admitem o "relaxamento" dos grandes clubes de São Paulo, mas souberam trabalhar e chegar a uma final inédita e histórica, que hoje (26) completa 30 anos.

Depois de sucumbir, o quarteto poderoso se aproveitou dos frutos da final caipira: Nelsinho Baptista, técnico do Novorizontino, assumiu o Corinthians e foi campeão brasileiro no próprio ano de 90. O São Paulo teve Pintado em seu ciclo de conquistas nos anos seguintes. O Santos teve os dois goleiros finalistas no elenco. E o Palmeiras saiu da fila com Vanderlei Luxemburgo, campeão da final caipira pelo Bragantino. Ufa! Tem outros nomes, também...

Não foram só as potências paulistas a desfrutar. A seleção brasileira, mesmo, chegou a escalar até seis atletas do time de Bragança no ciclo rumo ao Mundial dos Estados Unidos e mais dois do clube de Novo Horizonte. Na conquista do tetra, um representante de cada foi titular na final contra a Itália.

Agora essa parece uma realidade bem distante. Exatamente três décadas depois de o Campeonato Paulista consagrar um campeão inédito em uma decisão extraordinária, o futebol deu suas voltas: ficou mais difícil um treinador levar tijolos dentro do próprio carro para obras do clube ou "confiscar" a moto recém-comprada de um destaque do time. Também não há mais convocações para a seleção de jogadores do interior. Bragantino e Novorizontino então, como mudaram! Só os regulamentos exóticos que não perdem a vez.

Bem-vindo à história. Mas aqui, ela puxa o "r".

ACERVO/Gazeta Press

Os rostos da final

  • Luxemburgo

    Assumiu o Bragantino em 1989, com menos de dez anos de carreira e depois de rejeitar uma proposta para dirigir os aspirantes. Foi campeão da Série B do Brasileirão no mesmo ano e venceu o Estadual em 90. Saiu para dirigir o Flamengo no ano seguinte. Hoje é técnico do Palmeiras.

    Imagem: Rebeca Reis/AGIF
  • Nelsinho

    Ex-jogador, tinha apenas cinco anos de carreira quando assumiu o Novorizontino e conduziu a campanha do vice-campeonato paulista. No mesmo ano de 1990, aceitou uma proposta do Corinthians, assumiu na terceira rodada do Brasileirão e foi campeão. Hoje é técnico do Kashiwa Reysol (Japão).

    Imagem: Divulgação
  • Mauro Silva

    Começou no Guarani, mas um histórico de lesões o direcionou ao o Bragantino. Foi campeão da Série B e Paulista e vice-campeão brasileiro em 1991. No ano seguinte foi vendido ao La Corunã, da Espanha, onde se aposentou em 2005. Hoje é vice-presidente da FPF.

    Imagem: Divulgação/FPF
  • Márcio Santos

    Revelação do Novorizontino, foi vendido ao Internacional ainda em 90. Tetracampeão mundial pela seleção, como Mauro Silva, atuou em grandes clubes da Europa e do Brasil e parou de jogar em 2004. Hoje é administrador e se prepara para voltar ao futebol.

    Imagem: Reprodução/Instagram
  • Pintado

    Nascido em Bragança Paulista e revelado pelo Bragantino, chegou cedo ao São Paulo e saiu para ganhar experiência. Uma das vezes foi ao Braga, em 90. Na volta ao Tricolor, foi bimundial e da Libertadores. Parou em 2003. Hoje é técnico do Juventude.

    Imagem: Divulgação
  • Paulo Sérgio

    Revelado pelo Corinthians, foi emprestado ao Novorizontino em 1990. Voltou ao clube de origem com Nelsinho e foi campeão brasileiro. Negociado em 93, viveu o auge na Europa e se aposentou em 2003. Hoje é comentarista esportivo da Rede TV!.

