A primeira das contradições envolvendo a precoce morte de Adilson Miranda diz respeito ao meio de transporte que seria utilizado para vencer os aproximadamente 874 km entre Criciúma, em Santa Catarina, e São Paulo.

"Ele ligou para mim dizendo que estava a caminho. Ele tinha comprado as passagens para vir de avião com a namorada, mas na última hora, ela teria dito para fazer a viagem de carro", conta a irmã do jogador Seli Arida, atualmente com 72 anos. Segundo ela, o casal tinha intenção de filmar o trajeto e passar em Curitiba, na casa do amigo Cláudio Marques, com quem jogou no Corinthians e no Coritiba.

Mas Adilson também não parou em Curitiba, seguiu direto. "Ele me ligou antes de sair de Criciúma e disse: 'olha, estou saindo daqui'. Ele sempre parava aqui em Curitiba para que minha esposa o ajudasse a comprar presentes para levar para São Paulo", relembra Cláudio Marques.

O ex-jogador disse que aguardava ansioso a chegada do amigo, que havia combinado de apresentar a noiva e de pernoitar na casa dele, como fazia nas viagens entre o sul do país e São Paulo. A razão pela qual Adilson não cumpriu o combinado não foi explicada. O acidente aconteceu a dois quilômetros de Registro, quase na divisa com São Paulo, ou seja, 230 km depois de Curitiba.

Claudio Marques conta que no ano de 1980, a recessão econômica e falta de combustível nos postos obrigavam muitos motoristas a andar com galões extras de combustível dentro do carro, sobretudo em viagens longas, como a que faria Adilson Miranda.

"Ele deve ter se perdido, eu não sei o que aconteceu, tinha um pedaço de carroceria de caminhão, ele dever ter derrapado, bateu no caminhão, e o carro desceu a ribanceira e explodiu. Eu e minha mulher fomos ao local do acidente depois. Só tinha a carcaça do Puma, fibra de vidro e um galão de gasolina no carro que explodiu com eles dentro", conta Claudio.

A irmã Seli, que em meio aos destroços do acidente encontrou a correntinha de ouro que havia dado ao irmão, também diz ter dúvidas sobre como aconteceu a tragédia. "Disseram que foi um caminhão que jogou ele lá [na ribanceira]. Porque o carro estava no sentido contrário, não estava no sentido São Paulo. É como se o carro estivesse estacionado numa ribanceira, como se alguém tivesse colocado. Eu não sei se o caminhão bateu atrás dele, aí ele fez a curva e desceu a ribanceira."

Adilson Miranda começou a jogar futebol quando ainda era menino, no Centro da Coroa, tradicional clube de várzea, localizado na Vila Guilherme. Profissionalmente, foi revelado pelo São Bento de Sorocaba, em 1971, e teve passagens por Náutico-PE e Paysandu (PA), antes de chegar ao Corinthians, em 1975.

O ex-vizinho Marcos Junior Micheletti, jornalista do blog Terceiro Tempo, conta que os dois costumavam bater uma bolinha por cima do muro baixo que dividia as duas casas e que o jogador incentivava o sonho do então garoto de oito anos de seguir seus passos no futebol. O jornalista lembra que foi por cima desse muro que a mãe de Adilson contou aos vizinhos que o filho fechara contrato com o Corinthians, time do coração de toda a família, inclusive do jogador.

"Eu via a dona Yolanda gritar para a minha mãe: 'o Dinho [apelido de Adilson na família] vai jogar no Corinthians'. Ele tinha acabado de acertar. Adilson não tinha carro e quando ele chegou em São Paulo, meu pai levou ele ao primeiro treino no Parque São Jorge. Eu fui junto, devia ter uns oito anos", relembra Micheletti.

Meu maior orgulho foi vestir a camisa do Corinthians. Antes de encerrar minha carreira, voltarei a jogar pelo Timão."

Adilson Miranda

Sem espaço, se despediu do Corinthians em 1976, com destino ao Coritiba. Fora trocado pelo goleiro Jairo, em uma negociação que também envolveu seu amigo Claudio Marques e o goleiro Sérgio. A passagem pelo time parananse foi marcada pela conquista do estadual, mas também por desentendimentos com o técnico Chiquinho.

