A reconstrução de Régis

Ex-São Paulo busca nova fase em time da Série D após problemas com drogas e álcool

Yago Rudá Colaboração para o UOL, em São Paulo Bruno Kelly/UOL

Em abril de 2018, Régis, então com 28 anos, vivia um de seus melhores momentos na carreira. Na primeira rodada do Campeonato Brasileiro, o jogador foi protagonista de um lance plástico no Morumbi ao dar um chapéu seguido de uma caneta em um defensor do Paraná. A imagem rodou o noticiário e foi amplamente compartilhada nas redes sociais. Era o início promissor de sua passagem pelo São Paulo. Mas o sonho se transformou em pesadelo por conta dos erros cometidos fora de campo. Hoje, o objetivo é de reconstrução.

Pouco meses depois daquela noite, Régis foi afastado por causa do vício em bebidas alcoólicas e o contato com a cocaína e, aconselhado a buscar uma clínica especializada em recuperação de dependentes químicos. Ele ainda retomou ao time titular naquela edição do Brasileirão. Contudo, uma recaída — em outubro do mesmo ano — lhe rendeu a rescisão do contrato de trabalho. Daí em diante, rodou por alguns times menores e chegou à Série D do futebol brasileiro.

Agora, aos 31 anos, o jogador ainda trabalha para superar os problemas com álcool e drogas e reconquistar seu espaço no cenário nacional. No fim de novembro, Régis assinou com o Fast, do Amazonas, e é um dos destaques da equipe, inclusive fazendo gols em jogos decisivos e sendo determinante para a classificação para as quartas de final da competição. Se avançar para as semis, o Fast irá para a Série C.

Atualmente, ele mora em Manaus, em uma casa com outros atletas do clube, e se apoia no convívio diário com os companheiros de time, no carinho dos familiares e na religião para tentar se manter longe dos fantasmas do passado. O atleta não frequenta clínicas de reabilitação, como já fez em passagens por outros clubes. Em entrevista ao UOL Esporte, o jogador contou detalhes de sua nova fase, falou sobre sua ambição de voltar a atuar por um gigante do futebol brasileiro e demonstrou vontade em exercer trabalho voluntário para ajudar pessoas que passam por dramas parecidos.

Espero que as pessoas olhem para mim como um atleta que não desistiu e que venceu. Espero conseguir transmitir essa mensagem. O Régis tem sido efetivo, tem sido uma pessoa real".

Bruno Kelly/UOL
Bruno Kelly

Vida em Manaus

O contrato de Régis com o São Paulo foi rescindido no segundo semestre de 2018. De lá para cá, o jogador rodou por CSA (AL), São Bento (SP), Juventus (SC), Gama (DF) e União Cacoalense (RO), mas foi em Manaus que encontrou um lugar para estabelecer raízes e iniciar seu plano de reconstrução. A rotina em um clube da Série D é bem diferente daquela vivida no passado, mas isso parece importar pouco para o jogador.

Junto com o restante do elenco, Régis trabalha para colocar o Fast na Série C do Brasileirão e garantir um calendário mais robusto ao clube amazonense na próxima temporada. Mesmo longe dos holofotes, o meia-atacante leva o trabalho — quase sempre em dois períodos —como se estivesse vestindo a amarelinha nos treinos com o técnico Tite na Granja Comary.

"Tenho que pensar passo a passo. Hoje, a minha seleção brasileira é o Fast. É o clube que me dará condição de alcançar uma coisa maior. A ideia é conseguirmos o acesso, quem sabe o título, e expandir para um mercado maior", explica o jogador.

Natural de Brasília, região marcada pelo bioma do Cerrado, o jogador tem aproveitado a vida em úmida e quente Manaus. Além das relações na casa compartilhada com companheiros vindos de outros estados, Régis busca desfrutar as peculiaridades da região amazônica e da rica gastronomia local.

Manaus é uma cidade com muita natureza. Estamos no coração do Brasil. Tem sido importante conhecer comidas diferentes, novos pratos. Estou entendendo um pouco mais sobre a Amazônia. Tudo isso te ajuda a expandir a visão".

