Ele é a história

Clube de futebol mais antigo do Brasil sobrevive longe dos holofotes e sonha com retorno

Marinho Saldanha Do UOL, em Porto Alegre Divulgação/Rio Grande

Fundado em 19 de julho de 1900, o Rio Grande é considerado o clube de futebol mais antigo do Brasil em atividade ininterruptamente — a Ponte Preta, de Campinas, fundada 23 dias depois, discorda.

O público mais jovem, porém, pouco ouviu falar do "Vovô" ou do "Veterano", como o clube da região mais ao sul do Rio Grande do Sul recebeu ao longo do tempo. A realidade de hoje sequer remete ao tamanho de sua história. Inspirador para a criação de várias equipes pelo país, o clube popularizou o futebol no Rio Grande do Sul, mas por pouco não acabou.

Entre dificuldades financeiras naturais de clubes do interior, o Rio Grande sofre para sobreviver. "Ou eu salvava o clube, ou eu salvava o futebol", disse o presidente Cláudio Diaz, ao UOL Esporte. "Tenho certeza que o clube teria fechado se não agíssemos. Daí a Ponte Preta poderia dizer o que quisesse".

A opção foi pelo clube e, com isso, fazer um time com investimento que o futebol profissional demanda hoje é impossível. O plano é pagar as dívidas, alimentar a relação com a torcida e, só no futuro, olhar com mais carinho para o campo. Esse é o caminho que se encontrou para evitar o pior. E tentar fazer com que o ancião do futebol brasileiro ainda viva por muitos anos.

Fabiellen Brum/Rio Grande
Matheus Samá Fotografia

Longe da elite há 22 anos

O Rio Grande conquistou o Gauchão em 1936, mas hoje em dia passa longe das glórias do passado. São 22 anos longe da elite. A última participação na primeira divisão estadual foi no ano 2000, e como convidado pela Federação Gaúcha de Futebol em razão de seu centenário. A campanha não foi de rebaixamento (terminou em quinto lugar em um dos grupos da primeira fase e os sétimos colocados caíram), mas como atuava por convite, foi devolvido para a Divisão de Acesso.

Hoje o Rio Grande disputa a 'Segunda Divisão', que na verdade é o terceiro nível do futebol do RS — a elite é o Gauchão e a segunda é chamada de Divisão de Acesso. Na temporada passada, esteve perto de subir, mas acabou não conseguindo.

O cenário atual é reflexo de dívidas acumuladas ao longo dos anos. O atual presidente do clube assumiu o comando em 2021. "Algumas diretorias que passaram recentemente tiveram a irresponsabilidade de conduzir o clube numa aventura. Sabemos como disputas de beleza e vaidade acabam. É um preço muito caro", contou Cláudio Diaz. "Pegamos o clube com uma dívida de R$ 4 milhões e muitos penhores. Nos mobilizamos, negociamos as dívidas e, por ação do nosso departamento jurídico, conseguimos provar que temos bens impenhoráveis. A partir daí, reajustamos e já pagamos boa parte disso".

A escolha foi esvaziar o investimento no futebol e fazer a manutenção de dívidas e reativar o clube social. Hoje, o futebol se mantém com ajuda de conselheiros e torcedores. O clube ainda tem contas penhoradas e quer sanar suas dívidas o quanto antes. Somente então poderá sonhar mais alto. "Hoje, salvamos o clube, mantivemos funcionando. Daqui a uns três anos salvamos o futebol", explicou.

Manter o clube de pé, depois fazer um time forte

Enquanto eu for presidente, o Rio Grande seguirá em atividade, disputando seus campeonatos possíveis com custos mínimos, aumentando sua estrutura, sócios e oferecendo atrativos. Mantivemos o futebol sem grande investimento. Ou eu salvaria o futebol ou eu salvaria o clube. Se eu tentasse montar um time de alto nível, perderíamos o clube mais velho do Brasil".

Cláudio Diaz, presidente do Rio Grande

Tem clubes aqui mesmo na região se dissolvendo porque acham que só o dinheiro resolve. Eles não têm patrimônio. Essa diretoria salvou o Rio Grande. Não temos ajuda da Federação, nada. O clube estava num salve-se quem puder, com pessoas tentando arrancar dinheiro do clube. Gente canalha, pareciam abutres sobrevoando um cadáver."

