Muito antes do 'Gordiola'

Guto Ferreira vendeu sorvete em estádio e foi gandula antes de iniciar sonho para ser técnico de futebol

Marcello De Vico Do UOL, em Santos (SP) Jhony Pinho/AGIF

Guto Ferreira nunca jogou profissionalmente, mas desde cedo teve o futebol no seu dia a dia. Sabe o que ele fazia para ver os jogos mais de perto quando criança? Vendia sorvete nas arquibancadas em Piracicaba (SP), sua cidade natal. Mas ainda estava um pouco longe, ele queria ver o jogo mais de perto? Virou, então, gandula! Mais perto que isso só jogando mesmo, né? Ou no banco de reservas.

Em entrevista ao UOL Esporte, o técnico do Ceará conta como tudo começou, desde quando tinha 16 anos e comandava a molecada de 12 do colégio, passando pelo início no XV de Piracicaba e chegando ao São Paulo, onde foi multicampeão na base.

Guto rodou o Brasil, passou pela Europa e voltou ao futebol brasileiro antes chegar em seu melhor momento no futebol. O técnico de 55 anos nunca esteve tão em evidência, algo que não só tem a ver com o carinhoso apelido de 'Gordiola', mas também pela sua sólida trajetória nos últimos anos.

O apelido, que surgiu em 2014, dado pelo jornalista Flávio Prado, após a boa campanha de acesso da Ponte na Série B, é uma mistura da forma física de Guto com a comparação a Pep Guardiola, um dos maiores treinadores do momento, atualmente no Manchester City. Nada mal, né?

Jhony Pinho/AGIF

"Vendia sorvete e depois virei gandula"

Guto explica como fazia para ficar mais perto do futebol

Permanência no Ceará: "Não basta uma camisa pesada"

O título da Copa do Nordeste 2020 e o trabalho sólido na última temporada — com direito à vaga na Sul-Americana após dez anos —- deixaram o nome de Guto Ferreira mais forte no mercado. O Ceará tratou de renovar com o treinador até o fim de 2021, e pelo jeito não será qualquer proposta que o tirará de Fortaleza.

"Eu estou feliz, tenho respaldo diretivo, um clube equilibrado, uma presidência que sabe o que quer, diálogo fácil, sonha alto como eu sonho e me valoriza. Então não tem por que eu mudar por qualquer coisa. Tem que ter um projeto que valha a pena. Houve sondagens, não, efetivação. Hoje, as sondagens não mexem mais comigo. Só com propostas oficiais eu vou parar pra pensar."

Guto Ferreira nunca esteve tão em evidência. Nos últimos anos, acumulou feitos que justificam a ascensão: em 2013, ficou 16 jogos sem perder na Ponte Preta e levantou o Troféu do Interior do Paulistão; em 2014, ainda com a Macaca, foi vice da Série B; em 2015, livrou a Chape do rebaixamento no Brasileiro e levou o time às quartas da Sul-Americana; em 2016, conquistou o Catarinense e, já pelo Bahia, conseguiu novo acesso.

Ainda pelo Tricolor baiano, venceu a Copa do Nordeste em 2017, ano em que retornou ao Internacional e alcançou mais um acesso à Série A. Já em 2018, de volta ao Bahia, faturou o Estadual e, em 2019, foi campeão pernambucano com Sport e, adivinha só...mais um acesso na conta.

Foi muito gostoso terminar da maneira que terminamos a temporada, e o objetivo é buscar fazer melhor, o desafio é maior, e isso me move, e tenho certeza de que não move só a mim, mas toda comunidade do Vozão e o torcedor. Nada como projetos desafiadores."

Guto Ferreira, técnico do Ceará

A vida vai te ensinando algumas coisas que são importantes. Você não pode viver para trabalhar, você tem que trabalhar apra viver. E para você ter essa segunda opção, desfrutar da sua vida, você tem que estar feliz onde está."

sobre permanência no Ceará

Kely Pereira/AGIF  Kely Pereira/AGIF

"Presidente, preciso de quatro dias de folga"

Folga. Uma palavra rara no atual vocabulário do futebol brasileiro, ainda mais em tempos de pandemia, com campeonatos colados uns nos outros. Mas Guto conseguiu...

"Para não dizer que não vou ter folga, esse ano completo 25 anos de casado, faço bodas de prata", diz. "Não dá dois meses por ano de convivência pessoal com minha esposa", pontua. "Antes de renovar eu falei: 'ó, presidente, você vai me desculpar, mas eu preciso de quatro dias entre o dia 23 de março [data das bodas]. O clássico [contra o Fortaleza, pelo Nordestão] é dia 20, e já marquei com ele [Robinson de Castro, presidente do Ceará]: eu fico de 21 a 24 e depois me viro para ir direto para o jogo em João Pessoa [contra o Botafogo-PB, dia 25]".

E se o presidente não tivesse topado, Guto? "Não fosse isso, eu não tinha renovado, o importante é a família [risos]", diverte-se. "A vida vai ensinando que o trabalho é importante, mas tem coisas que não têm preço. Você tem que desfrutar o momento, porque esse momento nunca mais vai voltar", diz, em tom mais sereno.

