"Nenhum jogo vale uma vida"

Em entrevista exclusiva ao UOL, presidente da Fifa, Gianni Infantino, fala sobre o o futebol pós-pandemia

Jamil Chade Colaboração para o UOL, em Genebra (Suíça) Buda Mendes - FIFA/FIFA via Getty Images

Jamais em um tempo de paz a bola deixou de rolar. Mas diante de uma pandemia que está jogando o mundo a uma recessão profunda e acumulando mortes, até o futebol parou. Estádios foram transformados em hospitais, ligas foram suspensas, grandes eventos estão adiados e cartolas buscam de forma desesperada uma equação que os permita fechar as contas até o final do ano.

No topo do comando do futebol, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, sabe da ameaça que o esporte enfrenta.

Em entrevista exclusiva ao UOL, o suíço revela que sua instituição já trabalha na possibilidade de criar um fundo que saia ao socorro do futebol, num momento pós-pandemia. Mas ele também defende que o momento seja utilizado para repensar o esporte — seu calendário, seus torneios e suas regras.

Quanto ao retorno aos campos, Infantino é cauteloso. "Seria mais do que irresponsável obrigar as competições a recomeçar se as coisas não estiverem 100% seguras", afirmou.

Eis os principais trechos da entrevista do cartola que, nas últimas semanas, se aproximou da Organização Mundial da Saúde e lançou campanhas de conscientização.

Buda Mendes - FIFA/FIFA via Getty Images
Lukas Schulze - UEFA/UEFA via Getty Images Lukas Schulze - UEFA/UEFA via Getty Images

"Seria irresponsável obrigar as competições a recomeçar"

UOL - A pandemia parou o futebol pela primeira vez em décadas. Será este o momento de repensar o esporte e o seu caminho a partir de agora?

Gianni Infantino - Neste momento, temos três coisas na nossa mente, por ordem de prioridade. Primeiro a saúde, em seguida, ajudar a comunidade futebolística nesta hora de necessidade e também pensar no futuro sobre a forma de sairmos juntos desta situação melhor do que antes. De uma forma estratégica e unida. Em harmonia e escutando as ideias de todos.

Não consigo dizer isto o suficiente. Nenhum jogo, nenhuma competição, nenhuma liga vale a pena arriscar uma única vida humana. Todos no mundo deveriam ter isto bem claro. Temos de aprender com isso. Seria mais do que irresponsável obrigar as competições a recomeçar, se as coisas não estiverem 100% seguras. Se tivermos de esperar um pouco mais, temos de fazer. É melhor esperar um pouco mais do que correr riscos.

Por isso, ouçamos o que as autoridades sanitárias têm a dizer. Ouçamos os peritos. Vamos trabalhar em estreita colaboração com eles e seguir sempre as suas orientações e conselhos. Depois disto, a nossa prioridade deverá ser, e estamos a trabalhar nisso, a forma de ajudar a comunidade futebolística nesta hora de necessidade, em que o impacto financeiro desta crise terá enormes repercussões.

E como terceira prioridade — como a vida desacelerou, como esta crise nos mostrou como somos frágeis — também podemos usar este momento para refletir e pensar no futuro. Sobre como podemos sair disto juntos melhor do que antes. De uma forma estratégica e unida. Em consulta, onde ouvimos as ideias de todos.

O que o sr. prevê para o mundo do futebol pós-pandemia? Menos torneios, calendário internacional diferente?

Por simples respeito pelas pessoas que sofrem, porque estão doentes ou porque perderam entes queridos ou porque enfrentam outros problemas tremendos, não devemos estar tentando recomeçar o futebol amanhã ou depois de amanhã ou concentrar a nossa atenção nos detalhes.

Isto não significa que não devamos pensar no futuro. É também nossa responsabilidade como administradores do futebol fazê-lo. Penso que vale a pena fazer uma análise estratégica e isto não só por causa da pandemia. Penso que já deveríamos ter feito este esforço coletivo antes mesmo. Mas agora talvez as pessoas estejam mais disponíveis para falar sobre o assunto.

