Ele mudou o jogo

Diego, do Flamengo, conta como foi de contestado a peça-chave, na reserva, do finalista do Mundial de Clubes

Leo Burlá e Rodrigo Mattos Do UOL, no Rio de Janeiro Simon Holmes/Getty Images

"Aquece, Diego".

Quando o técnico Jorge Jesus se vira para o seu meia no banco de reservas, a situação em campo não deve estar muito fácil para o Flamengo. Foi assim contra o River Plate na final da Copa Libertadores. Foi assim contra o Al-Hilal (SAU) na semifinal do Mundial de Clubes da Fifa.

Nas duas partidas, o Rubro-negro se via em situação desconfortável até que o dono da mítica camisa 10 da Gávea entrou em campo. Com passes decisivos, o meia mudou a história e reinventou seu próprio papel dentro de um elenco estelar.

Diego foi o reforço mais festejado em um dos primeiros "Aero Flas", mas carregou o peso das críticas e superou, em tempo recorde, uma gravíssima lesão no tornozelo. Em vez dos cinco meses parado, reduziu o tempo para pela metade e voltou na hora de saborear o filé mignon.

Gostem ou não, Diego se expõe. Nas derrotas ou nas vitórias, o atleta está sempre dando a cara à tapa. Foi assim quando perdeu pênalti contra o Athlético, pela semifinal da Copa do Brasil, foi assim quando deu o passe que resultou no bicampeonato da Libertadores.

"Alguns dizem que é 'media training', né? É 'vida training' que se chama isso. Sair de casa com 11 anos de idade, morar em alojamento, ficar longe dos pais, dos familiares, bater a cabeça, errar, se decepcionar, ser vaiado, se frustrar, levantar de novo, querer melhorar emocionalmente, ler e adquirir conhecimento. Essa é minha vida e esse é o legado que eu pretendo deixar. Eu não consigo imaginar viver de outra maneira que não seja correndo grandes riscos".

A poucos dias da partida mais importante do Fla nos últimos 38 anos, ele abriu o coração e declarou seu amor ao Flamengo. Afirmou que o time tem tudo para equilibrar a partida contra o Liverpool e, se começar no banco de reservas, agora exercendo nova função tática, não há nenhum jogador mais capacitado para mudar a decisão do que ele.

Simon Holmes/Getty Images

Enfim, a eternidade

Diego garante que ainda não conseguiu assimilar o tamanho que os títulos recentes darão aos jogadores na história do Flamengo, mas seus olhos brilham de forma diferente quando fala da Libertadores.

Daniel Apuy/Getty Images Daniel Apuy/Getty Images

O Mister preparou o jogo muito bem, já tinha passado tudo para nós. Tinha na minha cabeça como eu poderia ajudar, mas lembro pouco da questão tática antes de entrar. Só me lembro dele me dizer: ?me dá um beijinho que você vai fazer um gol?. Ele estava confiante com a minha entrada, isso me passa confiança

Diego

Cada vez que vejo o passe para o segundo gol, a comemoração, os companheiros emocionados, a bola balançando a rede, o troféu sendo levantado, a fisionomia das pessoas, enfim, o coração bate mais forte. Isso não vai deixar de acontecer

Diego

Eu também estava emocionado. Vi muitos jogadores chorando e eu também queria chorar. Mas faltavam uns minutos, não sei mais quantos minutos jogamos. Cinco minutos é uma eternidade numa final. Procurei trazer a galera para a realidade

Diego

O Gabi vive uma temporada muito especial, está muito confiante. Então, naquele momento, vi que tinha espaço para levantar a cabeça, para pensar. E quando eu vi ele pedindo a bola, fazendo a diagonal nas costas da defesa, foi ali que eu queria colocar a bola e coloquei. O restante, ele fez de forma perfeita

Diego

Alexandre Vidal/Flamengo Alexandre Vidal/Flamengo

Da apoteose às vaias

Contratado no meio de 2016, Diego desembarcou em um clube que começava a dar claros sinais de recuperação. Reforço com status de "10", assumiu a camisa 35 e alimentou a esperança dos torcedores por tempos melhores.

À medida que colecionou atuações que o credenciaram para disputar a Copa de 2018, viu o peso das críticas cair pesado sobre seus ombros. O pênalti perdido na decisão da Copa do Brasil de 2017 acirrou o clima com uma torcida que o recebeu como um rei no aeroporto, mas que já não suportava mais os fiascos dentro de campo.

Diego diz entender seu papel no clube. Tratado anteriormente como salvador da pátria, hoje divide responsabilidades com craques em todas as posições. A escolha pelo clube, no entanto, é motivo de orgulho para ele.

"Sabia onde eu estava me metendo. Vim para um clube que tem um impacto nacional e internacional. [A cobrança] Não me surpreendeu quando o objetivo coletivo não foi alcançado. Faz parte da caminhada. Esses momentos difíceis me dão propriedade para dizer que vivi tudo com essa camisa. Provei meu amor e respeito por ela".

Thiago Ribeiro/AGIF

"É isso mesmo que você quer?"

