Um pedido de ajuda

Campeão de 1958 e ex-ídolo do Fla, seu Moacyr não recebe do INSS há oito meses e não consegue comprar remédios

Roberto Salim Colaboração para o UOL, em São Paulo Reprodução/Que Fim Levou

Quando o Flamengo entrou em campo para enfrentar o Barcelona de Guaiaquil na estreia da fase de grupos da Copa Libertadores, ainda antes da paralisação do futebol pela pandemia do coronavírus, ninguém da nação rubro-negra — técnico, jogador, dirigente ou torcedor — deve ter lembrado que no Equador vive um flamenguista doente. Um dos poucos campeões do mundo de 1958 ainda vivos. Doente de paixão e de saúde.

Seu Moacyr Claudino Pinto foi reserva de Didi, o Folha Seca, na Copa do Mundo da Suécia. Na época, ainda jovem, encantava a todos com seu futebol refinado e veloz no meio campo. Não tanto a ponto de substituir o Príncipe Etíope, o termômetro daquela seleção brasileira de sonhos, mas encantava.

"Didi era insubstituível", admite o próprio Moacyr, que formava o ataque rubronegro nos anos 50 ao lado de Joel, Dida e Zagallo — todos convocados por Vicente Feola para aquela campanha em campos suecos. Didi, é bom lembrar, acabou eleito o melhor jogador daquele mundial.

Reprodução/Que Fim Levou

Pois bem, esse antigo campeão do mundo, que vai completar 84 anos em maio, sabe tudo sobre o Flamengo atual. Nem mesmo as dificuldades da vida o afastam do esporte. Seu Moacyr está doente, após um pré-enfarto, em tratamento no bairro de Pancho Jacome, a 30 minutos do centro de Guaiaquil. "Mas mesmo em tratamento, eu acompanho tudo do meu time pela TV".

Conversando poucos minutos com ele, dá para perceber que sabe dos detalhes do esquema ofensivo do português Jorge Jesus. Elogia os pontos fortes, faz algumas ressalvas, mas avisa: não dá para comparar este Flamengo de Gabigol com o seu time, que chegou a ter no comando de ataque o incomparável Evaristo Macedo, que brilharia nos dois grandes da Espanha: o Barcelona e o Real Madri.

"Tenho visto, sim, o Flamengo. Vi a final da Libertadores contra o River e a virada no fim. Vi a outra final, vi agora o título da Recopa Sul-Americana. Estou seguindo bem o Flamengo. Vejo todos os jogos pela TV e sei a situação que o clube está passando".

É um time bastante compacto. Tem um bom 'centro-delantero', que é o Gabriel, goleador da equipe, tem um lateral que jogava na Europa, o outro, o Rafinha, que era do Bayern de Munique. Tem goleiro firme. A defesa do Flamengo é bem regular

Moacyr, reserva de Didi na Copa de 1958

Reprodução/Arquivo Pessoal/Que Fim Levou Reprodução/Arquivo Pessoal/Que Fim Levou

De craque a técnico no Equador

Seu Moacyr mora no Equador desde os anos 60, quando encerrou sua carreira de futebolista e tornou-se treinador de formação na equipe do Barcelona de Guaiaquil. Depois, trabalhou com os times juvenis da Escola do Exército, na cidade de Loja, que faz a fronteira com o Peru.

"Fui também o treinador que levou uma equipe equatoriana de futebol pela primeira vez a um campeonato mundial. A seleção sub-16, que se classificou no Peru para o Campeonato Mundial de 1976, nos Estados Unidos".

Além disso, tem um título de campeão nacional do Equador, atuando como técnico e jogador no ano de 1966 pelo Barcelona. "O treinador da época pediu demissão e o presidente solicitou que eu, como jogador experiente, assumisse o cargo e continuasse jogando. E fomos campeões".

Nessa época, Moacyr era protagonista. Saía na capa da "Revista Estádio" e era chamado de "Virtuoso del Balon". No ano seguinte, continuou comandando o grupo e foi treinador do Barcelona na Copa Libertadores. "Verdade: em 1967, fui o técnico na Libertadores e disputamos a primeira fase contra times do Chile, do Paraguai e com o Nacional de Montevidéu".

O Barcelona não passou à etapa seguinte, mas conseguiu uma vitória memorável por 2 a 1, em Guaiaquil, sobre os fortíssimos adversários uruguaios, que tinham um timaço na época.

Reprodução Reprodução

Essa aventura internacional de Moacyr por gramados sul-americanos começou quando deixou o Flamengo, onde atuou de 1956 ao começo de 60. Era uma estrela em ascensão e chamou a atenção do River Plate: chegou a ser capa do legendário "El Grafico", no ano de 1961.

Na sequência foi para o Peñarol, onde ficou de 1962 a 1963. Depois jogou no Everest do Equador. E, de 1964 a 1970, foi ídolo do Barcelona de Guaiaquil. Encerrou sua carreira aos 41 anos no Carlos Manucci, de Trujillo, no Peru.

Fez grandes amizades na região. Fez cursos com treinadores e professores argentinos. Tinha a admiração e o respeito dos fãs do futebol. "Vivo há 54 anos no Equador", conta o ex-jogador flamenguista, que constituiu nova família em terras equatorianas. É casado com Marta, tem três filhos (Jordan, Júnior e Claudete) e vivia razoavelmente bem até 2013, quando foi traído pela primeira vez pelo coração.

"Sofri dois enfartos e fui atendido no Hospital Universitário de Guaiaquil, onde passei um mês e 15 dias internado. Depois, fui levado para uma clínica, onde fiz cateterismo e fiquei em tratamento mais um mês e dez dias".

