O peso de Dunga

Capitão do tetra e técnico na Copa de 2010 fala de futebol e de condição para voltar a ser treinador: conversa

Rodolfo Rodrigues Colaboração para o UOL, em São Paulo Vladimir Rys/Bongarts/Getty Images

Dunga foi símbolo máximo de conquistas e de derrotas da seleção brasileira que marcaram sua carreira antes e depois de se aposentar dos gramados. Com a chuteira nos pés, virou um dos culpados na execrada seleção brasileira da Copa de 1990. A "Era Dunga". Volátil, o futebol lhe traria protagonismo com o tetracampeonato mundial.

A carreira de jogador acabou e anos depois, ainda sem experiência, recebeu o convite para ser treinador da seleção após fiasco do time em 2006. O ex-capitão começaria a carreira de comandante no lugar mais nobre. Disse "sim" sem saber que viraria novamente persona non grata provando de um veneno e carregando um peso desconhecido, o de técnico eliminado numa Copa. Ele caiu e voltou, mas a história de jogador não se repetiu com a nova chance. Não durou até a Copa de 2018. "Quando se perde, troca-se o treinador", conforma-se.

Dunga carregou pesadas críticas da imprensa ao que chama de "protocolo Dunga" e se recolheu. Mais como Carlos Caetano Bledorn Verri, vive tranquilo em Porto Alegre. Lá, lidera um grande projeto filantrópico, que arrecadou cestas básicas e roupas para mais de 40 casas beneficentes durante a pandemia. Desde 2016 não treina time algum e nem tem pressa para voltar.

Avesso a entrevistas, ele atendeu o UOL Esporte por telefone e comentou sobre assuntos mais delicados como a própria carreira, futuro, passando por seu sucessor na seleção Tite e Neymar. Se foi melhor jogador ou técnico? "O título diz tudo", responde citando a taça que levantou em 1994.

Vladimir Rys/Bongarts/Getty Images

Hoje os treinos são fechados por determinação da Fifa e dos clubes. Quando eu era técnico da seleção ou do Inter, a culpa era minha quando eu não permitia a entrada de ninguém da imprensa. Hoje é tudo feito em cima de protocolos e todo mundo respeita. Na minha época, era o protocolo do Dunga e todo mundo achava ruim

Dunga, sobre o estilo de tratar a imprensa, o "protocolo Dunga"

Shaun Botterill - FIFA/FIFA via Getty Images Shaun Botterill - FIFA/FIFA via Getty Images

Mesmo com críticas, o currículo engordou

Dunga não passou "zerado" na seleção. Teve mais alegrias. Mesmo sem experiência como treinador, o gaúcho de Ijuí impôs o seu estilo disciplinador e de cara conquistou a Copa América na primeira passagem. Também foi bronze com a seleção olímpica em 2008, conseguiu depois bons resultados em amistosos e o foi o primeiro nas Eliminatórias da Copa de 2010. Ganhou ainda a Copa das Confederações de 2009. O auge.

A desavença com a TV Globo, a falta de tato com imprensa, as críticas por não ter levado antigos medalhões e jovens promessas [Neymar e Ganso] para a Copa de 2010 desgastaram a imagem do treinador, que voltou a trabalhar apenas em 2013, no Internacional, onde conquistou o Gauchão daquele ano .

Nas duas passagens pela seleção, Dunga tornou-se o terceiro técnico com mais jogos oficiais disputados na história da equipe nacional com 86 partidas - Zagallo fez 126 e Parreira 112. Com 57 vitórias, 17 empates, nove derrotas, Dunga é o 6º melhor aproveitamento de pontos (75,5%).

Shaun Botterill - FIFA/FIFA via Getty Images Shaun Botterill - FIFA/FIFA via Getty Images

Seleção brasileira: "Fui sincero e abri o coração. Acho que até demais"

UOL: Foram injustas suas saídas da seleção em 2010 e em 2017?
Dunga: Cara, justo ou injusto, é difícil de se falar. O presidente sempre recebe uma pressão desgraçada, terrível. Mas é normal. No Brasil, quando se perde, se troca o treinador. Em 2010, tínhamos feito um ótimo trabalho, um baita jogo ali contra a Holanda. Mas era assim o sistema. Já em 2014, fizeram um planejamento onde os jogadores que fossem disputar as Olimpíadas não poderiam disputar a Copa América em 2016. E a forma com a gente saiu da Copa América foi absurda. Não tinha VAR, o cara fez o gol com a mão e o juiz (Andrés Cunha) ficou mais de 10 minutos com o jogo parado, sem tomar uma decisão.