E nada como a moral lá em cima pra convencer o 'presida' que, enfim, chegou a hora de uma folguinha, não é? A esposa agradece...

Guto aponta o que tem em comum com Guardiola

"Gordiola" mundo afora

O apelido e a divertida relação com Pep Guardiola fizeram de Guto Ferreira personagem de diversas reportagens no Brasil e no exterior. A que mais encantou o técnico foi uma veiculada site Goal, na semana retrasada. Intitulada de "Conheça 'Gordiola' — a grande e notável resposta do Brasil a Guardiola que está fazendo história no Ceará", a matéria, em inglês, traz informações detalhadas sobre a trajetória de Guto e a forma leve que o técnico trata o carinhoso apelido.

"Pintou uma entrevista no Goal, que é um site inglês, e o meu filho que viu. É legal por vários motivos: por ele ter encontrado, que é uma coisa gostosa... E uma matéria irretocável em termos de dados, muito consistentes", diz Guto.

Dias antes, Guto Ferreira já havia sido 'descoberto' pela imprensa argentina, que destacou possíveis substitutos de Jorge Sampaoli no Atlético-MG. Na verdade, não foi muito bem o nome do treinador que virou manchete. O Olé, um dos principais veículos do país, aderiu ao bom humor brasileiro ao identificar Guto como "Gordiola". Vale lembrar que, logo depois, o Atlético-MG divulgou uma nota para negar interesse em Guto Ferreira. Quem chegou ao Galo foi Cuca, que estava no Santos.

Jhony Pinho/AGIF

E o elenco? "Mantivemos uma espinha dorsal importante"

Guto ficou, Vina (foto) também. Para alegria do torcedor, os dois destaques da última temporada vão continuar no Vozão. Fora isso, a diretoria tratou de oferecer novas armas para que o treinador consiga tirar do time um desempenho superior ao de 2020. Será que dá?

"Ainda falta uma coisa ou outra para se juntar ao grupo, e depois ainda passa pelas respostas. O primeiro ponto e mais importante é fazer melhor do que em 2020. Onde vai chegar? Na hora que a equipe estiver jogando, vamos poder sonhar mais, ou nos preocupar. Tomara a gente não se preocupe", brinca.

Fora as renovações, o Ceará anunciou quase dez reforços, entre eles os atacantes colombianos Yony González e Stiven Mendoza e os meias Jorginho e Marlon. Ao UOL, Guto faz um resumo do atual panorama do Ceará no mercado da bola.

"Acho que mantivemos uma espinha dorsal importante. Em termos de ataque, demos uma bela qualificada com experiência e qualidade. A perda do Samuel [Xavier] é significativa, mas a reposição com o Gabriel [Dias] também é. E no meio estamos agregando valor também. Acho que está tendo um crescimento interessante por parte de vários jogadores e isso faz com que as respostas para essa temporada possam ser melhores."

Ettore Chiereguini/AGIF

Sucesso de Abel Ferreira

O sucesso de Abel Ferreira no Palmeiras não surpreendeu Guto Ferreira. O técnico, que trabalhou em Portugal entre 2003 e 2004 nos comandos de Penafiel (clube formador de Abel como jogador) e Naval, encontrou-se com o treinador palmeirense quando este ainda comandava o Braga e, na época já pode ter ideia do seu potencial. "Eu estive com o Abel há dois anos, final de 2018, e se você perguntar para alguns amigos meus, vão comprovar: na época, eu vinha falando, 'o Abel é um grande treinador'. Me surpreendeu ele ter vindo para o Brasil, eu achava que ele ia estourar por lá". Sobre a fórmula do sucesso do Palmeiras na temporada passada, que foi campeão Paulista, da Libertadores e da Copa do Brasil, Guto opina: "Acho que tem a ver com a qualidade do treinador, sim. Mas tem a ver também com as equipes que eles têm nas mãos. Não existe omelete sem ovo."

Mourão Panda

Lisca e pandemia

O técnico Lisca, do América-MG, ganhou os noticiários após defender a pausa da Copa do Brasil por conta do agravamento da pandemia. O posicionamento gerou reações positivas e negativas. Para Guto, a análise sobre o posicionamento do colega vai muito além de opinião. "Essa briga política te impede de se posicionar porque não tem dados suficientes. Se for pensar só no lado clínico, tem que parar tudo. Só que para tudo e vem o efeito colateral: quebra da economia, mortes que seriam por covid passam a ser por depressão, problemas de saúde ou até fome, miséria", diz. "Até onde essa parada é importante? Porque as pessoas também precisam sobreviver. Se não trabalhar, não vai ter sobrevivência. É uma posição muito difícil. Quem está no comando precisa deixar de fazer menos política e trabalhar um pouco mais, e pensar um pouco mais na população como um todo."

Felipe Santos/Comunicação Ceará Felipe Santos/Comunicação Ceará

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