Vai mudar

Do campo ao estúdio, da TV à vida digital: conheça o novo Mauro Naves, que já pensa até em publicidade

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo Máximo Jr

— Cléber.

— Diga, Mauro.

— Vai mudar!

Quem se acostumou à carismática interação entre o narrador Cléber Machado e o repórter Mauro Naves em transmissões de jogos dos grandes clubes de São Paulo ou da seleção brasileira na Globo terá que se acostumar com a mudança. Ela é recente, mas definitiva. Aos 60 anos, o repórter agora responde por comentarista Mauro Naves. E pode ser encontrado na Fox Sports e em suas redes sociais.

Será difícil para o público se acostumar. Imagine, então, para ele... De repórter a comentarista, da beira dos gramados a estúdios e cabines com ar condicionado gelado depois de 30 anos, o jornalista vive uma fase de renovação. Ou melhor, de desconstrução. Além do novo emprego, ele desbrava tecnologias para aumentar sua presença em ambientes digitais — ainda mais em tempos de isolamento social.

Nesta longa entrevista via Skype ao UOL Esporte, Mauro Naves conta que seu lado raiz ainda é um obstáculo na nova fase. Mesmo assim, empilha planos dos mais diversos e mostra empolgação de menino para o futuro. Avisem ao Cléber que, desta vez, quem vai mudar é o Mauro.

Máximo Jr

Clique para assistir à entrevista

Primeiro jogo como comentarista não foi "nada natural"

Mauro Naves começou a trabalhar na Fox Sports em 1º de março de 2020, exatamente 33 anos depois de seu primeiro dia na Globo. "A vida traz cada coisa", ele reflete. Apenas três dias depois da estreia, já recebeu o desafio de comentar, ao lado de Téo José e Edmundo, a estreia do Palmeiras na Copa Libertadores. Foi um jogo fora de casa contra os argentinos do Tigre, vencido por 2 a 0. A transmissão foi "off-tube", dos estúdios do Rio de Janeiro. Então, o novo comentarista não sentiu definitivamente a mudança.

Ficou para a rodada seguinte: Palmeiras 3 x 1 Guaraní (PAR), no Allianz Parque. Em vez de descer para o campo, a missão era subir até as cabines nos andares mais altos, uma rotina oposta à de costume: "Não foi nada natural. Cheguei ao estádio e a primeira coisa que fiz foi ir lá embaixo, dei um abraço no Fernando Caetano [repórter da Fox], queria ver se eu encontrava dirigentes para pegar informações. Eu meio que quis, enquanto deu tempo, seguir a velha rotina."

Ele se lembra de ter passado pela sala de imprensa e conversado com repórteres que acompanham o dia a dia do Palmeiras para bater papo. Só não ficou mais porque tinha um pré-jogo para participar. Teria esperado até os ônibus dos times. É uma rotina bem incomum para comentaristas, mas ele pretende repetir: "Se eu puder, vou sempre passar lá por baixo, ouvir a torcida, é muito gostoso. Sentir aquele clima lá de baixo, onde passei 30 anos. Às vezes sendo xingado, às vezes elogiado, mas ouvindo o barulho da galera."

Lá em cima a coisa é um pouco mais fria. Inclusive, o ar condicionado estava bastante gelado (risos), estava muito forte para o meu gosto".

Reprodução Reprodução

Haters, sejam bem-vindos

Acostumado aos xingamentos de torcedores na beira do campo — onde muitas vezes não dá para ouvir ou é mais fácil ignorar —, Mauro Naves agora convive com as ofensas nas redes sociais. Os haters chegaram com tudo. "Uma coisa é você reportar, outra é você comentar. Em uma você apura, dá a notícia com toda a isenção e pronto. Mas quando você comenta, não agrada todo mundo. Na medida em que você passa a comentar, claro, vira muito mais vidraça", diz o jornalista, com a estratégia pronta para lidar com o ódio virtual.

"Eu estou partindo do princípio de que não dá para ficar em cima do muro, entendeu? Tem que ter uma opinião. Se a torcida do time tal vai ficar chateada, é opinião, é comentário, cada um tem o seu, então você tem que se acostumar com isso. Não dá para ser unanimidade e não vai ser meu caso. Mas vou tentar ao máximo ser fiel ao que penso. Só espero que os caras não sejam mal-educados e saiam xingando."

