'Como aquilo era bom'

Felipão lembra histórias do grupo do Palmeiras vice mundial em 1999: 'Não mentiam para mim'

Diego Iwata Lima Do UOL, em Abu Dhabi (EAU) Shaun Botterill /Allsport

Assim como Abel Ferreira, Luiz Felipe Scolari também não nasceu palmeirense. Mas não são necessários nem cinco minutos de conversa para perceber como Felipão, um dos maiores técnicos do Palmeiras e do futebol brasileiro, tem o Alviverde nas veias. Só que nem sempre foi assim. Pelo contrário.

Tanto que quando o Palmeiras foi buscá-lo na cidade de Iwata, no Japão, onde dirigia o Jubilo, a surpresa em sua casa foi enorme. "Já estávamos adaptados no Japão, mesmo que vivendo lá há sete meses, e o Jubilo tava montado, tinha o Adilson (Batista) na zaga, o Dunga, o Mabília, além da comissão", relembrou Scolari ao UOL Esporte.

Para o Palmeiras, também era um movimento ousado. O Grêmio de Felipão havia sido inimigo em batalhas famosas entre 1995 e 96, quando o procuraram em 1997. Mas o objetivo da co-gestão era claro: Palmeiras e Parmalat queriam simplesmente o mundo. Para tanto, antes era preciso conquistar a América. E esse caminho, Scolari conhecia.

"Eu e minha família começamos a discutir. 'Vamos? Vale a pena?'. Com o Palmeiras, era uma briga por jogo quando a gente se enfrentava. Até que, em determinado momento, eu disse: 'Vou fazer a proposta e falar com o Paulo Russo [diretor esportivo da Parmalat]. Se fosse isso, se aceitassem, 'volto para o Brasil'. Se não, terminaria o assunto ali mesmo'", conta.

"Quando conversamos, aceitaram tudo. Já mandaram uma pessoa lá para pagar multa, falar com os japoneses. Eu tinha e tenho um bom relacionamento com o presidente. Expliquei a ele o que significava voltar e voltar para o Palmeiras. E saí numa boa com eles."

Shaun Botterill /Allsport

O Palmeiras tem essa coisa italiana, aquele sangue quente? Meu Deus, isso sou eu. Tivemos problemas com o Palmeiras, de sair, voltar, mas eu nunca mais deixei de gostar do Palmeiras e o Palmeiras também nunca mais deixou de gostar de mim."

Felipão, de vilão lá atrás a ídolo palmeirense

O Allianz Parque é maravilhoso, mas nessa última passagem eu falava para todo mundo que sentia muita falta do nosso Parque Antárctica. Ah, meu Deus do céu, como aquilo era bom. Eu acho que tenho essa identificação com o Palmeiras por causa disso."

Felipão, talvez com saudade da "Turma do Amendoim"?

Jorge Araújo/Folhapress

Preparação dentro e fora de campo

A conquista da Libertadores de 1999 e a classificação para o Mundial começaram já em 1997. Ali, iniciou-se a montagem da base que venceria dois torneios de mata-mata no ano seguinte —Copa do Brasil e Mercosul—, laboratórios para a Libertadores.

"Quando chegamos em 99, tínhamos uma equipe muito preparada, organizada para ganhar a Libertadores e o Mundial. A gente preparou aquele time por um ano e pouco, e eles entenderam isso", diz.

Era uma equipe forte no campo e também na noite paulistana. E Felipão sabia disso, nunca foi um segredo.

Eu tive a alegria de trabalhar com esse pessoal sabedor de que eles iam para o Terra Brasil [antiga balada paulistana]. Eles não me escondiam. Às vezes, chegavam e pediam: 'Hoje podemos fazer um trabalho diferente? Porque ontem foi assim e assim'. Tínhamos uma amizade tão grande que eu confiava. Eu sabia que eles faziam uma coisa ou outra além do normal, eles não me escondiam. A pior coisa é esconder, porque o técnico sabe."

Por isso, Felipão diz que foi tranquilo trabalhar a concentração do grupo, mesmo com seis meses de distância entre a conquista da Libertadores, que terminou em 16 de junho, e o Mundial, em 30 de novembro.

Podia até ser difícil no extracampo, mas eles não me enganavam. Fora isso, queriam muito conquistar aquele Mundial. As coisas davam certo."

Felipão

Por muito tempo, pensei se havia feito certo em aceitar sair do Jubilo para o Palmeiras. E estava, não tenho qualquer dúvida.'

