Foco em Casa

Casagrande conta em novo livro como se livrou da vício em cocaína e heroína: filhos, terapia, Jesus e Baby

Juliana Linhares Colaboração para o UOL, em São Paulo Bruno Santos/Folhapress

"Eu estava com um aspecto deplorável, pesando setenta quilos, furado dos pés à cabeça, com furúnculos pelo corpo todo. (...) Tive uma overdose de droga injetável - cocaína e heroína - na frente do meu filho".

"'Comecei a ter visões de demônios na minha casa. Via uma sombra no banheiro. Aí, eu ia pra sala, tinha cara de demônio no sofá. Eles começavam a aparecer às seis horas da tarde em ponto. Eu sentia algo me pegando, me arranhando as costas'. Foi nesse estado de confusão mental que Casagrande capotou seu carro, em 2007. Ele apagou no volante depois de ter ficado cerca de dez dias sem dormir, sem comer, sob efeito de cocaína, misturada com calmantes e remédios para pressão."

Os momentos descritos nesses trechos são tão trágicos que nos fazem sentir piedade por quem quer que tenha passado por eles. Quando a pessoa é Casagrande, a compaixão ganha "intimidade". Afinal, nós, brasileiros, o deixamos entrar em nossa casa há anos a cada transmissão de futebol.

Num relato brutal da luta que Casão trava contra cocaína, álcool, maconha, heroína e muitos outros demônios, seu novo livro, escrito em parceria com o jornalista Gilvan Ribeiro, é uma leitura não só pra quem gosta de futebol. É pra quem tem interesse em conhecer um pedaço do inferno. E/ou saber como se sai de lá.

O mais carismático e corajoso dos comentaristas de futebol, que virou celebridade da noite para o dia ao marcar quatro gols na estreia como profissional do Corinthians com apenas 18 anos, louco por rock e com forte posicionamento político - hoje, contra o presidente Jair Bolsonaro e, durante a ditadura, na formação da Democracia Corinthiana - conta em Travessia - As recaídas, os amigos, os amores e as ideias que fizeram parte da trajetória da minha vida, da Globo Livros, porque se considera um highlander.

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Leia abaixo outros trechos e informações impactantes do livro.

Bruno Santos/Folhapress

O vício

Casão usou drogas por 37 de seus 57 anos. Teve quatro overdoses, a primeira delas aos 42. Viveu, também, surtos psicóticos com visões do demônio, depressão, várias recaídas e tristíssimos rompimentos familiares. A dependência acabou com um casamento de 20 anos e faz, ainda hoje, com que ele tenha uma relação distante com filhos e netos.

Waltinho, como era chamado em casa, passou por três internações para se livrar das drogas. A segunda, que durou um ano, foi feita de forma involuntária, pelo filho mais velho, depois que o pai sofreu um grave acidente de carro, em 2007. Naquela época, ele injetava na veia uma mistura de cocaína e heroína; e no acidente, quando estava sem dormir ou comer direito havia dez dias, perdeu o controle do carro porque dizia estar fugindo do diabo.

A terceira internação, que durou seis meses, foi em 2015. Casão havia tido um infarto e voltara a beber e a cheirar, especialmente depois da morte de sua mãe, dois anos antes. Ele teve uma depressão severa e mergulhou novamente no vício. O trauma da perda da mãe se equiparou ao da morte da irmã, de um ataque do coração, em 1979. Casão também teve um forte abalo psíquico, o que, segundo ele, contribuiu para a entrada nas drogas. "Quando conheci a cocaína, eu parei de sofrer pela morte dela", diz, de maneira cortantemente honesta.

Bruno Santos/Folhapress Bruno Santos/Folhapress

A visão do diabo

"Casagrande tinha fascinação pelo personagem bíblico Lúcifer, o anjo caído por desafiar Deus. Ele o encarava como o primeiro revolucionário da história. Ao lado disso, existe uma forte mística demoníaca no rock, gênero musical do qual Casa sempre foi fã. O Black Sabbath, uma de suas bandas preferidas, faz diversas referências a práticas ocultistas em suas músicas", diz o livro.

O interesse pelo diabo também levou Casagrande a comprar uma montanha de livros a respeito, estudar e ficar obcecado por fotos e obras de arte com representações do demo. Com o uso pesado de drogas, essas imagens passaram a "aparecer" para ele. A primeira aparição foi na Europa, em 2014, quando ele viajava com a Globo para cobrir os amistosos da Seleção Brasileira contra Turquia e Áustria.