No SporTV, Mauro Naves já participava de programas de debate e entrevistas como comentarista. A novidade agora são os jogos. E ele admite que a estreia na função foi acelerada pelo novo canal: "Cheguei lá e achei que eles iam esperar eu me ambientar um pouco, mas lá é a casa da Libertadores, já estava começando a fase de grupos e eles 'nananão, a cabine é ali, manda ver, vai dar tudo certo'. O que me dava frio na barriga era isso, precisa de outra embocadura, contexto, jeito de falar, jeito de ver o jogo."

Acho que vou ser um comentarista com informações. Pretendo ser. E vendo o jogo do jeito que eu via lá embaixo, agora vejo de cima, mas procurando sempre dar informações. Claro que se eu estou fazendo um jogo e tem um repórter para dar informação, eu não quero ficar atropelando ninguém. Mas está na veia. Se o repórter não falar lá embaixo e couber num lance, num momento do jogo, acho que tenho a obrigação de falar também

Mauro Naves, sobre a nova função de comentarista

Eu gosto de números, sou formado em estatística, mas tenho muita preocupação. Lembro quando começamos a usar pesquisas e a notícia era: "Faz 50 anos que time A não vence o time B". Quantos jogos no período? "Ah, um só". Então não dá, né? Porra... Essa história de posse de bola é legal, muda um pouco. Na reportagem, eu não tinha preocupação com esse tipo de dado, mas agora no comentário faz sentido me preocupar

E o desafio no uso de números

Reprodução

Projeto olímpico frustrado e o caminho até a Fox

Por uma decisão repleta de polêmicas que não quer comentar, Mauro Naves deixou a Globo em julho de 2019. Ele se refugiou em um spa e só voltou a aparecer publicamente perto do fim do ano. Participou de debates e foi convidado do "Aqui com Benja", no Fox Sports, e do "Os Donos da Bola", da Band. Em raras entrevistas, manifestou vontade de se aposentar e disse que nem pretendia voltar à TV.

Foi mais de um semestre sem trabalhar, mas não parado. Neste período, fechou com uma agência de marketing esportivo digital para cuidar de sua imagem e projetos, por exemplo. Também negociou sua volta à TV aberta, como revela ao UOL: "Eu quase fui fazer Olimpíada para uma televisão, um projeto grande. Mas precisava de patrocinador. O patrocínio não apareceu, o tempo foi passando, aí veio o convite da Fox. Fui ao Rio bater um papo, mas fui sem saber se ia pegar."

"Se aparecesse patrocínio para esse outro projeto [cobertura olímpica na TV aberta], que me deixasse mais em casa e ajudasse a pagar as contas, eu faria, não ia me mudar para o Rio, ficar o dia inteiro lá e tal. Mas eu vi que estava difícil, fim de fevereiro, as contas vão chegando, tinha que pegar alguma coisa. Graças a Deus deu certo."

Ideia era ficar "semi-aposentado"

Depois do período de isolamento (antes de se falar em coronavírus, aliás), Mauro Naves queria fazer trabalhos diferentes dos que havia realizado em 30 anos de TV. A ideia era se aventurar em palestras, trabalhar em eventos como mestre de cerimônia, comandar um curso de jornalismo online, produzir conteúdos seriados para plataformas de streaming e, possivelmente, comandar um talk show no YouTube. TV, não.

"Eu não queria voltar a esse dia a dia de televisão, queria focar nesses outros projetos que me dessem mais oportunidade de ficar em casa. Trabalha três, quatro dias por semana, viaja, volta para casa, editando, escreve de casa. Ficar um semi-aposentado. E ter finais de semana."

Foi difícil nos últimos 30 anos marcar um churrasco comigo de sábado. Sábado e domingo é jogo, fazia parte da minha função e eu gostava do que fazia".

Mas aí apareceu a oferta da Fox e os planos mudaram.

Reprodução Reprodução

Eu passei 30 e tantos anos viajando muito, sempre longe da família. Para você ter uma ideia, meu filho tem 19 anos e eu tenho foto em dois ou três aniversários dele só, porque é em junho e a grande maioria das competições acontece neste mês

Mauro Naves, sobre o filho Maurício, 19

O que fazer na quarentena

Reprodução/Twitter

Em casa

Mauro Naves, que mora em São Paulo, alugou um apartamento no Rio de Janeiro para passar a maior parte da semana, porque é onde estão os estúdios da Fox. Isso durou até a recomendação de isolamento social, quando voltou à capital paulista porque o novo lar ainda não estava pronto.

