A volta do Brasileirão

Para Dorival, parada para Copa América e maratona no reinício podem ajudar rivais do Palmeiras

Do UOL, em São Paulo Arte/UOL

Um bate-papo sobre futebol é das atividades favoritas dos brasileiros, antes, durante e depois da rodada. Futebol é um tema infinito. Conversa é a série do UOL Esporte que pretende fazer justamente isso: conversar sobre futebol.

Com o fim da Copa América e o retorno do Brasileirão no domingo (14), convocamos o técnico Dorival Júnior e o blogueiro Ricardo Perrone para discutir como os cubes chegam neste reinício de campeonato. A pausa é positiva? Quem tem a vantagem neste momento?

Mauro Pimentel/AFP

Ricardo Perrone: Antes de a gente conversar sobre o Brasileirão, me conta desse seu trabalho como observador técnico da Copa América? O que viu de bom? Alguma novidade técnica?

Dorival Júnior: São oito treinadores que fazem parte desse grupo de observadores, cada um de um país. Nós nos responsabilizamos pela análise técnica e tática da competição. Todo esse material depois será reunido num livro que será encaminhado a todas as federações sul-americanas, que irão distribuir esse livro. O que a Conmebol quer é que nós criemos uma linguagem nossa, sul-americana, que estejamos muito alinhados, que comecemos um trabalho de recuperação do futebol sul-americano. Acho que é um primeiro passo para fortalecermos a Copa América e que façamos um torneio ainda melhor, mais disputado.

Perrone: Bacana. O que achou do nível dos jogos. Melhor ou pior do que os do Brasileirão?

Dorival: Basicamente confirma-se tudo que as equipes vinham desenvolvendo. Algumas tendências da competição, que foram a perda de bola no campo de ataque com a busca por uma retomada rápida. A maioria das equipes jogando num posicionamento médio para baixo mas com muita agressividade no combate a partir do momento em que a equipe adversária entre no seu campo de defesa. O homem que está com a bola tem sempre uma abordagem muito direta, fazendo com que o tempo de reação e de preparação de jogadas diminua. A velocidade do jogo, infelizmente prejudicada pelo nível dos nossos campos, melhorou. Melhorou a qualidade dos nossos passes. Tecnicamente ainda precisamos melhorar, e muito, não só o futebol brasileiro, mas principalmente algumas equipes do futebol sul-americano para que tenhamos uma competição mais disputada. Vimos o crescimento de algumas equipes. A Venezuela nos últimos anos vem se confirmando como uma equipe que vem alcançando um novo patamar, acho que isso é um fato importante. Vimos aí algumas que tiveram dificuldade no desenvolvimento da competição. Tivemos equipes de projeção. Bom início do Japão, com uma equipe jovem e bem estruturada. A própria Colômbia, que também apresentou um excelente nível de atuação.

Bruno Haddad/Cruzeiro

Perrone: Concordo sobre Japão e Colômbia, as duas seleções mostraram qualidades. E no geral o nível foi baixo, acho. Por falar em nível, parece que foi criada uma expectativa muito grande sobre os benefícios dessa parada para a Copa América nos times brasileiros. O que acha? As equipes vão voltar muito melhores no Brasileirão ou não é bem assim?

Dorival: Penso assim também. Acho que o nível tem que melhorar, deve melhorar, com certeza. Temos condições de fazer com que tudo isso ganhe qualidade. Acho que foi muito importante para os clubes essa parada, para uma recuperação, um período de trabalho, de treinamento, dando oportunidades para os treinadores encontrarem uma solução para o que foi visto durante os campeonatos regionais. Fico muito feliz de ver a manutenção da maioria dos nossos treinadores. Acho que isso é muito importante, juntando a tudo isso esses dias de trabalho, com certeza, teremos uma qualificação das equipes. É o que todos nós esperamos que a cada dia tenhamos jogos mais vistosos, tecnicamente melhores. É natural que o equilíbrio ainda continuará pelas dificuldades da nossa competição, mas as perspectivas são muito positivas.

Perrone: Nos primeiros amistosos, na semana passada, fiquei com a impressão de que é como pré-temporada mesmo. Vai levar um tempo para os resultados aparecerem.

Dorival: Em termos práticos, com certeza. Mas temos que levar mais um fator em conta. Nós teremos a maioria das equipes que estão brigando pela ponta do Brasileiro jogando oito partidas no primeiro mês. Isso vai começar a nos mostrar outra situação. Aquelas equipes que não terão tantos jogos talvez aproveitem muito melhor esse mês e, de repente, recuperem o terreno perdido nas rodadas anteriores do Campeonato Brasileiro. Acho que precisamos ter muita atenção com isso. Porém, como foi encarado também como uma pré-temporada, acredito que na primeira, segunda rodada teremos um ritmo muito forte. Acho que a partir da primeira partida oficial o rendimento será muito próximo do que todos preparam ao longo desse período.

Perrone: Nesse cenário que você falou, vejo o Palmeiras mais preparado em termos de elenco para essa maratona.

Dorival: É natural que pelo momento todos apontem o Palmeiras. Mas não sabemos o que vai acontecer, o crescimento de todas as equipes. O Palmeiras tem uma vantagem muito grande, tem um elenco já definido, que defende o título brasileiro, tem um treinador diferenciado. Numa somatória tem todos os requisitos para que realmente possa se destacar. Agora, nós temos que aguardar porque muitas equipes poderão evoluir muito nesse momento e quem sabe tenhamos uma competição, como sempre foram as últimas edições do Campeonato Brasileiro, muito disputada, muito brigada. É tudo que queremos ver.

Perrone: Pois é, não consigo apontar ninguém com muita segurança para fazer frente ao Palmeiras. O Flamengo, por exemplo, tem elenco muito forte, mas recomeça tudo com técnico novo.