"(...) Estava no hotel, dormindo, e acordei assustado. Tinha o rosto de uma mulher na cortina com um sorriso apavorante. Caralho, aquilo me arrepiou dos pés à cabeça; que porra é essa? Cochilei. Até que veio uma gargalhada alta e estridente. A mulher acenou pra mim. Quase morri de desespero."

As aparições ficaram ainda mais horripilantes na volta para São Paulo.

"Comecei a ter visões de demônios na minha casa. Eu via uma sombra no banheiro. Aí, eu ia pra sala, tinha a cara do demônio no sofá. Isso acordado, sem droga nenhuma. Eles começavam a aparecer às seis da tarde em ponto, antes de eu beber. Sentia algo me pegando, me arranhando as costas. (...) Um dia, um demônio passou andando na minha frente; com cara de gente, cabelo amarelo, de calça jeans e tudo. Eu tava muito assustado. Corri pra internet e coloquei a Bíblia falada pelo Cid Moreira. Deu uma apaziguada no ambiente".

Casagrande passou então a ver marcas do demônio em seu apartamento.

"'Percebi uns pingos de cera enfileirados do sofá até o boxe do banheiro. (....) Manchas apareciam nas paredes. Eu chamava meus filhos, mas eles não viam nada'. '(...) O caçula Symon, que na época estava com 21 anos, conta: 'Parecia mancha de quando você derruba café. E ele falava que era baba'. Os filhos se revezavam para vigiar o pai. Chegaram a levar água benta com a esperança de purificar o ambiente. (...) (Uma das psicólogas que cuidou de Casagrande conta:) 'Segundo ele diz, não estava cheirando nessa época, mas bebia e tomava Rivotril. Aí acordou um dia com a mesa de jantar posta e se assustou: 'Quem veio jantar aqui?' Ele não se lembrava de nada. Na certa, na piração, achou que iria receber gente e montou a mesa'."

Reprodução/TV Globo

O encontro com Jesus. E com Baby

Casagrande quase caiu da janela de seu apartamento em uma ocasião em que tentava fugir das aparições. Neste dia, algo ainda mais impressionante aconteceu.

"Fui pra sala de TV e, quando olhei pra escada, vi todas aquelas sombras vindo na minha direção. Fui me afastando, encostei na parede da janela, e comecei a rezar o Pai Nosso, a única oração que eu sabia. Mas nesse instante, ouvi a voz de Lúcifer dizer assim: 'Não adianta, você não tem fé no seu Deus!'. Aí eu pensei: 'A casa caiu, agora fodeu!' E eles vindo, eles vindo... De repente, ficou tudo branco, e eu comecei a falar orações que nunca tinha ouvido na vida. Entrei em transe, dizia que Cristo vive no meu coração, que o sangue de Cristo corre nas minhas veias e concluí: 'Jesus está na minha casa, vocês vão sair, não podem me atacar porque Cristo está aqui!' E os demônios foram se afastando, até sumirem".

Casão diz que não se tornou evangélico e que também não tem outra religião. "O máximo que concedeu foi dar o testemunho (do que passou), em 2016, na Assembleia de Deus Novo Tempo, em São Paulo. Mas a experiência com o divino também o aproximou de outra deusa, ao menos para ele: a cantora Baby do Brasil. Ela é pastora evangélica e fundadora do Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome do Senhor Jesus Cristo.

"'A Baby era a minha musa na juventude (...). Sempre fui louco por ela, pela voz, sensualidade e atitude transgressora'. (...) Ele deixou passar a primeira chance que teve para se aproximar da cantora, em 1990, por culpa da cocaína. Os dois se encontraram em uma festa em Nova York, Baby viu Casagrande cheirando, e falou: 'Casão, eu vim aqui te entregar a palavra de Jesus'. E escutou: 'Pô, Baby, Jesus a essa hora?' (...) O reencontro só aconteceria anos mais tarde, em 2016. Casa já tinha embarcado na fé e procurou a cantora para lhe contar a novidade".

"'Eu dei um abraço nele e o ungi com óleo. Ungi a laringe, a faringe, o nariz, todo lugar que tinha sido violentado com a cocaína. Pedi para ele repetir comigo (frases) de quebra de maldição", conta Baby, no livro. Nesse ponto, segundo Baby, as pupilas de Casagrande ficaram enormes e, ao final da cerimônia, ele explicou: "Enquanto você estava orando, o inimigo falou 'Não ouça, porque ela é uma bruxa'. Meus olhos ficaram turvos e seu rosto começou a virar quase o de um monstro. Mas eu lutei e consegui!'", segue o relato.