    Imagem: Reprodução
Matuiti Mayezon/Arquivo Folha Imagem

Luxemburgo teve o 1º grande trabalho

Vanderlei Luxemburgo chegou ao Bragantino meio por acaso em 1989. Estava livre no mercado da bola após encerrar uma passagem pelo Al Shabab, dos Emirados Árabes, e queria trabalhar no Brasil. Depois de papo com o amigo René Simões, que tinha recusado uma oferta para assumir o time do interior paulista, iniciou contatos com a diretoria. A princípio, a ideia era que comandasse os aspirantes. Mas logo estava no comando dos profissionais. Ganhou logo de cara a Série B e, no ano seguinte, foi campeão paulista.

Foi a primeira vez em que o nome do técnico —que ainda respondia como "Wanderley"— ganhou manchetes e relevância. E também foi seu primeiro título do Campeonato Paulista. Em 2020 ele conquistou pelo Palmeiras a nona taça, passou o santista Lula e virou o recordista histórico.

O primeiro, há 30 anos, tem um sabor especial. Luxa conduziu uma espécie de restruturação do clube na época. Há relatos de participação direta em processos considerados simples: com seu carro, ele buscava tijolos e materiais de construção e levava à sede do clube para acelerar a obra de uma sala para o departamento médico, que tinha se reforçado com Marco Aurélio Cunha, ex-São Paulo. O fisioterapeuta Luiz Rosan também foi contratado por sua por interferência.

Nas concentrações, Luxa ajudava funcionários do clube a servir refeições por causa da sua grande preocupação com horários, rotinas e processos internos. Também há histórias de reclamações sobre material esportivo e até qualidade e quantidade de bolas nos treinamentos. Nada escapava aos olhos do treinador, respaldado pela direção do início ao fim da passagem, que aconteceu em janeiro de 1991 em razão de uma proposta do Flamengo.

Em 2020, Luxemburgo foi homenageado pelo Red Bull Bragantino no estádio Nabi Abi Chedid com uma placa e uma camisa número 90.

Ari Ferreira Ari Ferreira

Três curiosidades

Reprodução/OLX

Moto confiscada

Antes das finais do Paulista, o volante Mauro Silva (que era um dos destaques do Bragantino) comprou uma moto esportiva badalada na época e adorava exibir aos companheiros. Luxemburgo, certo dia, pediu para dar uma volta. Quando Mauro entregou a chave, o técnico disse: "Quando acabar o campeonato você passa lá em casa e pega sua moto". Medo de lesão e euforia.

Reprodução/Facebook

Pai de santo

Em 1989, durante entrevista para uma rádio de Bragança Paulista, o médium Roberio de Ogum disse que o time da cidade estava prestes a conquistar um grande título. Luxemburgo e a diretoria convidaram o vidente para uma conversa e, desde então, Roberio passou a fazer parte da comissão técnica. Ele viu uma energia diferente em Tiba, que fez gol na final. Só saiu junto com Luxa.

Reprodução/Facebook

Me vê um Luxa aí!

Há uma lanchonete no estádio Nabi Abi Chedid que dá visão ao campo e tem paredes decoradas com fotos dos grandes momentos do time, principalmente 90. No cardápio, desde 2008, os lanches levam nomes de alguns heróis da conquista, como Luxa, Mauro Silva, Pintado, Gil Baiano e Biro-Biro. O X-Luxemburgo leva queijo, linguiça, salada, bacon, ovo, presunto e maionese.

