Foi lindo, cara!

Abel Braga revisita sua história e renasce com campanha cheia de recordes no Internacional

Marinho Saldanha Do UOL, em Porto Alegre Silvio Avila/Getty Images

Foi lindo, cara!"

A frase que acompanha Abel Braga nunca definiu um momento tão bem quanto sua sétima passagem pelo Inter. Os colorados não podem dizer que faltou emoção. Foram tantas ao longo da temporada que a música "Emoções", de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, de 1981, quando Abelão ainda era zagueiro, é a melhor maneira de traduzir esse momento lindo.

O Inter abriu o ano no barco dos técnicos estrangeiros e viveu o drama da saída de Eduardo Coudet —herói para alguns, vilão para outros. Entrou na montanha-russa de emoções com o fim da "Era D'Alessandro", a volta de Rodrigo Dourado e a disputa, ponto a ponto, pelo Brasileiro.

Como se embarcasse numa máquina do tempo, o Colorado olhou para Abelão e sentiu as mesmas emoções. Afinal, foram tantas já vividas, momentos que nunca esqueceu. A Libertadores, o Mundial, ele estava lá. E, com ele, novamente o time foi protagonista, vice-campeão brasileiro e batendo seu recorde de pontuação na era dos pontos corridos.

Ciente de tudo que o amor era capaz de lhe dar, Abel sofreu no início e não deixou de amar. Ele chorou, ele sorriu, e, o importante, é que as maiores emoções ele (re)viveu.

Silvio Avila/Getty Images

"Olhando pra você e as mesmas emoções sentindo"

Abel Braga não estava entre os técnicos mais badalados do Brasil. Longe disso. O auge do comandante já parecia ter passado. Sua contratação foi criticada, amplificada pela ira da torcida com a saída de Coudet —que não tinha boa relação com a diretoria da época.

Lembremos: em 2019, Abel pediu demissão do já endinheirado Flamengo, sem conseguir fazer com que o quarteto Arrascaeta, Everton Ribeiro, Gabigol e Bruno Henrique funcionasse e, até hoje, não esconde a mágoa pela pressão que sofreu. Não considerou correta a atitude dos cartolas que negociavam com Jorge Jesus enquanto ele estava no leme. Também sofreu críticas no Vasco, que assumiu logo em seguida, e não conseguiu evitar o rebaixamento do Cruzeiro — em que foi chamado no fim da temporada e durou só três meses. Se o Inter vivia um momento turbulento, perdendo apoio de seus torcedores, Abel também precisava de carinho.

Chegou ao clube como se nunca o tivesse deixado. Lembrou de velhos conhecidos, conviveu com funcionários que já conhecia das seis passagens anteriores. Viu suas fotos, de título, nas paredes. E abriu as portas de sua casa, o Beira-Rio, cujos elogios já tinham gerado problemas na passagem pelo Fla.

Eu digo e repito, é o estádio mais bonito do Brasil. Tem gente que não entende isso, mas tem que entender. O Inter é muito importante para mim. Estou satisfeito e feliz. A recepção já foi diferente da do Rio de Janeiro."

Abel Braga

"Detalhes de uma vida, histórias que eu contei aqui"

Abel não precisava voltar ao Inter. A história o fez retornar. Depois das passagens por Flamengo, Cruzeiro e Vasco, o treinador estava inclinado a recusar trabalhos pela metade. Ainda mais uma missão que poderia gerar tanta pressão quanto aconteceu no Beira-Rio.

Mas são detalhes, uma vida, histórias que muitos torcedores têm vivas na memória. O Gre-Nal do século, Nilson, o Beira-Rio lotado em Inter e São Paulo, Fernandão, Barcelona, Gabiru... São marcas atingidas, e novas viriam.

A obra que Abel concebeu não estava acabada. Mesmo que já tivesse seis passagens e conhecesse cada canto da casa vermelha, havia um jejum de clássicos a ser rompido e recordes pela frente.

Com gol nos acréscimos, o Inter venceu o Grêmio na 32ª rodada do Brasileirão por 2 a 1. Abel fazia o Colorado voltar a bater o rival depois de um longo jejum de 11 partidas. Ao comandar o time contra o Vasco, ultrapassou Teté como o técnico com mais jogos no clube —Abel sai com 340 partidas no comando do clube. Ao empatar com o Corinthians, chegou a 70 pontos no Brasileiro, recorde do Colorado na era dos pontos corridos. E com nove vitórias seguidas, também quebrou a marca de triunfos consecutivos no torneio sob atual formato.