Ele de novo

Eduardo Knapp/Folha Imagem

Uma conexão entre Asprilla e Paulo Nunes

Para o Mundial, Felipão ganhou o inusitado reforço de um astro do futebol internacional. Ele ainda não era o mesmo do começo dos anos 90. Mas o colombiano Faustino Asprilla de fato reforçou aquele elenco que já era estrelado. Mas ninguém entendeu nada quando ele foi oferecido ao técnico: "Foi uma situação totalmente estranha".

Disse que não queria, porque as informações que tínhamos dele não eram nada boas. Ele ainda chegou de bermuda e de chinelo, com um carro maluco, falando aquele espanhol bem alegre."

"Mas da chegada em diante vimos que ele era um cara completamente diferente do que falavam. No futebol, nos treinamentos, nos trabalhos com o grupo. E aí eu vi que tinha errado na avaliação, assim como fiz com o Paulo Nunes no Grêmio", conta Felipão.

"Quando o [ex-presidente do Grêmio] Fabio Koff disse que ele vinha, eu falei que não queria nem ver, que podiam devolver. Ele [Paulo Nunes] também desceu em Porto Alegre de chinelo, camisa colorida, e depois virou meu jogador de confiança", diz o técnico, que teria ainda mais duas passagens pelo clube mais de uma década depois.

De 2010 a 2012, numa fase difícil, conquistou uma Copa do Brasil, mas foi demitido em meio a uma campanha que resultou em rebaixamento no Brasileirão. Depois voltou em 2018 para ser campeão do Brasileiro e se despedir em 2019.

Evelson de Freitas/Folhapress Evelson de Freitas/Folhapress
Kimimasa Mayama/Reuters

Manchester United 1 x 0 Palmeiras

Data: 30 de novembro de 1999

Estádio: Olímpico de Tóquio

Árbitro: Helmut Krug (ALE)

Público: 53.372 espectadores

Gol: Roy Kean (MUN), 35min do 1ºt

Manchester United: Mark Bosnich, Gary Neville, Dennis Irwin, Jaap Stam e Mikael Silvestre; Roy Keane, Nicky Butt; David Beckham, Paul Scholes (Teddy Sheringham) e Ryan Giggs; Ole Gunnar Solskjaer (Dwight Yorke). Técnico: Alex Ferguson.

Palmeiras: Marcos, Arce, Júnior Baiano, Roque Júnior e Júnior; César Sampaio, Galeano (Evair), Zinho e Alex; Asprilla (Oséas) e Paulo Nunes (Euller). Técnico: Luiz Felipe Scolari.

O gol deles foi estranho ,porque a jogada que nascia ali na esquerda deles, com o Giggs, era uma jogada em que a bola vinha baixa no primeiro poste, estava tudo mapeado pela gente. Mas ele cruzou no segundo poste, e o Marcos saiu para o primeiro, como combinado. Havia muito vento e a bola viajou e caiu no segundo poste", lamenta o técnico.

Felipão, relembrando um lance histórico e doloroso para os palmeirenses

Shaun Botterill/Allsport Shaun Botterill/Allsport

"O Palmeiras jogou muito, fez aquilo que deveria ser feito"

Os dias que antecederam a viagem do Palmeiras para o Japão, em 1999, na decisão contra o Manchester United, foram de enorme ansiedade.

"Eu já tinha vivido uma experiência com o Grêmio, em 1995, e já conhecia o Japão do meu tempo no Jubilo Iwata. Mas eu estava indo jogar uma decisão, e tu ficas naquela ansiedade, na angústia de chegar e jogar. Porque tu imaginas ser campeão com o grupo. É algo emblemático, porque pode ser a única oportunidade da vida de disputar esse campeonato", diz Felipão.

"Mas quando você chega no país da disputa, isso passa, porque você vive o ambiente do jogo, porque tem que trabalhar com os momentos, vivenciar a partida na cabeça, e aquilo vai te tomando tempo de pensar em qualquer coisa que não os detalhes do jogo", diz. "Íamos ter um jogo com uma equipe espetacular. Eram sete ou oito jogadores de seleção e exponenciais da Inglaterra."

Para boa parte das pessoas que assistiram ao jogo, mesmo na Inglaterra, o Palmeiras foi melhor naquele dia. Felipão concorda: "Tínhamos estudado muito bem, por isso que acredito que até fomos melhores. Mas o Manchester soube aproveitar uma das duas ou três bolas que teve para fazer o gol", diz.