Cláudio Diaz, presidente do Rio Grande

Fabiellen Brum/ Rio Grande

Como salvar o Rio Grande?

Quando o presidente Cláudio Diaz assumiu o clube, não havia muito a fazer: "A gente lutava para dar o mínimo ao funcionário, não tinha dinheiro nem mesmo para os pagamentos do mês".

Secretário municipal da cidade e produtor rural, o mandatário disse que abriu mão do tempo de lazer e com a família para atender o 'chamamento': "É uma honra ser presidente do Rio Grande. Torço para o time desde pequeno, foi um chamamento que me fizeram, para me unir a outros veteranos numa tentativa desesperada de salvar o clube".

A estratégia partiu para o corte de dívidas com renegociações. Além disso, dar andamento à venda de um terreno de 35 hectares no centro da cidade para um projeto imobiliário. As pendências, hoje, já estão pela metade.

Além de apostar no apelo popular. Recentemente, por exemplo, uma tempestade destruiu parte das piscinas do clube social. O dinheiro da reforma veio de uma vaquinha entre torcedores e associados. O clube mantém entre 400 e 500 sócios efetivos atualmente e criou uma nova modalidade de sócio-empresa, em que os negócios podem se associar e seus funcionários ganham beneficios, como acesso aos jogos, às piscinas e ao clube social.

"E a piscina ficará muito melhor do que era. Estava sem manutenção, uma obra que era um risco para qualquer um", contou Diaz com o orgulho de quem recuperou o clube de seu coração. "Tenho certeza que está salvo. E é uma honra ter prestado este serviço para minha cidade, para o Estado do Rio Grande do Sul e para o futebol brasileiro por tudo que o clube significa".

Acervo do Sport Club Rio Grande

Veterano, sobrevivente, inspiração

"Era 14 de julho de 1900. O jovem alemão Johannes Christian Moritz Minnemann reuniu alemães, ingleses, portugueses e brasileiros para fundar um time de futebol. O encontro aconteceria na Casa dos Atiradores, conhecida como Tiro Alemão. Mas dia 14 de julho é feriado na França pela Queda da Bastilha, maior marco da Revolução Francesa e principal feriado do país. Para evitar que o aniversário do clube fosse exatamente em tal dia, alemães e ingleses preferiram remarcar para cinco dias depois", relatou o historiador de futebol Raul Pons ao UOL Esporte.

A fundação ocorreu, inclusive, sob protesto. O encontro, no Clube Germânia, gerou reclamações em razão da presença de representantes de outras nacionalidades. Ali eram permitidos apenas representantes da alta sociedade teuto-riograndense. O problema precisou ser contornado para que a fundação ocorresse.

Há clubes mais antigos em registros históricos. SPAC, Internacional, Germânia e Mackenzie College, todos em São Paulo, já existiam quando o Rio Grande foi fundado. Mas todos eles interromperam ou encerraram as atividades de futebol em algum período. Flamengo, Vasco e Vitória, por exemplo, também são mais antigos, mas não nasceram como clubes de futebol.

Desde o início, o Rio Grande foi um clube de futebol, com jogos de exibição pelo Rio Grande do Sul documentados. Em 1901, atuou em Pelotas. Em 1903, realizou, entre dois times do próprio clube, o primeiro jogo de futebol da história de Porto Alegre. A cada visita do "Vovô", jovens se inspiravam para criar novos clubes. Conta-se que uma visita à capital inspirou o nascimento do Grêmio, fundado oito dias após uma partida. Na mesma data nasceu o já extinto Fussball. Os dois clubes são oriundos da sociedade germânica.