Divulgação

Um namoro muito louco

Baby e Casagrande começaram a namorar. A cantora não se relacionava com alguém havia 18 anos. Por conta de sua orientação religiosa, estava esse tempo todo sem beijar na boca e fazer sexo. Assim, o namoro do casal assumiu particularidades punks.

"A gente saía muito em São Paulo. Ela gosta de dançar pra caralho, entrava na pista às dez da noite e saía às cinco da manhã. Era legal pra caralho! Eu me divertia, só tomando água". Quando os dois iam ao Rio de Janeiro, o ritmo era o mesmo: "Um taxista amigo da Baby tem uma boate no carro, com luz negra, lâmpada estroboscópica, um puta som, muito louco! A gente ia pela avenida Niemeyer, parava no mirante do Leblon, o cara descia e trazia água de coco pra gente. Ficávamos até altas horas conversando".

O livro conta que foram mais de três meses "só no bate papo", com no "no máximo, mãos dadas e beijinho na bochecha". Tudo mudou em uma visita a uma padaria de madrugada - eles não se sentavam próximos "para não ceder a tentações": "Aí foi aquele beijo de metro, bacana pra cacete, porque era o primeiro depois de dezoito anos", descreve Baby.

"Mas ela só faria sexo com um parceiro que tivesse certeza de ser para a vida toda e, ainda assim, depois de um casamento formal sob as bênçãos de Deus. Casão topou, deu até entrevista sobre o tema no Fantástico, mas a realidade se impôs. 'Cara, ela não fazia sexo, ela não faz sexo. Namorei por sete meses sem sexo. Respeitei isso o tempo todo, até que não deu mais pra segurar. E, pô, eu não tava a fim de me casar'", explica Casão. Outras questões pegaram, como os hábitos notívagos de Baby e a novidade de ser seguido por paparazzi.

Como fazia com a cocaína, Casagrande muitas vezes se exacerbava nos amores. Dizia para mulheres que conhecia há pouco que estava apaixonado e queria casar. Algumas acreditaram e todo mundo se estrepou. Quando reconheceu o comportamento, passou a adotar uma prática ainda mais curiosa: "Enquanto fui sua acompanhante terapêutica, fiz parte de todos os relacionamentos dele. Para todas as ficantes, ele passava meu celular", conta Graziela Maria. "Começava a ter dificuldade com a fulana, falava pra ela: 'Não sei te explicar, fala com a Grazi'. Aí, do nada, a moça me ligava. Então, eu tomava um café com ela e fazia um gerenciamento".

Filhos: problema e longo caminho

Casão hoje está sozinho e diz querer se concentrar em recuperar um outro tipo de amor, o dos filhos. Victor Hugo, Leonardo e Symon penaram muito por serem seu plano B por tanto tempo. O A era a droga. O consumo se intensificou em 1998, quatro anos após ele ter deixado o futebol. "Veio o vazio do vício da adrenalina. Jogos, concentrações e viagens supriam a necessidade de aventura e euforia que Casão tem, e os treinos regulavam em seu corpo os hormônios responsáveis pela sensação de bem-estar."

"Symon foi o mais impactado. (...) Ele fez o pai chorar com um desabafo no Programa do Faustão, quando tinha dezoito anos, em 2011". No depoimento, ele se disse traído ao saber que o pai era usuário de drogas. "É difícil dizer que me sinto seguro de que ele se estabilizou. No momento, ele está bem. Mas nunca se sabe o que pode acontecer", diz Symon, no livro. Ele tentou também ser jogador. Hoje, estuda jornalismo, com foco em esportes, e mora com o pai.

Seu segundo filho, Leonardo, é o assessor pessoal e administra os negócios de Casagrande. Também tentou jogar. Tinha a posição, o cabelo e o corpo do pai. Saiu de campo por causa de lesões, mas contribuíram as provocações de outros atletas por causa do vício do pai. "Eu brigava muito em treinos e era expulso com frequência". Leonardo reformou o apartamento do pai, o mesmo em que ele via os demônios. "Do quarto, ele não vê mais o box e fizemos um espacinho do rock, com a guitarra (uma Gibson Les Paul preta) dentro de uma portinha de vidro".

Victor Hugo, o primogênito, tem temperamento conciliador. Mesmo em situações dramáticas, como a que o pai capotou o carro e coube a ele, aos 21 anos, a decisão de interná-lo compulsoriamente. É redator do programa Hoje em dia, da TV Record. Ele conta que não é próximo do pai e que Casão também não tem intimidade com seus dois netos. "Talvez tenha sido por uma questão de trabalho, talvez um pouco pelo jeito dele também. Difícil exigir. Ele deve fazer o que tem vontade".