A arbitragem foi muito criticada, anulando gols legais do Palmeiras e deixando que os ingleses abusassem de jogo violento. "O Palmeiras saiu de cabeça erguida, mas não podíamos fazer nada com a arbitragem. O Palmeiras jogou muito, fez aquilo que deveria ser feito contra o Manchester, só não conseguiu fazer o gol validado", diz

Shaun Botterill /Allsport Shaun Botterill /Allsport
Darren Walsh/Chelsea FC via Getty Images

Felipão disse para o (amigo!?) Ferguson que o Palmeiras jogou melhor

Felipão voltou do Japão sem o troféu, mas começou ali uma amizade que dura até os dias de hoje com o lendário Alex Ferguson, que comandou o Manchester por mais de duas décadas e naquele jogo de 1999. Eles se encontrariam anos mais tarde na Europa, com um assunto CR7 em comum, e até mesmo na Inglaterra, quando Felipão dirigiu o Chelsea.

"A amizade começou principalmente na época em que estive na seleção portuguesa, naqueles seis anos [2003 a 2008]", conta ele. "A gente se falava quase mensalmente, porque o Cristiano Ronaldo tinha saído do Sporting para o Manchester e, às vezes, eu precisava do Ronaldo antes, ou ele queria que eu o liberasse mais cedo, por exemplo", conta. "Nós nos ajudávamos muito."

"Depois, quando eu fui para o Chelsea [2008/09], a gente se enfrentou e nos demos muito bem. Após um empate no Stamford Bridge, fomos tomar um vinho no vestiário mesmo, como é normal por lá.."

Ele me disse: 'Esse seu vinho é muito melhor que o do [José] Mourinho, que só me dava vinho ruim'."

Apesar da derrota no Japão, as lembranças que Scolari tem do escocês são muito boas. Eles inclusive falaram algumas vezes sobre aquele confronto de 1999. "Comentamos bastante sobre o jogo, sobre os jogadores que a gente tinha nos nossos times naquele tempo", conta. "E eu falei que o Palmeiras jogou melhor. Ele fazia meio que uma careta e falava 'mais ou menos, mais ou menos'", conta Felipão, aos risos. "Mas ele mesmo falou que, no gol deles, não era aquilo que era para acontecer."

Cesar Greco

De Felipão para Abel

Felipão admite: ele olha para Abel Ferreira e vê um pouco de si. Conta, inclusive, que às vezes fala com o técnico e até o aconselhou a ser "menos":

Você está muito parecido comigo, diminui isso."

"O Abel está fazendo um trabalho maravilhoso. Eu noto, é bonito. Os jogadores se identificam com o sistema dele. Compraram a ideia, cumprem aquilo, e se não dá certo, eles se abraçam juntos na derrota. Mas vão sempre juntos pela vitória, e isso é bonito de ver", diz.

"Se tem que sofrer, vamos sofrer. É isso que estou vendo que Abel consegue fazer com o time", conta Felipão, que faz um alerta: "Não vai ser fácil passar por Monterrey e Al Hilal. O Palmeiras vai ter que jogar muito bem."

Phil Cole/Getty Images

Qual camisa pesa mais: a verde ou a azul?

Primeiro o Palmeiras assiste ao jogo entre Monterrey, do México, e o Al-Ahly, do Egito. Felipão sabe que o Palmeiras primeiro tem de resolver sua semifinal antes de se concentrar na decisão. Mas ele não se esquiva de uma projeção para o embate de dois times que já dirigiu.

""Não vai ser fácil passar por Monterrey ou Al-Ahly. Vai ter de jogar muito bem. Se passar, aí é uma final, contra o Chelsea, se os ingleses passarem. O Palmeiras tem condições de jogar. E acho que se chegar à final vai fazer um bom jogo", diz o treinador, dos raros brasileiros a dirigir um clube de ponta da Europa. Justamente, neste caso, os "Azuis" de Londres.

Felipão pensa que parte dessa possibilidade de vitória tem a ver com o peso da camisa do Palmeiras. "Neste momento, eu acho que [as camisas] se equilibram, porque o Chelsea vem num crescente absurdo em anos recentes. Mas se você pegar a história como um todo, a balança pende mais para o lado do Palmeiras historicamente", afirma.

Respeito o Chelsea, trabalhei lá. Mas se passarem os dois, o Palmeiras vai jogar bonitinho, vai ser equilibrado, e se o Palmeiras tem duas a três chances, como cria em jogos da Libertadores, eu acredito no nosso Verdão."

Em sua galeria, o Palmeiras ostenta 14 troféus, entre campeonatos e copas, desde 1960, sem contar os estaduais. Também soma três Libertadores. Já o Chelsea apresenta apresenta os mesmos 14 troféus desde 1954, sem incluir as Copas da Liga —torneio que não encontra equivalente no Brasil. De Champions League, foram duas.

Fernando Donasci/UOL Fernando Donasci/UOL

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