Detalhes que serão contados e repetidos por muito tempo.

Se o Inter está onde está, o Abel [Braga] está de parabéns. Pegou uma bomba nas mãos [com a saída de Eduardo Coudet] e foi muito homem. Muitos não fariam o que ele fez. O time está focado, coeso, marcador. É uma equipe que achou sua forma de jogar e merece o que está vivendo."

Jair, ex-jogador do Internacional

Ricardo Duarte/Internacional Ricardo Duarte/Internacional

"Amigos eu ganhei, saudades eu senti partindo"

Durante a construção da campanha, Abel perdeu um pilar: André D'Alessandro. Mais que um jogador, mais que um capitão, o argentino era um amigo de todo colorado. Daqueles que não se chama pelo nome completo, mas pelo apelido. Não era D'Alessandro mais, só D'Ale -ou D'Alê, como Abel pronuncia.

O meio-campista decidiu que era o momento de ir embora no fim de 2020. Não estava sendo aproveitado como gostaria e entendia que poderia contribuir em outro clube. Por fim, informou que não renovaria o contrato que venceria no fim de 2020.

Abel tinha em D'Alê (vamos tratar assim) não só um representante em campo, mas um filho do 'paizão' que ele costuma ser aos grupos pelos quais passa. O meia se despediu contra o Palmeiras e, entre as lágrimas da despedida, falou que a presença de Abel confortava.

"Não deixa de ser um momento histórico. É muito raro um jogador, por 12 anos, conquistar a torcida, o respeito de todos, num país que não é o dele. Ele foi muito bem recebido no Brasil, no Inter, e soube conquistar e retribuir este carinho. Ele sabe o quanto eu admiro seu lado profissional, é um grande jogador, e acima de tudo um grande caráter, um ídolo, um líder, um pai", disse Abel.

Tenho que agradecer a ele por ter vindo. Agradecer muito o Abel Braga, um dos maiores treinadores da nossa história, por ter voltado. Ele não precisava ter vindo. Ele precisava ter ficado em casa, no Rio de Janeiro, com a família e mulher. Todos sabemos o que aconteceu na vida dele, e ele não precisava vir para ajudar o clube. Ele já entregou muito da vida dele para o Inter."

D'Alessandro, meia do Inter e "filhão" do treinador

Ricardo Duarte/Inter

"Às vezes eu deixei você me ver chorar sorrindo"

A trajetória do renascimento não foi nada fácil. Abel chegou ao Inter sob desconfiança, e logo de cara teve tropeços. A saída de Eduardo Coudet polarizou a torcida. O argentino carregava admiradores entre torcedores e relação ruim com a direção. Veio o desligamento, e muitos ficaram contra os dirigentes e simplesmente viraram as costas para o posto que Abel já ocupava.

O treinador levou o clube à conquista da primeira Libertadores de sua história. Era ele, também, na vitória por 1 a 0 sobre o Barcelona no Mundial de Clubes, o maior título colorado. Mas, 15 anos depois, a memória era apenas isso: uma parte do passado. E Abelão não teve o afeto de todos.

Em campo, foi eliminado da Copa do Brasil pelo América-MG logo na estreia, teve covid-19, e o time também parecia infectado. Mas Abel voltou, o semblante de tristeza pelas quedas, aos poucos, virou alegria. As lágrimas da eliminação da Libertadores, nos pênaltis, após vencer o Boca Juniors em plena Bombonera, "fecharam" o elenco. E surgiu um time coeso e competitivo que por pouco não foi campeão brasileiro.

A cobrança virou celebração. O "Fora Abel" deu lugar ao "Lá vem o Abelão". Refeito, o treinador renasceu.

O que mais me chamou atenção nele foi essa vontade que chegou para trabalhar, essa fome de ajudar, de contribuir. Isso foi muito importante. Por mais que no início tenhamos passado por um momento difícil, essa vontade, essa sabedoria para passar as ideias foi fundamental. Tentamos abraçar o mais rápido possível."

Patrick, meia do Internacional

Chega a ser engraçado. A vontade dele de trabalhar é tanta que, quando acaba o jogo, na roda dos jogadores, ele já está falando sobre o próximo adversário. Isso contagia o grupo. A vontade, a seriedade, a transparência [de Abel] nos mostrou que somos capazes de conquistar os objetivos e vamos lutar até o fim."