O descontentamento de parte da torcida (e de diretores) quase abreviou sua passagem pelo clube. Na Florida Cup deste ano, chegou a estar com um pé no Orlando City (EUA), que lhe ofereceu um projeto para o pós-carreira.

A falta de troféus relevantes incomodava o jogador, que decidiu ficar. Renovou até dezembro de 2020. Ele diz ter recebido uma proposta "astronômica" no futebol árabe e muitas outras sondagens do Brasil. O "fico" veio após muita, muita reflexão.

"Havia uma pergunta que se repetia: 'é isso mesmo que você quer?'. Refleti alguns dias, mas sempre que eu imaginava a possibilidade de sair, não conseguia. Decidi confiar e continuar vivendo esse sonho. Nesse começo do ano foi quando mais refleti. Havia uma temporada inteira pela frente, a gente ainda não tinha certeza do que ia acontecer. Apostar nisso era o que eu queria, mas é bem desgastante. Tem de estar preparado para enfrentar, mas sendo fiel aos seus princípios", disse ele.

Todos os sonhos e objetivos que coloquei eu alcancei, faltou uma Copa do Mundo. Cheguei próximo com o Tite, mas não disputei. Joguei nos clubes que eu queria ter jogado e alcancei os títulos que eu almejei

Diego

Alexandre Vidal / Flamengo

Medo de perder a festa

Diego foi titular com Abel Braga e iniciou a gestão de Jorge Jesus entre os 11. Mas uma fratura gravíssima no tornozelo ante o Emelec (EQU) marcaria um capítulo decisivo na carreira do rubro-negro.

Enquanto ficava horas e mais horas em sessões de recuperação, via o time do técnico português se ajustar e enfileirar vitórias. Da sala de fisioterapia ou do sofá de casa, ele estipulou a meta de retornar a tempo hábil de levantar taças. Conseguiu.

"Sempre encarei como motivação. Quando me machuquei, sabia que ia perder um período positivo, mas isso foi motivação para voltar o quanto antes. Faz parte do processo, faria parte na hora dos grandes objetivos", discursou.

Thiago Ribeiro/AGIF

Um novo 10

No Flamengo de Jorge Jesus, Diego tem atuado como segundo homem de meio-campo, posição bem diferente daquela na qual um atrevido ex-santista surgiu para o futebol brasileiro. Os anos de Europa deram uma bagagem que facilitou a adaptação, afirmou ele, mas mesmo o experiente rubro-negro precisou aprender novas coisas sobre o jogo.

"Quanto mais o jogador aprende a dominar posições, mais completo ele se torna e mais entende do jogo. Procurei colocar em prática o que conhecia e fiquei atento ao que o Mister tinha a ensinar. Vimos que era possível, ele me explicou antes do primeiro treino".

"Precisava de uma agressividade maior defensiva, precisava pressionar o homem da bola. Você tem de se reinventar. Para se manter em alto nível tem de se reinventar".

Thiago Ribeiro/AGIF Thiago Ribeiro/AGIF

Que venha o Liverpool

A libertadores ficou marcada na história, mas agora a realidade é o Liverpool, rival de amanhã (21), às 14h30 (de Brasília), no Estádio Khalifa. Concentrado no jogo, o meia vê sua equipe em totais condições de endurecer o duelo, mas sabe que o Fla terá de estar em seu melhor dia.

"É o melhor time da Europa, um dos melhores do mundo, mas temos condições de fazer um jogo muito equilibrado com eles. Para isso, temos de estar na nossa melhor versão. Os detalhes farão diferença, temos de estar atentos", ensinou.

As cobranças públicas de Jorge Jesus são, para Diego, uma medida do compromisso que o time tem. Próximo do mais importante jogo rubro-negro em 38 anos, Diego defendeu o clima "de briga" entre os jogadores e técnico em campo.

"Não tem de ninguém se bater dentro de campo, a ideia não é essa, mas a cobrança tem de ser forte porque o que está em jogo é algo muito relevante. Então, não tem como ficar pedindo 'por favor'. Na verdade, aquele que te cobra quer te ajudar".

MB Media/Getty Images

"Olê, Mister"

Assim como a maior parte da arquibancada, Diego quer a permanência de Jesus no Flamengo. Ele reputa o português como um dos melhores técnicos de sua carreira e diz que está "na orelha do técnico": "Peguei grandes treinadores, o Jesus é um deles, é um dos melhores com quem trabalhei. Vi algo parecido na Europa, mas ele tem uma maneira especial de ser. Ele tem uma energia e paixão pelo que faz que é contagiante. É unanimidade, todos queremos que ele fique. Da nossa parte faremos o que for preciso".

Divulgação

Flamengo até morrer

Aos 35 anos, Diego se vê na reta final da carreira, mas diz não saber qual será seu destino fora do campo. Quer, apenas, seguir ligado ao Flamengo: "Em relação à minha carreira, tenho o sonho de ser campeão mundial. Ano que vem, quero ganhar todos os títulos que a gente vai disputar. Depois, depende de como o corpo vai estar e quais as possibilidades eu terei. Esse momento de parar está chegando, mas não sei quando será. Nesse momento não consigo me imaginar fora do Flamengo?.

ALEXANDRE VIDAL/Flamengo ALEXANDRE VIDAL/Flamengo

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