Eu cheguei ao Bragantino um ano antes da final, em agosto de 1989, para a Série B do Campeonato Brasileiro que fomos campeões. A partir dali as pretensões foram crescendo, o clube foi se estruturando e a gente já percebia que tinha condições de chegar à final e conquistar. As coisas foram acontecendo aos poucos, mas no tempo do futebol bem rápido: em dois anos fomos da Série A2 para o título. O Bragantino permaneceu oito, nove anos na Primeira Divisão. Para um clube que não é dos 12 maiores do futebol brasileiro, é muito tempo. E foi porque se estruturou

Marcelo Martelotte, Ex-goleiro do Bragantino

O time tinha uma característica ofensiva, buscava o ataque, e o Vanderlei tinha o poder de mudar o jogo no vestiário. Tiramos proveito de um certo relaxamento dos times grandes. Não foi por falta de qualidade, tanto é que São Paulo e Corinthians fizeram a final do Brasileiro naquele ano, um nível alto, mas houve algo e conseguimos eliminar o Corinthians. Depois, os clubes grandes souberam entender a derrota e aproveitar o que deu certo. Já nós nos estabelecemos e no ano seguinte fizemos a final do Brasileiro mesmo sem o Vanderlei

Sobre o vice do Brasileirão de 1991, já com Parreira de técnico

Reprodução

Final "foi ruim para negócios" na imprensa esportiva da época

Na imprensa da época, uma decisão de Campeonato Paulista entre dois times pequenos foi sintomática. Ao mesmo tempo, um alívio. Primeiro, porque o futebol vivia um momento de questionamento e as grandes torcidas o encaravam com algum desinteresse.

O cenário, porém, não era exclusividade de São Paulo ou do Brasil. Nos anos seguintes, para tornar o jogo mais atraente, a Fifa introduziria novas regras para dar mais dinâmica ao futebol —como a proibição do goleiro de pegar com as mãos bolas recuadas com os pés, ou o impedimento que seria descartado se o jogador estivesse na mesma linha do marcador.

Um dos grandes bastiões da cobertura de futebol sentiu aquele momento: a revista Placar, que deu lugar à Ação. "A final caipira está numa série de coisas que aconteceram no ano de 1990, quando o futebol estava em depressão. Foi ruim para os negócios uma final caipira. Mas isso inclui a Copa do Mundo", analisa o jornalista Celso Unzelte, que trabalhava na publicação. "A Placar semanal acaba logo depois do Mundial. Quando sai o campeão paulista, ela já era a revista Ação, que durou pouco tempo."

Mas se a Placar sentia o desinteresse do público por futebol, a presença de Bragantino e Novorizontino na decisão permitiu a jornalistas e torcedores ter acesso a uma cobertura diferente por parte da imprensa.

"Naquela época, foi até um atrativo a mais. Era um negócio super incomum dois times do interior (na final). Não ter nenhum grande foi o lado pitoresco. A gente procurou usar esse tom, buscar quais eram essas inovações que tinham. E foi a edição (do Paulista) que revelou dois técnicos importantes", lembra Fernando Santos, repórter da Folha de S.Paulo entre 1987 e 1992, que se dedicou a cobrir o Bragantino nos dois jogos que deram à equipe alvinegra o título.

Arquivo

Do título da Inter de Limeira à final caipira: a confusão do regulamento

Para entender o regulamento do Campeonato Paulista de 1990, que permitiu uma inédita final caipira, é preciso voltar a 1986. Naquele ano, a Inter de Limeira faturou o título estadual, enquanto Comercial e Paulista foram rebaixados.

Na época, a FPF queria diminuir o número de participantes das divisões do Paulistão. Por isso, o regulamento do torneio da então Segunda Divisão de 1987 previa que os 52 times da disputa seriam divididos após a primeira fase: os 26 melhores (mais Comercial e Paulista) formariam a chamada Divisão Especial ("nova" Segundona), enquanto os outros 26 permaneceriam na Segunda Divisão —que, apesar do nome, seria a Terceira.

União São João e São José, promovidos da Segunda Divisão estadual em 1987, jogariam o Campeonato Paulista de 1988 nas vagas de Ponte Preta e Bandeirante, que ficaram com as duas últimas posições da classificação geral de 1987, somando-se os dois turnos. Seriam, pelo regulamento, rebaixados.