"Perguntam se tenho casa no Brasil. Vivo no Equador há 54 anos!"

Na ocasião, o campeão do mundo foi amparado pela Associação dos Campeões Mundiais, sob o comando de Marcelo Neves, filho do grande Gylmar dos Santos Neves, seu companheiro na campanha gloriosa de 1958. A luta foi tanta pelo reconhecimento dos velhos campeões que até se conseguiu um prêmio de 100 mil reais e uma aposentadoria permanente. Hoje, seis jogadores da campanha de 1958 estão vivos: Dino Sani, Mazzola, Moacyr, Pelé, Pepe e Zagallo.

"Recentemente, liguei para o Marcelo. A ligação estava ruim, estava chovendo e eu entendi que a associação nem existe mais", conta Moacyr.

Na verdade, Marcelo Neves declarou que há quatro meses não consegue patrocinadores para as promoções que visam ajudar os velhos campeões de 58 e 62 porque a CBF não tem credibilidade. "Diante de tantos escândalos, ninguém quer patrocinar qualquer projeto. E também a nova direção da CBF não mostrou o menor interesse na causa dos jogadores com necessidades financeiras".

Com relação à aposentadoria que recebia pelo INSS, Moacyr diz que estão pedindo novos documentos e fazendo perguntas que ele acha que são descabidas. "Estão me pedindo novos papéis. Se eu tenho casa, se eu tenho carro, uma confusão tremenda. Eu vivo no Equador há 54 anos e recebo papéis onde se pergunta se eu tenho casa no Brasil".

A reclamação chega ao mesmo tempo em que o INSS vive uma crise. Existe uma fila de dois milhões de pessoas em busca de benefício e o Governo Federal tenta arrumar meios para fazer as análises devidas em cada processo - incluindo retirar 7.000 militares da aposentadoria para trabalhar em agências da Previdência. Essa demora é fruto das revisões pelas quais passam os pensionistas por ordem do Governo Bolsonaro — as perguntas a que seu Moacy vem respondendo são parte desse processo.

Segundo a Lei dos Campeões Mundiais, todos os atletas vivos das campanhas de 1958, 1962 e 1970 têm direito a aposentadoria desde que não tenham rendimentos superiores ao teto da Previdência — que hoje está em R$ 6.101,06. O INSS paga um salário que permita aos que se enquadram neste perfil chegarem ao valor máximo permitido.

Reprodução

Aposentadoria suspensa servia para comprar remédios

A preocupação com a saúde aumentou no final do ano passado. "Eu sofri um pré-enfarto no dia 16 de dezembro. Mas, graças a Deus, eu me salvei porque tinha um cateterismo. Fui levado com urgência ao hospital, passei por exames e agora estou na etapa de recuperação, embora tenha tido também complicações. Primeiro no pulmão esquerdo e depois no direito. Não estou bem, bem, bem, mas estou muito melhor".

"Acontece que eu não tenho meios de me manter pois não posso trabalhar. E minha aposentadoria... Como eu já disse, não recebo o dinheiro regular faz mais ou menos sete ou oito meses. Minha aposentadoria está suspensa aí no Brasil. E esse dinheiro me servia para comprar remédios. Tomo nove pastilhas por dia".

A velha solidariedade dos personagens simples do futebol entra em ação na cidade de Guaiaquil. "Velhos jogadores meus nos tempos em que fui técnico tem me ajudado a comprar os remédios. Jogadores que foram meus atletas no Barcelona, no Filanbanco compram remédios e me ajudam com algum dinheiro. Essa é minha situação atual"

Situação pouco confortável.

"Peço, por favor, ao senhor presidente da CBF, se ele puder me ajudar, eu e minha família vamos ficar muito agradecidos da resposta que ele nos der. Não sei como vou sair de tudo isso. A situação está cada vez mais complicada. Não estou muito bem, mas também não posso dizer que estou muito mal. Graças a Deus, ainda posso falar bem, tenho alguma memória. Estou lembrando de tudo que fiz e que deixei de fazer. Somente tenho essa necessidade de saúde".

Confundido com Pelé

Nessas lembranças guardadas em sua mente, tem uma história divertida ocorrida na Suécia, no dia 29 de junho, durante a comemoração da conquista da Taça Jules Rimet. Houve uma recepção festiva para a delegação brasileira. Alguns jogadores foram, outros não.

"Eu fui. E toda hora perguntavam se eu era o Pelé. As moças passavam a mão no meu braço achando que ia sair a 'tinta'. Perguntavam se eu era o Pelé e eu, sem jeito, sempre negava. Até que eu caí em tentação. Disse que era, sim, o Pelé. E foi muito bom!"

Embora bem humorado, lúcido e com disposição, Moacyr não vai ao estádio do Barcelona em Guaiaquil há algum tempo. Já disse que não vai também ao estádio para ver o Flamengo para a partida do clube no Equador, quando a Libertadores voltar a ser disputada. Mas já visou: ficaria muito feliz se alguns jogadores, quando forem ao país, fossem visitá-lo em sua casa, que fica a meia hora do estádio.

Ele iria se sentir como o menino que saiu do Orfanato em Cotia e partiu para os testes na Gávea no começo da década de 50. Moacyr reencontraria a juventude. Quem sabe Gabigol, Bruno Henrique e Éverton Ribeiro não encontram um tempinho para descer de patamar para ir até a casa do Seu Moacyr ouvir as histórias de um campeão do mundo?

Por poucos minutos. Então, a esses meninos convocados agora pelo técnico Tite para as eliminatórias da Copa do Mundo ele diria que são bons jogadores, sim, mas faria uma ressalva: aquele ataque rubro-negro de 1958 era melhor.

"Ah, era muito melhor!".

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