Eu, atleta

Atletas paraolímpicos odeiam coitadismo e querem ser tratados como são: atletas

Felipe Pereira Do UOL, em São Paulo Lucas Lima/UOL

Os Jogos ParaPan-Americanos de Lima começam hoje (23), e apelos para o incentivo ao esporte paraolímpico devem aparecer na sua timeline nos próximos dias. Vai ter textão de autoajuda, clichês piegas de superação e discursos de coitadismo. Nenhum deles sairá da boca dos esportistas porque eles odeiam coitadismo.

Os atletas brasileiros no ParaPan querem a sua atenção pelas suas façanhas. A elite nacional que está no Peru se preparou num centro de treinamento de cair o queixo. Fica em São Paulo e é um lugar que as pessoas pensam só existir no Canadá, na Dinamarca ou em países desses com fama de que tudo por lá funciona.

O centro de treinamento é grande a ponto de ser fácil se perder. A água da piscina é tão azul que ninguém consegue evitar a vontade de nadar. Ginásios existem aos montes. É normal sentir bolinhas passando zunindo nas sedes do tênis de mesa ou no tênis de quadra. O atletismo conta com um estádio.

Nos dias em que o UOL Esporte esteve por lá, chilenos olhavam boquiabertos a pista de corrida do complexo, localizado na rodovia dos Imigrantes, zona sul de São Paulo. Eles alimentavam grupos de WhatsApp com fotos de legenda em espanhol e emojis de espanto. Até a arquitetura do centro de treinamento é singular. Tem a cara futurista dos prédios que abrigam startups tecnológicas.

O centro de treinamento é habitado por gente diferenciada. Atletas que saem jovens de casa para apostar numa carreira esportiva. Agora pense se essas pessoas se consideram coitadinhos? Ser tratado assim até irrita. Quem sente pena acredita possuir algo que o outro não tem. E os esportistas não se acham menores em nada. A única diferença para a maioria dos brasileiros é que eles têm barriga definida e bíceps de super-herói. No mais, é tudo igual. Por isso, querem ser tratados pelo que são: atletas.

Lucas Lima/UOL

João Victor - arremesso de peso

Quem olha João Victor pode cantar, sem vergonha, a canção de Alcione que diz "você é um negão de tirar o chapéu". Uma fortaleza, João é robusto como um pinheiro centenário. Não surpreende a escolha de um esporte que precisa de força: o arremesso de peso. A bola de ferro tem pouco mais de 7 kg e fica pequena na mão dele. A impressão é que ele vai arremessar do outro lado do campo.

Pensamentos de fragilidade, tão associados a atletas com deficiência, não combinam com tanta potência. A imagem também faz parecer que os atletas do ParaPan são pessoas tristes. É bem o contrário. João Victor é boa praça, tocador de pandeiro e amante de samba. Com uma quedinha especial por Arlindo Cruz.

Ele tatuou no peito os arcos da Lapa, lugar da boêmia carioca e das rodas de samba. A foto de WhatsApp é com chapéu Panamá - como Zé Carioca e Monarco, líder da velha guarda da Portela. O atleta também se valoriza. "Eu gosto bastante da minha perna quando ela tá depiladinha. E do meu peito também".

João Victor é do time "deixa a vida me levar". É feliz e agradece por tudo que Deus lhe deu. "Acho que esporte paralímpico vem para mostrar que o atleta é um ser digno e não necessita que sintam pena dele".

Junior - basquete

Atleta tem uma cabeça diferente daquela que eu ou você temos. Músculos não são cultivados para garantir a foto perfeita para o Instagram, mas são o resultado do trabalho de quem está disposto a tudo para ganhar. Treinamento pesado, broncas de técnicos, puxar ferro até o braço tremer e alimentação regrada são pré-requisitos da profissão que Junior escolheu.

Ele adora essas sensações. Não liga para as mãos serem cascudas como as de um boia fria porque o basquete em cadeira de rodas exige mudanças repentinas de direção e aceleração rápida. O atleta também domina as técnicas do esporte, como empinar a cadeira de lado e ficar apoiado em uma única roda para ganhar altura e evitar tocos.

E na hora do chute, Junior tem precisão. Quando a reportagem esteve lá, acertou sete bolas de três pontos em sequência. Mas também é preciso dentro do garrafão. Na seleção, joga como pivô. Aliás, ser da seleção enche o atleta de orgulho. Ouvir o hino antes de uma partida gera aquele sentimento de que é preciso se beliscar para comprovar que é verdade. Ele realiza um sonho que cultiva desde os sete anos.

"Dei o primeiro toque na bola e soube que o esporte iria mudar minha vida".

Roberto - natação

Roberto consagrou a vida ao esporte. Quando tinha 22 anos, recebeu proposta para treinar em alto nível. Trocou a casa dos pais e as praias em Florianópolis por um quarto num apartamento em São Paulo. Deu certo. Hoje, vive a rotina de atleta olímpico. Chega no centro de treinamento às 8 horas da manhã e só sai à noite. Diante de tanta dedicação, fica puto quando sentem pena dele.

"Eu não gosto quando me tratam de coitadinho. Falam para eu olhar minhas pernas e esperam eu fazer cara de triste", reclama Roberto. E levanta os dedos médios das duas mãos.

O atleta foi campeão dos 100m peito no Mundial de 2013. Resultados na assim atendem a um um traço de personalidade. Roberto tem espírito competitivo. Fazia corridas com os amigos nas aulas de natação quando criança.

Sem poder bater as pernas, perdia. Mas sabia quando poderia dar o troco. Nos dias em que o professor dizia que iria medir quem fica mais tempo embaixo d'água, Roberto ria internamente. "Melhor tempo que eu conseguia eram quatro minutos".

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