TÍTULOS DO SPORT CLUB RIO GRANDE

  • 1 Campeonato Gaúcho

    1936

    Imagem: Fabiellen Brum/Rio Grande
  • 1 Divisão de Acesso

    1962

    Imagem: Fabiellen Brum/Rio Grande
  • 1 Campeonato Gaúcho da Segunda Divisão (Terceirona)

    2014

    Imagem: Fabiellen Brum/Rio Grande
  • 1 Taça Centenário da Independência

    1922

    Imagem: Fabiellen Brum/Rio Grande
  • 1 Torneio da Morte do Gauchão

    1962

    Imagem: Fabiellen Brum/Rio Grande
  • 2 Títulos do Interior

    1936 e 1941

    Imagem: Fabiellen Brum/Rio Grande
  • 17 Campeonatos Citadinos

    1914, 1919, 1922, 1923, 1926, 1934, 1936, 1941, 1942, 1944, 1949, 1951, 1961, 1962, 1964, 1965 e 2001.

    Imagem: Fabiellen Brum/Rio Grande
Acervo do Sport Club Rio Grande

Vovô ou Vovó?

Nem todo mundo concorda que o Rio Grande é o clube de futebol mais antigo do Brasil. A Ponte Preta, fundada 23 dias depois do clube gaúcho, diz que o posto é dela. A alegação do clube paulista reside sobre três temporadas: 1972, 1974 e 1976, quando não há registros de participação do Rio Grande nas principais competições estaduais.

"A Ponte Preta afirma ter documentos que comprovam que é o primeiro time de futebol do Brasil em atividade como tal de forma ininterrupta desde sua fundação. O Rio Grande mudou, assumiu outro nome, tem um histórico que mostra interrupção. A Ponte não questiona a fundação anterior. A Ponte se apresenta como primeiro time de futebol do Brasil, fundado como tal, em atividade de forma ininterrupta desde então. Além de ser a primeira democracia racial do futebol brasileiro, com presença de negros entre seus fundadores e dentro de campo. Não questionamos o Rio Grande, apenas reafirmamos nossa posição", disse o clube de Campinas via assessoria de imprensa ao ser questionada sobre quem é o mais antigo.

O Rio Grande sustenta que tem documentos e reconhecimentos que garantiriam o título. Em 1975, por exemplo, a CBD (Confederação Brasileira de Desportos, originária da CBF) reconheceu o clube como o mais antigo do Brasil. Tanto que definiu sua fundação, 19 de julho, como "Dia do Futebol".

"O que a Ponte Preta faz é uma insanidade. Até porque nós temos demonstrado e comprovado por documentos que o Rio Grande é o clube de futebol mais antigo do Brasil e que jamais interrompeu suas atividades esportivas. Temos documentos completos, somos reconhecidos pela Fifa e pela a CBF. A Ponte Preta deveria cuidar mais da vida dela", declarou o presidente Cláudio Diaz.

A reportagem do UOL Esporte procurou a Federação Gaúcha de Futebol e a CBF. A entidade estadual informou que o Rio Grande jamais pediu desfiliação ou deixou de renovar sua licença anual. Oficialmente, manteve-se em atividade, ainda que participando de campeonatos menores, em todos os anos.

A CBF explicou que situações deste porte antecedem sua criação e, pela falta de registros, tal confirmação fica inviável imediatamente. Além disso, reiterou que os clubes são filiados às Federações Estaduais e, posteriormente, à CBF. Por isso, o melhor registro histórico é o local.

Mais antigo do Brasil

O Sport Club Rio Grande é o clube de futebol mais antigo do país em atividade e o primeiro fundado no Rio Grande do Sul. Ele teve um papel fundamental na formação do futebol gaúcho, divulgando o esporte por várias cidades e estimulando a formação de novos clubes. Principal força do estado até 1909, a partir desse ano começou a enfrentar a oposição das equipes de Pelotas e Porto Alegre. Mesmo assim, manteve a hegemonia em sua cidade. Apesar do seu fraco desempenho no futebol há muito tempo, o clube está marcado na história do futebol brasileiro e gaúcho pelo seu pioneirismo no esporte".

Raul Pons, Historiador de Futebol

Matheus Samá Fotografia

Elite é sonho distante

As glórias ficaram no passado e montar um time mais forte parece distante. Hoje, o orçamento mensal do futebol não passa dos R$ 35 mil. Só há um jogador com contrato longo. A maioria dos atletas joga no clube pela "vitrine", recebendo apenas vagas no alojamento, alimentação e pagamento de custos básicos.