Divulgação Divulgação

Os amigos do rock

São comoventes os depoimentos de amigos famosos que sem hipocrisia contam que cheiravam também, muitas vezes com Casagrande, e que, posteriormente, tentaram tirá-lo do vício - sem sucesso. A resistência física desenvolvida no esporte tornou-se um agravante para Casão. Por conseguir processar doses cavalares da droga sem passar mal, ele avançava cada vez mais.

Kiko Zambianchi

Por dois anos usou heroína. Parou antes de Casagrande e por isso achava que poderia ajudá-lo a parar também. "A fim de criar um clima familiar, levou sua mulher e a ex-mulher para uma conversa com o ex-jogador. Casagrande não se sentiu nem um pouco inibido: diante da plateia, injetou cocaína na veia com a maior naturalidade. (...) 'Ainda por cima, pediu para eu segurar o garrote', relata o cantor. A cena se deu em 2007. (...) 'O tempo inteiro ele usava camisa de manga comprida, um puta calor de quarenta graus, pra esconder as picadas'".

Paulo Miklos

Com o Titã, tinha um programa na rádio Transamérica. Os dois cheiravam antes e depois. "A droga não ajudava em nada. Você tem que entrar ao vivo, uma trava, uma coisa terrível! O coração vem na garganta, é um desserviço total. E mesmo assim, era uma grande curtição. A gente se divertia de ver o outro suando frio", conta Miklos. Em 2006, quis parar de cheirar, entrou em tratamento e se afastou de Casagrande. Se livrou das drogas sem ter tido recaídas; nem no período mais difícil de sua vida, entre 2012 e 2014, quando perdeu a mãe, a mulher e o pai.

Lucas Lima/UOL

Nasi

Os dois também tiveram um programa de rádio, em 2005. Nasi, que usara cocaína por muitos anos, tinha parado em 1997. O vocalista do Ira! diz que tentava convencer Casão a fazer o mesmo. Não só não adiantou, como um dia, ele temeu dançar na mão do amigo. Depois de se encontrarem para um trabalho, Casa lhe ofereceu carona. No caminho, sua casa ficou para trás.

"Percebi que ele tava no celular, combinando com um mala para comprar pó. Ele parou embaixo da ponte da Casa Verde, saiu do carro e pegou a cocaína. Fiquei pensando: 'Caralho, se eu sou preso, quem vai acreditar que eu tô limpo?'. Teve um dia que eu falei pra ele: 'Casa, porra, senta a bunda nos Narcóticos Anônimos, cara'. E ele rebateu: 'Ah, isso não pega nada!'. Mais pra frente, ele capotou o carro".

Nada mais de tiro e muvuca. Só uma caveirinha

Foram quase dez anos de batalha, de 2007 a 2015. Muito médico e psicólogo envolvido, mudanças de hábitos simples e complicadíssimas e até atenção ao vocabulário. Nesse tempo todo, Casão foi acompanhado por psicólogas, chamadas de acompanhantes terapêuticas, que ficavam ao seu lado em quase todas as situações.

Elas, foram quatro, o levavam ao teatro, iam aos encontros de família, o ajudavam a resolver problemas com a Globo e, claro, tentavam impedir que ele se drogasse. As grandes preocupações eram as festas. Num encontro com antigos amigos, deu-se a seguinte cena: "Pegamos um quiosque pra todo mundo, e ele sentou em uma mesa separada com a psicóloga, porque ela falou que aquele clima de euforia não era bom pra ele. O pessoal estava rindo, bebendo, dançando. Ele ficou afastado, podia ver e ouvir a gente, mas não no meio da muvuca. A galera ia se revezando pra sentar e conversar com ele", conta o amigo Wagner de Castro.

"O ponto de virada foi em 2015. Casão se impôs o desafio de nunca mais consumir droga, incluindo o álcool. Baniu de seu vocabulário diminutivos como 'um chopinho', 'um tirinho' e 'um baseadinho', utilizados por dependentes para se iludirem com a ideia de que pequenas quantidades, de forma esporádica, não lhes fazem mal". (...) Por muito tempo, ele deixou de usar banheiros de lugares públicos, com medo de cair na tentação e voltar a cheirar, como fez em bares, por décadas.

Casagrande também abriu mão de assistir a filmes de terror, que sempre gostou. "O que eu não vejo, mesmo, são filmes de possessão demoníaca".

É no quesito diabo, entretanto, que está uma importante demonstração de que Casa está bem. No episódio em que Baby o "ungiu", ela ainda tirou dele dois anéis de prata com imagens de caveira. "Tive que chamar amigos muito fortes porque nem a marreta os quebrava, e eles foram jogados no mar", ela conta. Tempos atrás, Casão comprou um anel praticamente idêntico àqueles. "Em sua concepção, trata-se de um adereço que remete ao rock. Pediu a bênção de Jesus e passou a andar com anel de caveira outra vez."