No entanto, as equipes de Campinas e Birigui recorreram aos tribunais contra o rebaixamento. De fato, não disputaram a Segunda Divisão de 1988 e tiveram suas partidas marcadas na elite. Mais tarde, porém, a presença dos dois times na Primeira foi invalidada, e tanto Bandeirante quanto Ponte Preta foram para a Divisão Especial de 1989.

Enquanto isso acontecia, o número de participantes do Campeonato Paulista ia, na verdade, aumentando. Foram 20 em 1987, 22 em 1988 (contando Ponte e Bandeirante) e 1989 e 24 em 1990. Nos anos seguintes, a curva seguia para cima: foram 28 times em 1991 e 1992 e 30 em 1993. Com a reformulação das divisões paulistas, a primeira divisão de 1994 passou a ter, enfim, 16 participantes. Mesmo número de hoje.

Arquivo/Folhapress

São Paulo caiu ou não em 90?

Com os 24 times participantes em 1990, a primeira fase do Paulistão foi dividida em dois grupos. No Grupo I, estavam os 12 times que haviam passado para a segunda fase do Paulistão de 1989: Bragantino, Corinthians, Guarani, Inter de Limeira, Mogi Mirim, Novorizontino, Palmeiras, Portuguesa, Santos, São Paulo, São José e União São João. No Grupo II, estavam os 10 times que haviam sido eliminados na primeira fase de 1989 (América, Botafogo, Catanduvense, Ferroviária, Juventus, Noroeste, Santo André, São Bento, XV de Jaú e XV de Piracicaba), mais os dois times que haviam sido promovidos da Divisão Especial do ano anterior (Ituano e Ponte Preta).

Na primeira fase, os times fariam um turno contra os times da outra chave, depois outro turno dentro da própria chave. Passariam para a fase seguinte os três melhores de cada grupo, mais as seis outras melhores campanhas. No fim, dos 12 classificados, sete eram do Grupo I (com Bragantino e Novorizontino entre eles), enquanto cinco eram do Grupo II.

Os outros 12 times foram para uma repescagem, no qual eram divididos em duas chaves. Cada time jogaria em turno e returno com rivais dentro do próprio grupo; ao fim, o primeiro colocado de cada um dos grupos conseguiria vaga na terceira fase. Os outros dez formariam o Grupo Amarelo do Paulistão de 1991 (equivalente ao Grupo II de 1990).

No Grupo I da repescagem, o Botafogo ficou com a vaga, relegando São Paulo, Santo André, Ponte Preta, Inter de Limeira e Noroeste ao Grupo Amarelo de 1991. No Grupo II, a vaga ficou com o Guarani —pior para União São João, São Bento, Juventus, São José e Catanduvense. A estes dez, uniriam-se Olímpia, Rio Branco, Marília e Grêmio Sãocarlense (os quatro melhores times da Divisão Especial de 1990) para a formação do Grupo Amarelo de 1991, ainda na elite. Ou seja, apesar das confusões de regulamento que permitiam visões tortas, é falso que o São Paulo tenha sido rebaixado naquele ano. Prova disso é que foi campeão em 91.

ACERVO/Gazeta Press ACERVO/Gazeta Press

"Surpresa de 48h"

Na terceira fase, os 14 times classificados (12 da primeira fase e os dois da repescagem) foram divididos em dois grupos, e cada time jogaria em dois turnos dentro do próprio grupo. Os líderes de cada chave iriam para as finais.

A "Série Preta" tinha Botafogo, Bragantino, Corinthians, Ituano, Mogi Mirim, Santos e XV de Jaú. A "Série Vermelha" tinha América, Ferroviária, Guarani, Novorizontino, Palmeiras, Portuguesa e XV de Piracicaba. Neste momento, Corinthians e Palmeiras despontavam como principais candidatos às vagas das finais, mas sem folga da concorrência.

