Antes do microfone

Paulo Andrade foi jogador de base em times paulistas e viveu frustração de não conseguir ser profissional

Bernardo Gentile Do UOL, no Rio de Janeiro Divulgação

O sonho de ser jogador de futebol é um dos mais comuns entre crianças brasileiras. Imagine ganhar a vida com uma das primeiras coisas que você aprendeu a amar? Mas o funil do sucesso é, infelizmente, para poucos. Para Paulo Andrade, um dos narradores de televisão mais bem-sucedidos da atualidade, a bola bateu na trave. No entanto, a frustração nos campos acabou direcionando sua trajetória como comunicador.

Pouca gente que acompanha o narrador dos canais ESPN e Fox Sports conhece sua passagem pelo mundo das chuteiras e caneleiras.

Foram 10 anos de trocas de times, esperanças e decepções. A estrada para virar jogador de futebol é difícil, cheia de fatores imponderáveis e, mais que tudo, nem sempre justa.

"Sonhei e trabalhei para ser jogador de futebol. Nunca deixei de estudar, graças a Deus tive essa oportunidade. Mas, durante pelo menos 10 anos da minha vida, eu projetei que seria jogador de futebol. Trabalhei isso seriamente como meu futuro, minha profissão. Treinava, me dedicava e fazia tudo que era necessário para ser um jogador. Foram pouco mais de 10 anos na base e não deu certo, mas o objetivo era esse. Não foi só na brincadeira, foi algo sério mesmo", contou em entrevista ao UOL Esporte.

Eu fui forjado a engolir sapos na base. A pontinha do iceberg é o Messi, o Cristiano, a história do cara que sai da Ilha da Madeira e vence no Sporting para virar ídolo do Manchester. A trajetória do jogador de futebol é muito dura, muito triste, tem muito mais tristeza do que alegrias. Tive apoio da família enquanto eu quis, até desistir."

A voz da Premier League na TV brasileira fez tudo para ser jogador profissional. Abaixo, conheça o Paulo Andrade jogador, o Paulo Andrade antes dos microfones.

Divulgação

O boleiro antes do narrador

Da brincadeira à ficha de federado

A paixão de Paulo Andrade pelo futebol nasceu cedo. E no meio das peladas com amigos já pintou a percepção que, de alguma forma, você se destaca mais que seus colegas. E a coisa vai ficando mais séria.

"Eu sou de São Caetano e estava jogando bola no prédio onde morava com meus amigos. Foi quando passou um professor de uma escolinha do Santa Maria, clube vinculado à prefeitura. Ele se apresentou e nos chamou para jogar lá, em uma quadra de verdade", relatou o narrador da ESPN.

É nesse momento que a diversão dá lugar ao espírito competitivo. No Santa Maria, Paulo começou a enfrentar os grandes clubes do estado no futsal, principal porta para os gramados. "Quando você tem a fichinha rosa da Federação Paulista, me lembro até da cor [risos], já se sentia importante. Tudo começou ali".

Arquivo Pessoal

Chance precoce no Corinthians

A sonhada oportunidade nos gramados aconteceu de cara em um gigante, aos 14 anos. Paulo Andrade pode dizer que jogou nas categorias de base do Corinthians.

"Eu era sócio, morava perto e comecei a jogar campo no campeonato interno do clube, de associados. Havia um evento anual que era uma partida entre a seleção dos associados e o time da base do Corinthians. Os técnicos [ficavam] presentes para observar os envolvidos. E eu saí dali para fazer parte do time, em 93", relembrou.

Foi por um período curto, é verdade. O futuro narrador ficou na base corintiana um ano e foi treinado pelo ex-jogador Mirandinha. Ali, percebeu que o sonho de virar jogador de futebol estava ficando cada vez mais sério.

"Eu era zagueiro. O cara que não tem condição de ser atacante recua e vira ponta. Aí percebe que ali também não tem muito jeito e recua para volante. Só faltou eu recuar para o gol [risos]. Toda a base foi como zagueiro. Daqueles que sabem jogar, mas que também batia um pouquinho. Não tem como ser bonzinho, né? "

No fim do ano, Paulo Andrade havia se destacado no Corinthians a ponto de ser chamado para a Portuguesa, que costumava ter tradição nas categorias de base.