Quem foi melhor: Dunga jogador ou Dunga treinador?
Pelos resultados, pela conquista da Copa do Mundo, eu acho que já mata qualquer dúvida. Agora, se tu pegares meus números como treinador, sendo que eu nunca tinha treinado ninguém, você vai ver que foram muito bons. Melhor do que muitos que passaram pela seleção brasileira e que tiveram uma experiência fantástica. Não fui tão mal.

Com você jogando, a seleção brasileira perderia de 7 a 1?
Difícil responder. Seria injusto falar algo de um cara que foi vitorioso ao extremo, que é o Felipão, que eu tenho uma grande admiração por ele. Mas é aquela velha história que acontece no futebol brasileiro. A gente tem sempre que crucificar um. Foram feitas as críticas de que o futebol brasileiro estava atrasado, que o treinador brasileiro estava defasado. Mas eu pergunto: dos 11 jogadores, quantos atuavam no Brasil? Então, como é que estávamos atrasados taticamente, pô. Assim como eu sofri em 1990, quando foi colocado tudo em cima de mim e do Lazaroni, agora não é justo jogar tudo em cima do Felipão. O cara é campeão do mundo e foi campeão por onde passou. Mas o futebol é apaixonante por isso. Tem coisas que não têm explicação. Acontece.

Eu estava no jogo, comentado para a TV Al Jazeera. Eu não estava acreditando. Pensei: "O Brasil levou o segundo gol, mas vai lá e daqui a pouco diminui e tenta empatar". Mas as coisas não aconteceram. No futebol brasileiro, todo mundo só pensa em atacar. Mas tem que aprender a defender também. Tem duas formas de jogar: uma com a bola e outra sem a bola. Acho que ainda estamos perdendo tempo em falar apenas de esquemas táticos, 4-4-2, 3-5-2, em números. Mas ninguém fala mesmo de futebol, que é o drible, o passe, o cabeceio, o chute, o desarme e o posicionamento. Mas só falamos em números.


Como é sua relação com a CBF hoje?
Agora distanciou um pouco, mas tenho uma relação de respeito. É normal. Devo tudo ao futebol e agradeço as pessoas que me deram oportunidades na seleção. Não tenho muito o que falar. O que achei que estavam erradas eu falei na época, fui sincero e abri meu coração. Às vezes acho que falei até demais. E até onde pude, eu conseguir mudar. Não sou desses que sai atirando depois que sai do lugar.

Pretende voltar para a seleção brasileira?
Acho difícil. Meu tempo já passou. Comecei na seleção brasileira com 15 anos e fiquei até pouco tempo atrás. É um bom tempo (risos).

Você assiste jogos da seleção brasileira?
Eu fico muito nervoso vendo o jogo de fora, mas eu assisto de vez em quando, sim. Sempre que posso. Fico agitado, tenso, e torço muito pelo Brasil. Quanto mais ganhamos, melhor para todos nós aqui.

Divulgação Divulgação

Dunga evita criticar Tite, mas...

Dunga deu a primeira chance na seleção para muitos jogadores que atuaram na Copa de 2018, como Alisson, Ederson, Roberto Firmino e Gabriel Jesus, além de resgatar nomes como Philippe Coutinho e Casemiro. Mesmo conhecendo quase todo o grupo que foi ao Mundial da Rússia, Dunga evita avaliar o trabalho do conterrâneo Tite e se esquiva para dizer se ele é o nome ideal para comandar a seleção na Copa de 2022.

Como você analisa a seleção de Tite hoje?
O Brasil sempre vai ter uma seleção boa. Sempre, sempre. A questão é que você tem que pegar sempre os jogadores em forma e nem sempre isso é possível. Quanto tu convocas um jogador, 15 dias antes, muita coisa pode mudar depois. Se nesse período ele cai de produção, se machuca ou acontece alguma coisa, já muda todo o cenário. Então é complicado conseguir executar tudo do jeito que tu imaginas.