Claudio Marques conta que Adilson chegou a ser afastado do Coritiba e expulso do alojamento do clube, embaixo das arquibancadas do estádio Couto Pereira, onde morava. O então técnico Chiquinho teria ficado irritado porque Adilson, em uma entrevista à imprensa, reclamou que o esquema tático do treinador o teria deixado isolado na frente. Claudio, ao saber que o amigo estava sem lugar para morar, o convidou para sua casa e também foi punido.

"No outro dia, quando eu chego para treinar, eu estou afastado também. [Chiquinho falou:] 'Ah você deu morada pra ele, você está afastado. Você vai treinar às 2 horas da tarde junto com o Adilson'", conta Claudio.

Segundo Claudio, o preparador Gilberto Tim (1942-199) — que trabalhou com a seleção brasileira nas Copas de 1982 e 1986 — prometeu continuar a dar os treinos físicos à dupla e até conseguiu algumas "peladas" para que eles mantivessem a forma. E fez ainda melhor: conseguiu a transferência de Adilson para o Internacional, clube pelo qual teve a melhor fase da carreira.

Adilson desembarcou em Porto Alegre em 1978. Foi campeão gaúcho e doo Brasileiro no ano seguinte. Também participou da Libertadores de 1980, na qual o Inter foi vice-campeão, perdendo a final para o Nacional (URU). Na partida contra o Velez, na Argentina, válido pela segunda fase do torneio, marcou os três gols da vitória colorada por 3 a 1. Foi o melhor jogo da carreira.

A identificação foi imediata. "Ele enlouquecia nos Gre-Nais", declarou o amigo Falcão, ídolo do Inter e ex-jogador da Roma e da seleção Brasileira, ao jornalista Ruy Carlos Ostermann no livro "Meu Coração é Vermelho".

"Em Gre-nal ele detonava. Teve um jogo que o Ênio Andrade tinha deixado ele no banco e faltavam uns 10 minutos pra acabar o jogo. E o Ênio chamou o Adilson, que não deixava passar barato. Ele se aqueceu e foi para o jogo. Voltou para o banco e falou para o Ênio 'dez minutos, né chefe?'. Fez positivo para ele, ironizando. Ele entrou e fez o gol. O Beira-Rio gritando o nome dele", conta o jornalista Marcos Junior Micheletti.

Considerado um reserva de luxo do centroavante Bira, disputou 114 jogos com a camisa colorada, marcou 30 gols e foi artilheiro da Libertadores de 80.

Paulistano de nascimento, Adilson se adaptou bem à vida gaúcha, sobretudo à culinária. "O Adilson namorava com uma gaúcha [Rosangela Zanella] e se acostumou com o churrasco, se acostumou a comer aquele carreteiro gostoso que a gente comia. Ele gostava muito de Porto Alegre, adorava Porto Alegre mesmo", conta Valdomiro, ex-ponta-direita do Inter. Adilson se sentia tão em casa em Porto Alegre, que tinha planos de abrir uma churrascaria em sociedade com a noiva em Caraguatuba, onde a família dele tinha imóveis.

Outro plano do jogador, segundo seus amigos, era se casar com Rosangela, que era Miss Piscina do Internacional, no ano seguinte, mas a irmã dele não confirma. "Ele era muito reservado e tímido nessas situações. Na verdade, era mais a mulherada que dava em cima. Ele era muito elegante, muito educado e às vezes as mulheres confundem as coisas, mas ele tinha uma cabeça muito boa e no lugar. Ele era um homem muito bonito, de porte físico bem avantajado, tinha cabelos cacheados, olhos verdes, a pele bronzeada... E isso aí fazia um pouco de inveja sabe", conta Seli Arida.

Aliás, a cabeleira era uma característica que chamava atenção e entrava na lista de cuidados de Adilson, conta Larry Chaves, ex-zagueiro do Inter. "Ele era bem vaidoso, se arrumava bem, estava sempre cuidando do cabelo, naquela época aquele cabelão grandão. Estava sempre [checando] a roupa para ver se estava legal."