Até que veio a última rodada. Em 15 de agosto, pela Série Vermelha, o Palmeiras precisava vencer a Ferroviária no Pacaembu e torcer por um tropeço do Novorizontino contra a Portuguesa para conquistar a vaga. Não deu: o 0 a 0 no Pacaembu e o 1 a 1 no Canindé deram ao time de Novo Horizonte a vaga nas finais. Revoltada, parte da torcida palmeirense depredou a sede social do clube.

No dia seguinte, pela Série Preta, o Bragantino recebeu o Corinthians e precisava só de um empate. Terminou 0 a 0. Segundo o jornalista Celso Unzelte, a presença de Bragantino e Novorizontino nas finais do Paulistão de 1990 "foi uma grande surpresa dos últimos dias do campeonato". Na briga pelo título, um candidato incomum - o Bragantino —teria pela frente um ainda mais inesperado— o Novorizontino.

"Ninguém esperava a final. O Bragantino já era um time conhecido e respeitado desde 1989, quando tirou o Palmeiras do campeonato", lembra Unzelte, em referência à vitória do Braga por 3 a 0 na segunda fase do Paulista daquele ano, que levou o time do interior às semifinais e deixou o rival alviverde pelo caminho. "O Novorizontino estava em silêncio. Não se esperava isso", acrescenta o repórter.

Mas se o corintiano fez piada com a eliminação do Palmeiras em 1989, pagou um preço caro no ano seguinte. O Alvinegro teve a chance de levar a melhor sobre o Bragantino na terceira fase, mas não conseguiu: em 11 de julho, pela quarta rodada, o time de Zé Maria tomou empate no fim do segundo tempo, graças a um gol de Sílvio. "O Corinthians estava vencendo por 2 a 1 até os 45 do segundo tempo. O Mauro perdeu o terceiro gol aos 45, e o Bragantino empatou no contra-ataque", descreve Celso Unzelte.

No fim, segundo ele, o Bragantino x Novorizontino "foi uma surpresa de 48 horas". "Em condições normais e sem trauma, (a decisão) seria um Corinthians x Palmeiras", diz.

Reprodução

Como foram as finais

Nas finais, por ter melhor campanha, o Bragantino precisava empatar os dois jogos e a prorrogação da segunda partida para ficar com o título. O Novorizontino precisava de uma vitória e um empate para ficar com a taça.

A cidade de Novo Horizonte foi tomada pela euforia. Naquele dia 22 de agosto, a bola rolaria só às 21h35, mas o comércio fechou às 12h e o expediente bancário foi só até as 14h.

No Bragantino, o zagueiro Nei foi desfalque para a partida com uma fissura na fíbula. Para piorar, o médico Marco Aurélio Cunha precisou correr para recuperar seis jogadores para a final: Mário, Mazinho, Ivair, Mauro Silva, Tiba e Biro-Biro. "Os clubes que se classificaram da primeira fase tiveram que esperar a pausa da Copa do Mundo, então chegamos às finais no limite físico, com muitos jogadores desgastados, lesionados", conta Marcelo Martelotte.

Do lado do Tigre, Nelsinho Baptista fez mistério, mas um problema muscular na coxa tirou Márcio Santos do primeiro jogo.

Em campo, o Novorizontino saiu na frente com Edson, aos 41 minutos do primeiro tempo; mas Gil Baiano empatou aos 23 da etapa final.

O cenário se mostrava ruim para o Novorizontino. Além de empatar o jogo em casa, ainda perdeu Paulo Sérgio, expulso por agredir o meia Robert, para a decisão. Mesmo assim, Vanderlei Luxemburgo pedia calma. "O calor da torcida pode animar demais meus jogadores, e aí correremos sérios riscos", disse, segundo a Folha de S.Paulo de 24 de agosto. Na véspera do segundo jogo, com a delegação hospedada em Atibaia, o técnico usou um campo de futebol de botão para mostrar ao seus jogadores os "pontos vulneráveis" do Novorizontino.