Você acha que fizeram certo ao manter o Tite depois da derrota da Copa de 2018?
Não é questão de defender ou não. Quem está lá no comando é quem tem o poder de decisão. Ele é o melhor nome para a seleção na Copa de 2022? É questão de confiança. O presidente da CBF tem que ter confiança no treinador. Se tiver, é ele e pronto. Agora, tu vais ter sempre bons treinadores para trabalhar na seleção brasileira. Mas uma coisa é o que tu pensas, outra é colocar em prática. Mas eu não sou o presidente da CBF. Deixo para eles tomarem essa decisão aí (risos).

Você gosta dos volantes atuais da seleção brasileira: Casemiro, Arthur e Fabinho?
Gosto, gosto sim. São bons jogadores e que vêm tendo ótimas performances. O Casemiro faz um baita papel no Real Madrid, numa função essencial. O Fabinho, que eu convoquei como lateral e hoje está como volante, tem boa estatura, bom cabeceio. Só que precisa chutar mais de fora da área. Mas está amadurecendo.

Algum jogador carrega o seu estilo de jogo?
Eu não gosto desse tipo de comparações, até porque modificou um pouco a forma de jogar. Está mais diversificado. Mas tem bons jogadores aí.

Lucas Figueiredo / MoWA Press Lucas Figueiredo / MoWA Press

Neymar será o melhor do mundo?

Ele precisa ganhar títulos com seleção e PSG. Ele teve alguns equívocos e erros, o que é normal. Mas atrapalhou bastante a sequência dele. Antes existiam muitos que geravam notícia. Hoje é só o Neymar.

Dunga , sobre Neymar vira o melhor jogador do mundo

Pelé é mito e mito não discute. Vamos comparar o Messi com outros. O Pelé está num patamar muito acima. A gente gosta dessas comparações, mas são épocas diferentes. São jogadores que dá prazer de ver jogar.

Dunga , sobre comprar Messi e Pelé

Pela qualidade técnica dos jogadores, sim. Só que é um todo e esse todo que precisa dar certo. Você tem que montar bem uma geração, com gente que pensa da mesma forma. Pra ganhar uma Copa do Mundo não é fácil.

Dunga , sobre se a geração atual pode ganhar a Copa

Thiago Ribeiro/AGIF

Treinador estrangeiro no Brasil: "Muitos foram criados. Não deveriam estar aqui"

Você é contra a presença treinadores estrangeiros no Brasil?
Eu acho que os melhores vêm para acrescentar. Mas têm muitos aí que eu vou te falar... Muitos foram criados. Não deveriam estar aqui. Eu acredito em percentual. Vieram dez treinadores estrangeiros. Quantos deram certo? E quem deu certo a gente já sabia como era. Deu certo porque o cara é bom. Pega o currículo dele e tu vê que ele sempre foi bom. Agora outros...

Você gostou do trabalho de Jorge Jesus no Flamengo?
Porra, o cara é bom! As ideias dele são ótimas. Teve uma frase dele que vi que pouca gente explorou. Muitos aqui dizem que temos que poupar jogadores para não se desgastarem e tal. Só que o Jorge Jesus falou que tem que poupar o cara no treino e não o jogo. Está certíssimo. E aqui no Brasil nós poupamos o jogador na partida e não no treino, onde é maior o risco do cara se machucar. Os treinos são mais intensos, no sentido de o jogador participar mais da jogada. No jogo ele não participa tanto. Tem outro ponto, que é muito falado hoje em dia que eu não acho justo com os treinadores.

Agora tudo é importante no futebol. Muito dizem: "Ah, sem o fisioterapeuta, o futebol não existe. Sem não sei quem o futebol também não existe". Acho que todos eles vieram para agregar e para somar. Cada um tem o seu espaço. Só que em determinados momentos, essas funções se sobrepõem a dos treinadores e quem responde pela responsabilidade final é o treinador. Tu poupas um jogador porque fulano pediu para poupar, daí o time perde e a culpa é do treinador. Acho engraçado também esses novos "professores" que existem falando de esquemas táticos, de 4-4-2, de 3-5-2, mas que não falam nada lá dos times de fora.

Quais os times que mais te agradam hoje em dia?
Agora com essa parada ficou tudo meio parecido. Mas é bom ver Liverpool, Manchester City, Barcelona, Real Madrid e Bayern de Munique. Esses caras têm os melhores jogadores mundo. Então não tem como fugir disso.