Patrick

Ricardo Duarte/Inter Ricardo Duarte/Inter

"Sei tudo que o amor é capaz de me dar"

Mesmo que "não precisasse" topar um contrato de poucos meses, Abel queria dar uma chance ao amor. O futebol tinha trazido desgostos recentes, comportamentos, reações, coisas que apenas um lugar consertaria: o Inter.

Abel sabia que bastavam alguns bons resultados para que o brilho no olho voltasse. Aos poucos, sabendo o que o Colorado já tinha proporcionado, Abelão foi retomando o caminho, os sorrisos e as brincadeiras.

Sem tatiquês ou inovações, Abel se revisitou no Inter. "Posso não ser bom em mais nada, mas nisso eu sou muito bom (motivação). Não esquecemos dos torcedores que estavam no aeroporto (em Porto Alegre), dos torcedores que estavam no hotel (no Rio)... Essa é a razão de um grande clube: o torcedor".

A reconstrução de Abel Braga veio deste amor, desta segurança, deste abraço que "sua casa" lhe deu. Depois das dúvidas, as vitórias, ciente do que poderia ter ali na frente. Por pouco não veio o Brasileiro, mas a retomada aconteceu completamente, onde ele se sente tão bem.

Fico feliz pelo Abel. Na primeira coletiva dele pelo Inter, o semblante era triste, cansado, sem brilho no olho, alguém que estava infeliz. O Inter devolveu a felicidade ao Abel. Hoje, ele tem garra, sangue nos olhos, ele rejuvenesceu uns 10 anos desde a primeira coletiva. É uma sinergia muito grande entre Abel e o Inter. O Inter salvou o Abel, e o Abel salvou o Inter."

Fabiano Baldasso, influencer colorado

Pedro H. Tesch/AGIF

"Eu sei já sofri, mas não deixo de amar"

A trajetória não foi sempre simples. Após o começo ruim, com eliminações, ele poderia se desligar do clube. Não havia multa rescisória para nenhuma das partes. Abel confiou. Sofreu, mas não deixou de amar o Inter. A união começou a dar certo com a saída da Libertadores, eliminado nos pênaltis após vencer o Boca Juniors por 1 a 0 na Bombonera.

Pela frente, porém, havia um processo eleitoral. O amigo Marcelo Medeiros deixou a presidência. Alessandro Barcellos venceu a eleição e ainda não conhecia de perto o treinador. Nas primeiras reuniões, o mandatário entendeu o que Abel significava para aquele grupo e o quanto já estava presente na vida do time. Barcellos manteve Abel durante o Brasileiro.

"Encontrei um cidadão, um treinador e uma pessoa maravilhosa. Ele tem uma capacidade de agregar muito grande, junto com capacidade técnica e conhecimento de futebol. É um treinador que se sente à vontade no Beira-Rio, no Inter, e isso facilita demais o trabalho. A gente nota como ele está entusiasmado, e isso contagia o grupo", disse Barcellos.

A trajetória fala por si só. Sempre foi um grande treinador, conseguiu feitos em vários outros clubes, mas no Inter tem algo especial. É um cara com uma liderança nata. Quando ele chega é uma mistura de líder, paizão, um cara que segura a bronca mesmo. Chegou em um momento importante e o tempo todo nos incentivando. Teve uma hora que virou a chave e achou uma forma do Inter jogar. Muito numa inteligência dele e também em sempre acreditar no nosso grupo."

Marcelo Lomba, goleiro do Internacional

"Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi"

Junto com o Brasileirão, acabou o contrato. E Abel Braga se despediu da sétima passagem pelo Inter, que está acertado com o espanhol Miguel Ángel Ramírez desde o fim do ano passado. O anúncio foi feito somente na conclusão do vínculo, em respeito a tudo que o comandante significa para o clube.

Foram 22 jogos, com 12 vitórias, quatro empates e seis derrotas, aproveitamento de 60,6%. Mas, acima dos números, o Inter saiu de uma crise interna, superou desavenças com a torcida e foi da desesperança para o vice-campeonato do Brasileirão.

Abel venceu a dúvida e rejuvenesceu no Inter. Virou hit. Quem não cantou "Lá vem o Abelão" em algum momento da trajetória? Aos 68 anos, ele se reposicionou no mercado e quer continuar em alta. "Ninguém vai me aposentar, não. Vou parar quando eu quiser", disse ao longo da passagem pelo Sul.

Abel deixa o clube em paz com a vida e com o que ela lhe trouxe. Ele chorou, sorriu, mas o importante é que emoções ele viveu. E foram tantas, num momento lindo, cara!

Ricardo Duarte/Inter Ricardo Duarte/Inter

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