Precisando vencer, o time visitante saiu na frente. Aos 21 minutos do segundo tempo, após escanteio cobrado por Robson pela esquerda, Fernando cabeceou para o chão, no canto Festa da torcida aurinegra, que exibia chapéus de palha na arquibancada.

Mas a festa durou pouco. Aos 26, Tiba (aquele "abençoado" por Roberio de Ogum) recebeu de Mário na direita em velocidade, ganhou de Márcio Santos e bateu cruzado. A bola bateu na trave e entrou, fazendo um rugido explodir na torcida.

O Novorizontino pressionou e levou vantagem nos números (16 chutes a gol, contra dez, e 361 passes certos, contra 155), mas foi o Bragantino que conseguiu os resultados que precisava: dois empates no tempo regulamentar e um na prorrogação. Com a melhor campanha, o time de Bragança conquistou o Campeonato Paulista de 1990.

De Novo Horizonte à Copa

O Bragantino que foi campeão paulista naquele ano revelou nomes conhecidos do público. Mas o Novorizontino também não ficou atrás. Márcio Santos, por exemplo, já era observado pelo técnico da seleção brasileira, Paulo Roberto Falcão. Uma fisgada na coxa esquerda tirou o zagueiro do primeiro jogo da decisão. Recuperado, atuou no duelo decisivo, em Bragança Paulista, no dia 26 de agosto.

A baixa no jogo de ida, porém, não foi problema para Falcão: em 30 de agosto, ainda como atleta do Novorizontino, o zagueiro foi convocado para a defender a seleção brasileira. Em 12 de setembro, foi titular na derrota por 3 a 0 para a Espanha, em amistoso na cidade de Gijón.

Na época, passou a ser sondado em diversos clubes, do Bragantino ao Benfica. O Palmeiras também quis, mas não estava disposto a desembolsar US$ 1,2 milhão pelo passe e tentou, sem sucesso, um empréstimo até o final de 1990. Melhor para o Internacional, que pagou e levou.

O ataque do Novorizontino contava com Paulo Sérgio —que, assim como Márcio Santos, seria campeão da Copa do Mundo de 1994 com a seleção, acompanhados por Mauro Silva. Revelado pelo Corinthians, chegou a Novo Horizonte no final de 1989 como moeda de troca: para vender o atacante Fabinho à equipe paulistana, a diretoria aurinegra pediu o empréstimo de Paulo Sérgio por um ano.

Mark Leech/Offside/Getty Images Mark Leech/Offside/Getty Images

"Fiquei muito triste com a notícia, pois acreditava —erroneamente- que não teria a mesma projeção. Além disso, tinha de me mudar para outra cidade, a aproximadamente quatro horas e meia de distância de casa. A perspectiva não era animadora, mas não havia nada que eu pudesse fazer", conta Paulo Sérgio em sua autobiografia, "Transformado para vencer".

"Mesmo tendo sofrido aquele baque, eu ainda mantinha ares de orgulho. Cheguei ao Novorizontino achando que era o máximo, pois vinha de um clube de grande projeção nacional. Quebrei a cara! Minha atuação foi péssima e quase me devolveram ao Corinthians, em função dos maus resultados que obtive na fase inicial."

Nessa hora, duas pessoas tiveram influência direta na evolução do atacante: Nelsinho Baptista e Odair Patriarca. O treinador destacou o potencial do atacante, mas pediu foco. O segundo, lateral-direito e cristão fervoroso, levou o companheiro para reuniões religiosas que os atletas faziam na garagem da casa do treinador.

"De jogador desacreditado, passei a ser respeitado. Ao término do empréstimo, ninguém queria que eu deixasse o Novorizontino", conta Paulo Sèrgio. Cotado no Palmeiras, o atacante voltou ao Corinthians depois que Nelsinho também foi para o Parque São Jorge. Em 1993, foi negociado com o Bayer Leverkusen.