E no Brasil?
O Flamengo pegou os três atacantes mais rápidos do futebol brasileiro e pegou dois caras experientes e fechou o time. O Flamengo contratou jogadores para montar o time a dedo. Outros saem para comprar sem critério. E acho também que estamos com pouca qualidade no Brasil, já que não estamos mais conseguindo formar jogadores aqui. Ele tem que ter cinco ou seis anos de maturação no futebol brasileiro, para poder chegar ao ápice e sair. Mas nós vendemos esses jogadores muito cedo. Hoje um jogador com 18 anos vai embora.

Alexandre Lops/AI Inter

Futuro: "Não coloco voltar como meu primeiro objetivo"

Fora do futebol como treinador há quatro anos, Dunga está "tranquilo" e curtindo a família, como ele mesmo diz. Ele não tem pressa para voltar e espera por uma boa proposta. Também tem uma exigência, que os interessados procurem diretamente a ele, sem interferência de empresários. .

"Eu não coloco como primeiro objetivo [voltar a ser treinador]. Preciso ver se vai aparecer alguma coisa interessante, que me dê boas condições para trabalhar. Eu recebi muitas propostas, principalmente de fora do país. Mas tenho minha vida tranquila em Porto Alegre. Cuido dos meus projetos sociais e toco as empresas que tenho. Meu filho está trabalhando no Grêmio, minha filha trabalha com moda, então penso muito nisso. Em toda minha carreira a minha família sempre me acompanhou e nunca reclamou. Agora quero dar suporte para eles."

"Também não veio ninguém de clube ou seleção para falar diretamente comigo. Existem aí muitos empresários, gente pedindo procuração, essas coisas, e eu não curto muito isso. Sempre fui um cara muito direito. Se quiserem alguma coisa mesmo, então mandem algum do clube para discutir a proposta comigo. Esse negócio de autorização para poder iniciar conversas tem gente me pedindo todo dia. Às vezes pode até ser verdade que o empresário tem algum clube, mas não sei. Como eu não dou autorização, então não se abre as portas."

picture alliance/picture alliance via Getty Image picture alliance/picture alliance via Getty Image

"Chamavam a seleção de 94 de retranqueira, mas só dávamos passe pra frente"

Aos 56 anos, Dunga divide seu tempo cuidando de suas empresas, vive próximos dos filhos e da família e acompanha o futebol de longe, discutindo ideias com amigos e treinadores em grupos de WhatsApp.

"Eu assisto bastante aos jogos de futebol, vejo os comentários, leio e estudo. Tenho grupos de amigos com vários treinadores. Discutimos o que vem acontecendo, falamos de táticas, jogos, estilos e tudo mais. Oo curso de treinadores da CBF de 2016 aproximou bastante os técnicos brasileiros. Agora, durante a pandemia, um monte de gente me ligou para falar sobre como jogávamos antigamente. Pô, muita gente não gostava naquela época. Hoje todo mundo fala que é bom", comenta.

"No geral, converso com treinadores mais antigos e também os mais novos. Gente com filosofia de trabalho muito diferente. A gente chega a se confrontar, mas é muito bacana. Uma discussão interessante recente foi sobre o futebol ofensivo de hoje em dia. Na minha época, falando da seleção de 1994, os laterais, os zagueiros e os volantes não recuavam a bola para o goleiro. Era tudo passe para frente e diziam que nós éramos retranqueiros. O que se fala hoje de passe inteligente, passe infiltrado, a seleção de 1994 já fazia. Vejo tanta coisa diferente que eu dou risada."

Trabalhos sociais

Junto com um grupo de amigos, ajudo asilos e comunidades. Agora, com essa pandemia, muitas pessoas começaram a pedir ajuda. Em junho, arrecadamos 2 mil cestas básicas e mais de 70 toneladas em alimentos. Tenho alguns parceiros como o Ceasa e da AGAS (Associação Gaúcha de Supermercados de Porto Alegre). O D?Alessandro e outros jogadores do Inter e do Grêmio também nos ajudam doando camisas e chuteiras.

Dunga , sobre trabalho social que toca há 20 anos

Também o projeto ?Frio com meus amigos?, onde buscamos sacos de dormir e cobertor para moradores de rua. Distribuímos quentinhas também. O Tinga está junto comigo no projeto. Estamos buscando recursos para ajudar os autônomos que perderam seus empregos na pandemia. O Rafinha (Flamengo) também tem me ajudado bastante. Tenho ainda meu instituto (IDDC ? Instituto Dunga de Desenvolvimento do Cidadão).

Dunga , sobre outro projeto social

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