Bruno Santos/Folhapress Bruno Santos/Folhapress

A taça particular da Copa de 2018

Walter Casagrande Júnior emocionou todo mundo, quando, na transmissão da final da Copa do Mundo da Rússia, pegou o microfone e contou que aquela era a primeira Copa em que havia permanecido sóbrio.

"'Foi uma Copa para se marcar, foi a Copa das grandes viradas, das emoções, de uma nova ordem no futebol. Foi a Copa dos imigrantes, que vêm fortalecendo o futebol desses países!', bradou a plenos pulmões (Galvão Bueno). Ao passar a bola para Casagrande, o locutor jamais podia esperar aquele chute de primeira, do companheiro de bancada. 'Galvão, essa é a Copa mais importante da minha vida! Tive uma proposta de chegar aqui pela primeira vez numa Copa do Mundo sóbrio, permanecer sóbrio e voltar pra minha casa sóbrio', disparou Casagrande. 'Então, eu tô muito feliz', sussurrou, antes de cair no choro".

"O comentário era surpreendente tanto pelo tema inesperado como pela sinceridade acachapante de revelar ao público que não estivera sóbrio em nenhum dos Mundiais anteriores de que participara como comentarista e até mesmo como jogador. Em 1986, no México, ele foi fotografado bebendo cerveja com o volante Alemão, sem camisa, num show de Alceu Valença."

Mathilde Missioneiro/Folhapress

Passando a história adiante

Hoje em dia, Casagrande dá palestras sobre o combate ao vício, apoio em sessões de terapia coletiva e, junto com psicólogos, leva dependentes químicos em tratamento para jantares, shows e até mesmo casas noturnas. Resolveu fazer esse trabalho para ajudar gente que passa pelo inferno que ele conhece bem. Aproximou-se também da deputada federal Tabata Amaral (PDT), cujo pai morreu de overdose de crack, para pensarem estratégias públicas de combate às drogas entre os jovens.

Na abertura do livro, ele crava: "Dedico este livro a todos os dependentes químicos, principalmente os da Cracolândia, vítimas do descaso do poder público na recuperação deles".

Casão não foge mesmo à luta. Em 2018, assinou o manifesto "Democracia sim", junto com um grupo de artistas, intelectuais e outros representantes da sociedade civil, posicionando-se contra a candidatura de Jair Bolsonaro. No ano passado, organizou um evento no Memorial do Parque São Jorge novamente em favor da soberania popular. "O momento do país é delicado, existe um movimento antidemocrático muito forte".

"Não usar droga é a melhor loucura", diz Casão

Em entrevista ao UOL, Casagrande fala de como é a vida hoje, sem a euforia e a tragédia da droga.

As drogas renderam muitas experiências ruins para você, mas imagino que tenham também dado mais intensidade a bons momentos. Sente falta de alguma das experiências que tinham mais vibração quando vividos com droga e/ou álcool?

O uso de drogas foi um período grande, difícil, horrível, trágico até. Lutei muito pela minha recuperação e hoje vivo uma sobriedade plena. Tenho muitos prazeres, como teatro, cinema, música, conversar com os meus amigos, shows, tomar café na livraria, ler livros. E nada disso me lembra a falta de adrenalina. Eu não sinto mais falta da vibração. Encontrei o meio-termo do prazer real. Eu curto e tô feliz sem euforia; no prazer justo que a vida tem.

Muita gente te ajudou na jornada contra o vício. Teve alguém, no entanto, que te prejudicou?

Não. Fui internado, dei minhas patinadas depois, mas eu só tive pessoas que me ajudaram. É claro que quem passava droga me prejudicou. Mas das pessoas ao meu redor, ninguém me puxou pra baixo ou deixou de me dar moral e me jogar pra frente.

Depois de tudo o que passou, você vive melhor hoje em dia traçando metas para o futuro ou procurando viver o hoje?

Eu vivo o hoje, o presente. Fiquei muitos anos sem curtir a realidade. Mas a minha cabeça funciona muito pra frente. Tenho vários projetos pro futuro. Quero produzir shows, por exemplo, depois que passar a pandemia.

O que te dá barato hoje?

Tudo. É incrível porque por muito tempo eu usei droga pra ficar eufórico e louco, e hoje, a caretice que eu tenho em não usar droga é a melhor loucura pra curtir. É bem mais legal agora.

Lucas Seixas Lucas Seixas

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