O time ainda contava com outros nomes que se destacaram entre os principais times de São Paulo e do Brasil. Casos, por exemplo, do goleiro Maurício (que depois passou por Santos, Corinthians e Fluminense, entre outras equipes) e o volante Luís Carlos Goiano (campeão da Libertadores de 1993 com o São Paulo e de 1995 com o Grêmio).

Ari Ferreira

Renascimento

Pela terceira rodada do Campeonato Paulista de 2020, no dia 30 de janeiro, Grêmio Novorizontino e Red Bull Bragantino se enfrentaram no Estádio Dr. Jorge Ismael de Biasi e ficaram no empate em 0 a 0.

Em 2020, os dois clubes guardam poucas semelhanças com os times que disputaram a final caipira há três décadas. A começar pelo Novorizontino, que nem é o mesmo clube daquela época. Literalmente.

Presente na Primeira Divisão paulista entre 1986 e 1996, o Grêmio Esportivo Novorizontino ainda disputou a Série A-2 do Campeonato Paulista em 1997 e 1998. Repassado à família Chedid e endividado, licenciou-se dos gramados em 1999, fechou as portas e nunca mais voltou. Mas a população de Novo Horizonte não deixou de gostar de futebol ou do clube. Diversos projetos de retomada foram cogitados nos anos seguintes. Até que dirigentes locais se animaram com o futebol amador e abraçaram uma nova nova equipe: o Grêmio Novorizontino, fundado em 11 de março de 2001, registrado na FPF em 1º de março de 2010 e participante de competições profissionais da entidade desde 2012.

Desde 2016, o clube disputa a Série A1 do Campeonato Paulista. A diretoria, porém, evita falar sobre o antigo Novorizontino - justamente para dissociar o clube atual do antigo. O Grêmio Novorizontino tem nome, escudo e até hino diferentes do antigo Grêmio Esportivo Novorizontino, justamente para evitar qualquer associação. Mas as cores e o uniforme não enganam.

Em campo, a trajetória do Bragantino no Campeonato Paulista guarda certa semelhança com a do Novorizontino na década de 1990. Rebaixado em 1995, o clube disputou a Série A2 de 1996 a 2005. Conseguiu o acesso e disputou a elite entre 2006 e 2015. Promovido em 2017, está na Série A1 desde 2018.

Mas o clube passou por uma importante mudança recente. Depois de muito oscilar em divisões de acesso de São Paulo e do Brasil nos últimos 20 anos, o Bragantino abriu as portas para o investimento da Red Bull em 2019. Resultado: coadjuvante no Paulistão do ano passado, o Braga foi campeão da Série B do Brasileiro, já com o apoio da parceria. Em 2020, passou a se chamar Red Bull Bragantino.

É maravilhoso: o único clube do interior disputando um Campeonato Brasileiro. Já prestou atenção nisso? E o Bragantino marcou muito a história: bicampeão da Série B, campeão da Série C, vice-campeão brasileiro. É um clube do interior que sempre teve destaque, com muita luta. Era um desejo nosso buscar isso."

Marquinho Chedid, presidente de honra do clube.

Para o dirigente, a chegada da empresa austríaca permitiu ao Bragantino continuar formando e buscando talentos em 2020, mas podendo competir financeiramente com rivais —o que, admite, era mais fácil em 1990 do que nos últimos anos.

"O que nós implantamos em 1990 era possível, porque os níveis salariais eram baixos. Hoje não conseguimos fazer. Quem faz é a Red Bull, que faz o que fazíamos em 1990: buscar jogadores jovens com muito potencial. Na época, buscamos jogadores jovens do Fluminense, do Guarani, do Santos. O Vanderlei (Luxemburgo) ganhava o correspondente a R$ 2 mil."

Trinta anos depois, só três clubes que não formam o quarteto de ferro foram campeões. A única final fora do eixo foi em 2004, entre o São Caetano, de Muricy Ramalho, e o Paulista, de Zetti. A grandeza da final caipira só aumenta com o tempo.

Ricardo Matsukawa/UOL Ricardo Matsukawa/UOL

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