Reprodução/Instagram

Facetime

Por meio de chamadas de vídeo, o jornalista mata saudades da filha, a atriz Raíssa Naves, e da neta Luiza, que nasceu em outubro de 2019. Ele espera poder curtir a neta antes de voltar ao Rio para trabalhar. Ou levá-la para lá com os pais -- seu genro é o cantor Henrique, da dupla Henrique & Diego.

Reprodução/YouTube

Literatura

Além de filmes e noticiário, principalmente pela internet, Mauro Naves aproveita o tempo livre para ler. Quando deu esta entrevista tinha lido "Mourinho Rockstar", de Luis Aguilar, e terminava "Guardiola Confidencial", de Martí Perarnau. O próximo da fila é "Klopp", de Raphael Honigstein.

Reprodução/Instagram

Lives

Orientado pela agência Beamed, Mauro já fez três entrevistas ao vivo no Instagram, com o genro Henrique, a ex-jogadora de basquete Hortência e o médico Ivan Grava, do Corinthians. "Eu sou muito devagar nisso, sabe? Minha filha publica dez fotos por dia e eu falo: 'O que é isso'", brinca.

Máximo Jr

Doidinho com a tecnologia

Quase todos os projetos de Mauro Naves acontecem nos ambientes digitais, então ele foi orientado a aumentar sua presença por lá com fotos, vídeos e interação. Nesta parte tecnológica reside um grande desafio para o jornalista raiz.

"Por enquanto recorro muito ao meu filho, que está aqui, ele entende tudo. Inclusive, eu ia fazer essa entrevista com você com meu fone Bluetooth. Não deu certo. Peguei com a minha filha aquele fonezinho bonitinho e tal. Mas não conseguimos conectar, ele não identificou isso aqui. Acabei fazendo no fio mesmo. Quando eu desligar de você, vou tentar de novo para ver se funciona no programa. Eu vejo muita gente fazendo e fica bonitinho. Tentei, não deu (risos)".

Outras derrapadas na tecnologia estão passando ao vivo na TV. Mauro Naves tem participado diariamente do programa "Expediente Futebol", na Fox, que funciona no formato news home: cada comentarista em sua casa. "Estou conversando com você pelo computador para deixar o meu celular livre. Em outro dia fiz o programa pelo computador e caiu a conexão. Eu fiquei apavorado, então comecei a fazer pelo celular. Mas quero fazer pelo computador porque o programa é longo e eu preciso trocar mensagens."

"Estávamos entrevistando o Willian, do Chelsea, aquele negócio: 'você vai vir para o Brasil, vai ficar na Europa?' 'Voltaria para o Corinthians?'. Ele: 'não sei, sou profissional, mas minha paixão é o Corinthians' e tal, ok. Aí entrou para mim e para o Quesada uma mensagem do Andrés Sanchez: 'Ah, pergunta se ele vai ter coragem de falar não para mim'. Por que o Andrés conhece ele desde as divisões de base. A gente pôde brincar no ar. Se eu estivesse fazendo o programa pelo celular, não conseguiria ler", conta o jornalista raiz, que em outro episódio se deu mal.

Era uma entrevista ao vivo com Sidney Riquetto, presidente do Santo André, sobre o fim dos contratos de jogadores do clube em meio à paralisação. "Eu tinha mandado um recado para um diretor da FPF, ele me ligou no meio do programa, na hora da entrevista. Eu tirei o celular, queria atendê-lo. Mas saí do ar lá na Fox. Quando voltou para mim eles estavam se despedindo do presidente e não pude fazer perguntas a respeito do que tinha acabado de apurar."

Mauro Naves resume as dificuldades tecnológicas com uma frase mais do que simples: "Eu fico doidinho."

"Quando acabar essa quarentena, vou estar bem melhor. Provavelmente bem mais gordo também, porque sou sedentário e estou comendo muito (risos)."

Máximo Jr

A nova barreira a ser desbravada é no mundo da publicidade, merchandising via Instagram mesmo: "Eu ainda sou muito raiz para isso. Depende muito do produto. Vou ter que fazer o primeiro teste para eu me sentir um pouco mais à vontade, entendeu? Mas hoje em dia é muito normal, é muito natural, muitos jornalistas que não faziam estão fazendo. É uma mudança que está aí, temos que nos adaptar. O que era jabá hoje vira job."

A exploração das possibilidades infinitas da internet, redes sociais e do mundo do marketing é o próximo passo do experiente jornalista, paralelamente ao desbravamento da função de comentarista após mais de 30 anos repórter. Mauro Naves é raiz, mas está em desconstrução.

Vai mudar! Ou melhor, já está mudando.

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