Eu tive o privilégio de não ter que parar de estudar. Passei muitas dificuldades com desemprego do meu pai, que desenvolveu alcoolismo. Tive muitas dificuldades financeiras também. Mas, graças à minha mãe, sempre tive a oportunidade de estudar. No futebol você dá de cara com todo tipo de situação e que estão vivendo o fio de esperança da vida deles. Não dá para bobear, você precisa estar com a mesma força dos caras."

Paulo Andrade, narrador dos canais Disney

Arquivo pessoal

Aposta na Lusa

Deixar o Corinthians para fechar com a Portuguesa? Muitos podem ter ficado com a mesma dúvida. Paulo Andrade trata logo de explicar. "Era um clube muito bem conceituado na base, era um sonho jogar lá".

Além disso, há outra explicação. Na época, o garoto estaria no primeiro dos dois anos da categoria infantil corintiana. Isso significa que Paulo ficaria uma temporada vendo os atletas mais experientes tendo as melhores oportunidades. Por isso, entendeu que teria mais chance de jogar na Portuguesa.

"O jogador não estourava com 16 anos, mas com 19, 20. Era o mais comum. Tinha gente com 21 anos jogando a Copa São Paulo. Descia do profissional para jogar a Copinha. O primeiro ano de juvenil, meu caso, praticamente treinava. E me disseram que tinha esse projeto da Portuguesa, que estaria aproveitando a categoria 79, ano que nasci. E eu fui."

"Não me firmei como titular, mas tive boas chances de aparecer no Corinthians. Eu tinha feito um bom ano, mas fui para a Lusa. Foi o time onde estive mais tempo: dois anos e meio --e no futsal depois [até os 15 anos]. Eu me encontrei na Portuguesa, tive bons anos lá. Foi legal."

Arquivo pessoal

Fazendo sotaque baiano para jogar no Palmeiras

Saindo da Portuguesa, Paulo Andrade vestiu a camisa do América de Rio Preto (SP) até ter oportunidade de fazer um teste no Palmeiras. Mas havia uma ressalva. O empresário responsável pela ajuda trazia jovens da Bahia para serem avaliador no Verdão. O hoje narrador da ESPN, então, precisou treinar um novo sotaque para a ocasião.

"Ele disse que me colocaria para fazer os testes lá. Então eu tive que, no início, dizer que vim da Bahia. Era apenas um primeiro momento porque depois que está todo mundo junto já não tem mais isso. Se era isso que eu precisava para ter a oportunidade, então, vamos embora."

Paulo Andrade agradou, mas não ficou no Palmeiras. O empresário, sem consentimento do zagueiro, fez exigências fora dos padrões, fato que motivou a dispensa após o teste.

"Soube depois que eu tinha sido aprovado, mas que tinha alguns problemas envolvendo o Lima, o tal empresário que me colocou para fazer testes. O Palmeiras queria 70% do passe e 30% para mim e ele. E ele bateu pé por 60/40. Isso me tirou do Palmeiras sem que eu soubesse de nada. Vim saber meses depois."

"Como as coisas são. Às vezes, a gente critica o jogador, e ele é o último a saber. Como é pequena a cabeça, né? Preferiu me colocar no Juventus e garantir um dinheirinho a mais naquele momento do que apostar no Palmeiras. Imagina se dá certo no Palmeiras? Quanto valeriam aqueles 30%? Não rolou por esse motivo."

Arquivo pessoal
Narrador Paulo Andrade em pelada na Vila Belmiro, em Santos

A frustração definitiva veio no Juventus

A trajetória de Paulo Andrade no futebol foi marcada por decisões difíceis de engolir. A primeira delas, na Portuguesa. "Eu já estava quase nos juniores, então, minha expectativa ficou altíssima pela Copa São Paulo, o sonho de qualquer moleque antes de profissionalizar", relembra.

"O treinador era o Cardosinho, e as coisas estavam indo bem. Mas aí trocou o técnico. Entrou um tal de Macalé, que não ia muito com minha cara e mudou tudo. Logo depois, chegaram outros quatro atletas da confiança dele, e perdi a vaga."

Os dissabores continuaram também fora do Canindé. Enganado por um empresário no teste do Palmeiras, Paulo iria, então, viver o estágio final da sua carreira no Juventus.