Régis, sobre nova fase na capital do Amazonas

Foco no futuro: voltar a atuar por times grandes

Aos 31 anos, o jogador sabe que tem lenha para queimar e pode demonstrar seu futebol em outros palcos do país. Para isso, fala em criar raízes e voltar a ser relevante dentro de uma mesma equipe.

"Preciso evitar essas constantes mudanças de clube porque a gente sabe que isso não ajuda. Um atleta precisa ter sequência de jogos, independentemente do clube, e ter uma rotina. Tudo isso será levado em conta para que eu consiga alcançar meus projetos futuros. No momento, a minha ideia é essa sequência e conseguir realmente me firmar em algum lugar".

O objetivo no médio e longo prazo é voltar a vestir a camisa de um clube do sudeste. Afinal, foi seu elogiado desempenho no São Bento, de Sorocaba, ainda nas temporadas 2016 e 2017, que fez despertar o interesse do São Paulo no seu futebol. Depois — por que não? — um contrato com um dos grandes clubes do cenário nacional seria a cereja do bolo para alguém que trabalha na reconstrução de sua imagem.

"Todos nós sabemos que o eixo Rio-São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas têm uma outra visibilidade. Minha carreira foi construída dentro do estado de São Paulo. Enfim, realizando um bom trabalho, entrando nesse eixo de maior visibilidade, eu acredito que as chances de retornar para uma grande equipe são bem maiores".

Bruno Kelly/UOL

Arrependimentos: "Faltou maturidade"

Régis não esconde que os problemas com álcool e drogas foram determinantes para a queda brusca em sua carreira. O jogador foi protagonista de episódios negativos enquanto tinha contratos com São Paulo, CSA e São Bento de Sorocaba, e chegou até mesmo a até ser preso por problemas relacionados ao vício.

Me arrependo de não ter administrado mentalmente minha vida, minha carreira. Não costumo fugir das questões, mas eu acho que poderia ter me cuidado mais para ter uma sequência melhor na minha carreira".

Segundo o próprio Régis, lhe faltou maturidade para lidar com a exposição na mídia, o sucesso profissional e altos salários. As consequências foram pesadas para quem sonhava em defender a seleção brasileira.

"Não geri bem minha vida extracampo. Hoje não existe mais o jogador de futebol, hoje o termo é atleta. Você precisa estar voltado ao clube e cuidar da sua vida. Tem a questão da exposição na internet, e sua vida particular precisa ser preservada. Infelizmente, não tive a maturidade suficiente para administrar isso de uma forma mais saudável. Isso fez eu deixar a Série A e uma possível convocação para a seleção brasileira para jogar uma Série D".

AGUSTIN MARCARIAN/REUTERS AGUSTIN MARCARIAN/REUTERS

A aposta do São Paulo

Com a camisa do São Paulo, em 2018, sob o comando do uruguaio Diego Aguirre, o atleta viveu o melhor momento da sua carreira. Naquele ano, o Tricolor chegou a liderar o Campeonato Brasileiro em algumas rodadas e a sonhar com o título nacional. Segundo Régis, a diretoria do clube já monitorava os jogos dele pelo São Bento e sabia dos seus problemas extracampo antes de contratá-lo. Foi uma aposta de ambos os lados: o Tricolor ofereceu ajuda e colocou todos os seus profissionais à disposição do lateral, mas a contrapartida era clara: resultados.

"O São Paulo sabia dos meus problemas. Eles sabiam e vinham me acompanhando por mais de um ano. Eu estava bem, tendo sequência e eles sabiam. Foi uma aposta. No primeiro momento, eles se assustaram, isso quando houve o primeiro episódio e eu fui afastado. Eles se propuseram a me ajudar de uma forma profissional. Mas a gente sabe que futebol é resultado e não tem tempo para você ficar esperando por um atleta A, B ou C. Então, chegou um determinado momento que o São Paulo precisou agir e eu entendi", diz Régis.

Nos bastidores, o São Paulo optou em preservar a figura do atleta, sobretudo após o relato do consumo de cocaína e a recaída na luta contra o vício do álcool. A diretoria não expôs o jogador à imprensa, mas o afastou sob a alegação de "problemas pessoais". Na visão de Régis, o problema poderia ter sido tratado de uma forma mais humana, mas afirma não ter qualquer tipo de rancor com o clube.