Para o futuro, pouco antes de esta se tornar uma crise mundial, eu tinha exposto a minha visão para os próximos anos.

A primeira proposta que faço de 44 que existem é a seguinte: o calendário de jogos internacionais desempenha um papel central no crescimento sustentável do futebol em todas as regiões do mundo e a todos os níveis. Por esta razão, o sistema atual deveria, de uma vez por todas, ser discutido exaustivamente com todas as partes interessadas e revisto de acordo com as suas necessidades, num esforço coletivo para garantir uma abordagem verdadeiramente global.

Também afirmei recentemente no congresso da UEFA: "Temos de nos fazer muitas perguntas que talvez tenhamos evitado fazer no passado. Quantos jogos pode um jogador jogar num ano? Quantas competições temos? Quantas competições devemos ter? Que tipo de competições precisamos para o futuro? Jogamos demasiado ou não jogamos o suficiente, talvez, em algumas partes do mundo? E temos de compreender que o calendário de jogos internacional é um calendário de jogos global que tem de ter em conta muitas questões, como, evidentemente, o clima e a geografia".

Fiz estas perguntas. Não significa que eu tenha todas as respostas, mas acho que vale a pena pensar nisso. Não por causa do surto da doença Covid-19. Mas porque o devíamos estar a fazer de qualquer forma antes.

AP Photo/Pavel Golovkin AP Photo/Pavel Golovkin

Fifa admite ajuda financeira ao futebol em crise

Muitos clubes estão em grandes dificuldades financeiras devido à pandemia. Qual é a sua visão para um futebol mais forte para o mundo pós-pandémico? Estávamos num mundo frágil de futebol, o que simplesmente se tornou evidente?

Se o futebol conseguir ter uma discussão em que todos contribuam positivamente e tendo em conta o interesse global sobre o individual, estou convencido de que podemos ter um futuro melhor e de que estaremos mais bem preparados para os tempos que se avizinham.

Não se trata aqui de a FIFA querer ganhar mais dinheiro ou ter mais poder. A FIFA é uma associação de associações sem fins lucrativos e as nossas receitas estão lá para investir no futebol e para ajudar, se necessário. Como estamos vendo agora, infelizmente.

O que está em causa é tentar fazer um futebol melhor. Mais transparente, mais interessante se possível, num ecossistema mais saudável onde sabemos quem é o dono dos clubes, quanto é que os intermediários fazem nas transferências, onde uma percentagem dessas transferências (algumas delas de muitos milhões) também vai para a mecânica da solidariedade para chegar aos clubes que treinaram os talentos e, assim, injetar dinheiro de volta com base no futebol.

O futebol vai precisar de um pacote de resgate?

Estamos realizando uma avaliação do impacto econômico do Covid -19 em conjunto com as partes interessadas nos diferentes territórios do mundo, precisamente para que haja uma base clara, transparente e objetiva a partir da qual começamos a criar um fundo de ajuda de emergência.

A FIFA tem uma situação financeira sólida. Dispomos de reservas e de credibilidade nos mercados. Mas as reservas não são dinheiro da FIFA. São dinheiro do futebol. Portanto, quando o futebol está precisando, temos de pensar no que podemos fazer para ajudar. É uma responsabilidade nossa. É precisamente por isso que as reservas existem. E por isso estamos estudando a criação de um fundo de apoio específico em conjunto com as nossas partes interessadas. Por exemplo, cada confederação designou um representante para ser informado e participar nos debates.

O objetivo é dispor de um fundo que possa ter uma estrutura de governança independente. Isto reforçará uma abordagem profissional e orientada para a solução que seja adequada ao fim a que se destina. Isto significa que o mundo saberá para onde vai o dinheiro e, o que é igualmente importante, por que razão o dinheiro vai para lá.

Alexander Hassenstein - UEFA/UEFA via Getty Images Alexander Hassenstein - UEFA/UEFA via Getty Images

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