Dorival: Acredito que nós tenhamos algumas equipes que se aproveitaram bem desse período de paralisação, voltarão muito mais fortes. Nós olhamos por fora, os elencos de Palmeiras e Flamengo podem fazer a diferença, não tenho dúvidas disso. Mas volto a dizer que não tem nada definido e que será muito importante essa retomada em que as equipes estarão brigando num outro patamar pelo período que tiveram pra preparação e recuperação de muitos dos jogadores que estiveram fora dos seus grupos.

Perrone: Minha dúvida é como vai ser a adaptação do Jorge Jesus no Flamengo. Você pode falar melhor: é muito difícil para um treinador europeu se adaptar ao futebol brasileiro? O que deve ser mais complicado?

Dorival: Não creio que ele tenha qualquer dificuldade. É um grande profissional, vai ser muito bem recebido por todos nós. Espero que ele, assim como espero para todos os treinadores brasileiros, tenha tempo para desenvolver seu trabalho. Que paremos de uma vez por todas com essas trocas, que possamos dar o tempo suficiente para que o profissional possa alcançar primeiro uma adaptação e depois o desenvolvimento de seu trabalho.

Jeferson Guareze/Agif

Perrone: No começo do papo, você disse que viu uma melhora nessa questão de trocas de treinador. Acha que a estabilidade aumentou?

Dorival: Vejo que esse início é animador. Só de virarmos essa primeira etapa sem que alterações fossem feitas nos leva a acreditar que alguma coisa está mudando. Um livro do Guardiola nos mostra que no primeiro ano de um trabalho você implanta um conceito, no segundo ano você corrige esse conceito, consolida, de repente encontra alguns resultados e no terceiro ano, aí sim, esses resultados podem acontecer com mais naturalidade. É isso que gostaríamos de ver no futebol brasileiro. Os profissionais pudessem desenvolver seu trabalho e aí sim pudessem ser avaliados. E isso dificilmente nós vemos. Nosso trabalho se resume às vezes a três meses ou até menos. É o tempo útil de um treinador à frente de uma equipe. Isso conspira contra o futebol, contra os clubes, contra o profissional. Dificilmente você vai conseguir gerar resultados. Num processo como esse, em que um treinador na Europa acompanha toda a evolução, a implantação, o desenvolvimento, a correção e o alcance de resultados, no nosso país, esse mesmo período é acompanhado por às vezes, três, quatro ou cinco profissionais. Essa é a grande diferença. Espero que a gente esteja encontrando um novo caminho.

Perrone: Concordo com esse conceito, mas não é utopia no futebol brasileiro?

Dorival: Não tenho dúvidas. Nesse instante, seria utopia falar em termos de manutenção de um profissional. Só que acho que as coisas também caminham, de repente, para outro sentido. Espero que encontremos uma nova forma para desenvolvermos nossos clubes. Acho que isso passa também por uma reestruturação no modelo de gestão. Na minha concepção, o modelo de gestão está comprometido no país. E isso penaliza consideravelmente todas as decisões que são tomadas. Até porque a pressão é muito grande. E é um sistema que acaba dificultando a própria administração de um clube.

Amanda Perobelli/Reuters

Perrone: Concordo de novo. O modelo está ultrapassado e, para mim, começa com a estrutura, como os presidentes são eleitos e tal. Falta profissionalismo. Sei que você está ocupado. Então para encerrar: acha que hoje no Brasil tem muito preconceito com técnicos da velha guarda? Por exemplo, eu achava que depois dos 7 a 1 o Felipão não voltaria a trabalhar em alto nível. Fui preconceituoso? Os resultados dele melhoram a forma como a velha guarda é vista?

Dorival: Não acho que preconceituoso. O que vejo é que no Brasil nós taxamos rapidamente toda e qualquer situação em qualquer área de atuação. E isso não é legal. O que acho é que precisamos ter equilíbrio. Equilíbrio no seguinte sentido: temos jovens chegando. Esses grandes treinadores abriram caminho. Caminho esse que nós agora temos a obrigação de sedimentar, melhorar e transformar para a nova geração num campo muito melhor de trabalho, mais digno. Sempre digo isso e repito, o treinador brasileiro não quer reconhecimento. Mas ele gostaria de ver seu trabalho sendo avaliado com alguns parâmetros de lógica, fato esse que não acontece no nosso país. Então, apenas darmos tempo para que as coisas se encaminhem, para que encontremos um novo espaço, para que voltemos a fazer do futebol brasileiro um futebol de destaque no mundo. Perdemos um pouco desse espaço, passamos os últimos 25, 30 anos com alguns erros. O que vejo é que agora precisamos acelerar esse processo. Nós temos que contar com o apoio de todos, todos os segmentos que fazem futebol e que gostam (e muito) desse que talvez seja o maior produto vendável desse país. Minha torcida é para que isso um dia aconteça. Para que nos reunamos, nos aproximemos um pouco mais, troquemos mais ideias e informações, acho que isso tudo será muito importante para o futuro do futebol brasileiro. Estamos trabalhando com muita intensidade, com a Federação Brasileira de Treinadores de Futebol. Tendo agora um pouco do apoio da CBF, contando com apoio de algumas federações, principalmente da Federação Paulista, que faz um trabalho diferenciado já há alguns anos, até porque todos lutamos e buscamos os mesmos objetivos, nós queremos ver o futebol brasileiro melhorando sempre.

Perrone: Sim. Para isso, os dirigentes e analistas precisam evoluir também. Dorival, valeu pela conversa. Foi um grande prazer. Abração.

Dorival: Exatamente. Até acho que os gestores também teriam que ser obrigados a fazer cursos, seria importante. Bom, Ricardo, obrigado, um grande abraço, fica com Deus.

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