"Infelizmente, quando aconteceu o segundo episódio e eu fui afastado, a desconfiança foi geral. Mesmo assim, eles apostaram porque sabiam do meu potencial, sabiam da minha pessoa. Eles sempre se identificaram com a minha pessoa, sempre foi um cara de bons relacionamentos. Eu nunca trouxe problema de relação para o elenco e sempre fui muito honesto com os atletas. Obviamente que havia desconfiança, mas sempre me respeitaram", reitera o hoje atleta do Fast, demonstrando carinho com o clube do Morumbi.

Em um momento que eu precisei, eles [São Paulo] foram muito profissionais e deixaram um pouco do lado humano de lado. Eu também respeito porque, querendo ou não, é uma empresa".

Régis, sobre forma como São Paulo tratou seus problemas extracampo

Bruno Kelly/UOL

O primeiro contato com as drogas

A fama, o dinheiro, o reconhecimento, a exposição pública e as oportunidades são algumas das facilidades do mundo do futebol que geram consequências graves, e foi assim que Régis teve acesso às drogas. O jogador explica que o primeiro contato com o álcool e com a cocaína, assim como o consequente abuso de ambas as substâncias, aconteceu por intermédio de 'pessoas ligadas ao futebol'.

"Foi durante a minha carreira. Lógico que eu não vou falar o ano, o momento e o local porque essas coisas não vêm ao caso. O futebol é um mundo de facilidades [fama, dinheiro, exposição etc]. E cada um na sua área. A minha foi a área da bebida. Mas tem outro que gasta com carro, com mulheres. Por isso que eu falo que o meu arrependimento foi não saber administrar as minhas emoções nos processos das minhas conquistas. Esse é o maior desafio do atleta: administrar o bom momento".

Segundo Régis, a exposição nas redes sociais foi um agravante para a luta contra o vício. Por ser uma figura pública, o jogador de futebol acaba ficando em evidência e é preciso saber lidar com as informações compartilhadas na internet.

"A mídia, a internet e o celular te colocam em uma situação de exposição muito ruim dependendo da maneira como você vive. A minha vinda para Manaus é para realmente ficar um pouco mais tranquilo. Tenho procurado me blindar. Lógico que eu espero que essa imagem do Régis sendo um cara polêmico acabe o quanto antes. Meu desejo é que você me procure para fazer uma matéria só de futebol".

Os seres humanos têm vícios e fragilidades. Tem pessoas que vão te olhar de uma forma diferente dependendo do vício que você tenha. A pessoa que tem problemas com álcool e drogas é vista como um marginal".

Régis

As pessoas precisam olhar umas para as outras com um olhar humano. Estamos vivendo uma pandemia. Vejo uma mobilização muito grande para o combate ao coronavírus, mas não vejo as pessoas olhando para quem tem problemas com álcool e drogas".

Régis

Bruno Kelly/UOL Bruno Kelly/UOL

Futebol como instrumento social

Se o objetivo no futebol passa por conquistar bons resultados pelo Fast e voltar a atuar em um grande clube do cenário nacional, Régis também traça planos para sua vida longe do esporte. Pai de um menino de nove anos, o jogador pretende dar o exemplo para o pequeno, e no futuro ajudar pessoas que enfrentam os mesmos problemas.

"Eu sou de Brasília, moro em uma região em que as pessoas têm uma baixa condição financeira e você acaba convivendo com esses tipos de problema. Eu estou em um processo de reconstrução. Reconstrução não só da minha imagem, mas também uma reconstrução pessoal. Isso é diário e vai me acompanhar para o resto da vida. Então, eu entendo que com o passar do tempo, na medida em que for me encontrando de fato, eu quero trabalhar, quero ter fundações para ajudar pessoas que passaram pelo mesmo problema que eu", afirma.

"Mais do que ser atleta, mais do que ser jogador de futebol e vestir a camisa de um grande clube, nós temos que entender que temos um papel importantíssimo para a sociedade. Nós, como atletas, temos uma influência muito grande. Crianças se espelham em nós, nos veem na televisão. É um momento de reflexão, de conscientização e eu espero no futuro exercer esse tipo de trabalho", conclui.

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