"Temos as dificuldades que todo time do interior tem. É difícil conseguir patrocínios para a Terceirona porque a maioria das grandes empresas de Rio Grande não é de Rio Grande mesmo, só estão aqui. Daí patrocinam Inter, Grêmio, Juventude, Caxias, clubes com calendário nacional. Nosso foco está nas categorias de base. Nenhum clube sobrevive sem apostar na base", contou o diretor de futebol Claudio Santana.

Na última temporada, o Rio Grande "bateu na trave" para subir. A temporada aumentou a motivação de recolocar o time no caminho das conquistas. O plano é imaginar a chance de voltar à elite em cinco anos. O olho está em 2027.

"É difícil, mas não é impossível. Fizemos um ótimo time sub-17 em 2019, que muitos seguem conosco e ganharam rodagem. Temos jogadores com 17, 18 anos, com muito futuro pela frente. Temos que ter calma e paciência. Vamos voltando aos poucos", completou Santana.

O problema é a concorrência. Ao mesmo tempo que precisa colocar seus melhores para jogar, o Rio Grande sofre com a ação de outros clubes que, ao perceberem um menino de qualidade, oferecem condições melhores e levam peças sem grande esforço.

Sofremos com empresários, com clubes, que às vezes vão ao próprio pai do jogador e oferecem algo, e tiram o menino daqui. Sabemos, por estar no meio do futebol, que foram para outro clube. Não é fácil".

Claudio Santana, diretor de futebol do Rio Grande

Os meninos novos que chegam aqui muitas vezes não tem ideia do quão grande é o Rio Grande e o significado disso para a carreira deles. Todos os dias conversamos com eles, seja meia hora antes do treino, meia hora depois do treino, vamos mostrando a grandeza disso aqui".

Claudio Santana, diretor de futebol do Rio Grande

Gabriel Xavier/Divulgação
Cláudio Júnior, técnico que pode ser o mais jovem do mundo em um time principal, tem 25 anos

"Cansado" e técnico "mais jovem do Brasil"

O único jogador do Rio Grande com contrato longo é, também, aposta do clube para uma eventual venda futura. E carrega um apelido inusitado: Rafael Dutra é conhecido como "Cansado". O goleiro de 20 anos conquistou a alcunha em razão do ritmo nos treinos.

"Logo que chegou, ele era meio devagar nos treinos. Mas cresceu muito e hoje é um grande goleiro", contou Claudio Santana.

E ainda que aposte em sua história, o Rio Grande também conta com a juventude a seu favor. O técnico Claudio Júnior, que comanda a equipe, tem apenas 25 anos e é citado como "mais jovem do Brasil". Talvez até do mundo.

"Não é uma informação concreta, mas fizemos uma pesquisa e encontramos no máximo um colega de 29 anos, no Espírito Santo. Não tinha nenhum mais jovem em time principal. No mundo, achamos um treinador na Irlanda com 26 anos. Mas, é claro, no mundo tem muitas ligas e países, tem lugares que o futebol é diferente", contou Júnior, filho do diretor de futebol.

"Eu tenho experiência no futebol desde os cinco anos, fiz muitas escolinhas, sempre gostei de ajudar o professor, conversar com os técnicos. Fui amadurecendo muito cedo. Quando comecei a faculdade de Educação Física, aos 17 anos, eu cursava pela manhã e trabalhava como estagiário no São José [de Porto Alegre] à tarde. Tenho uma vivência legal no futebol", disse.

Claudio comandou a equipe que por pouco não conquistou vaga na Divisão de Acesso deste ano. Agora, inicia a preparação para a Terceirona, que será disputada no segundo semestre.

"É uma satisfação enorme estar em um clube com tanta importância no futebol. Eu sou de Porto Alegre, vim para Rio Grande em 2019, conhecia o clube, mas não a fundo. É uma linda história. Aqui se fala muito dos campeonatos e títulos. É muito bacana e gratificante trabalhar no clube mais antigo do país".

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