"Fiz mais um bom ano no Juventus e estava com a esperança de que, com 19 anos, tinha, finalmente, chegado a minha hora de jogar a Copa São Paulo. Eu era o titular do time no estadual, era o caminho natural. Estava na lista dos inscritos, e chegaram mais dois ou três caras para o time faltando três meses para a competição. Eles não precisaram se esforçar muito para conquistar a titularidade, um deles no meu lugar. Fui para o time de baixo e sempre senti muito essas injustiças."

Esse episódio, enfim, encerrou o sonho de Paulo em ser jogador. "Quando me botavam na reserva dessa forma, eu arriava os quatro pneus. Se fosse na bola, eu ia querer mostrar meu potencial nos treinos. Mas não era o caso. Não conseguia reagir".

Terapia para a vida pós-bola

"Eu resolvi parar e tive que fazer terapia. Porque, de uma hora para outra, acabou. O que eu ia fazer da minha vida? Tinha os estudos, mas era secundário, não me interessava. Eu não seria feliz, só jogando futebol.

Essa foi minha primeira impressão. Foi muito difícil, mas eu decidi parar porque não aguentava mais. Meus pais sofreram com as injustiças, choramos juntos. Muitos ficam pelo caminho, não fui apenas eu. Essa transição da base para o profissional é muito cruel.

Conheci muitos caras que eram artistas na base e depois vira profissional mais ou menos ou nem consegue se profissionalizar.

Eu fui forjado a engolir sapos na base. A pontinha do iceberg é o Messi, o Cristiano, a história do cara que sai da Ilha da Madeira e vence no Sporting para virar ídolo do Manchester. Isso é só uma pontinha.

A trajetória do jogador de futebol é muito dura, muito triste, tem muito mais tristeza do que alegrias. Tive apoio da família enquanto eu quis, quando eu não quis... e esse momento foi emblemático. Às vésperas da Copa São Paulo, ser rebaixado para o time B dessa forma...

Tem muita coisa que envolve para saber se vai dar certo ou não no futebol. Tem o lado psicológico, que tipo de pessoa está te cercando, que tipo de oportunidade você tem ou deixa de ter, com que tipo de problema você cruza. Eu vi de tudo um pouco. De injustiças como a minha até casos de pedofilia, ladrão dentro do alojamento, jogador roubando jogador.

Foi o momento em que tive que virar a página e seguir em frente.
"

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Recomeço com narração

Paulo Andrade, então, teve de decidir o que faria após o futebol. A opção foi pela publicidade. Ele dividia o tempo entre as aulas e uma rádio comunitária. Na faculdade, foi apresentar um trabalho de áudio e vídeo e recebeu o convite que mudou sua vida.

"Comecei nessa rádio e virei locutor. Uma amiga que estudava comigo viu e me chamou para participar de uma televisão feita por voluntários, no ABC. Tinha essa parte esportiva, e eu fui. Era para ser comentarista, mas o narrador faltou e eu assumi. Desde então, nunca mais parei", contou.

"Foi a brecha que o futebol nunca me deu. Pelo contrário. Sabe aquela coisa que é para ser e não é para ser? Futebol sempre me testando, vamos ver até onde ele vai. Deus encaminhou meu destino para ser narrador, é como eu penso."

Arquivo Pessoal

Várzea: a alma boleira ainda vive

Além da rotina de narrações, o futebol ainda vive em Paulo Andrade na várzea. Apaixonado por competir com a bola nos pés, o comunicador segue participando de campeonatos amadores mesmo após a fama na ESPN.

"Eu vou [mesmo sendo conhecido]. Tem um time que jogamos que é o Atlético Maneiro, com alguns outros jornalistas, inclusive. E jogamos um campeonato de várzea chamado Master Liga, que é bem disputado. Só pra quem tem mais de 35 --tenho 42. Outro dia, fomos jogar à noite em Paraisópolis, não dava pra ver nada, mal iluminado, e eu estava lá jogando. Fui até capitão do time [risos]."

Sou um ex-boleiro frustrado. Gosto de competir. Tudo que é beco de várzea me enfio. Estão formando time? Quero jogar. Campeonato no meio da favela? Vamos, põe meu nome aí. Só não vou quando meu horário de trabalho me impede. E treino para me manter em forma, sou competitivo. Eu não larguei o futebol ainda, não.

Paulo Andrade, narrador do grupo Disney

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