Cruzado invisível

A trágica, anônima e controversa morte do boxeador que foi técnico do Corinthians

Gabriel Carneiro e Vanderlei Lima Do UOL, em São Paulo Arte UOL

"O Zé Maria faleceu? Eu não sabia... Puxa, você me nocauteou aqui."

Fernando Martins, representante do boxe brasileiro na Olimpíada de Montreal-1976, não foi o único pego de surpresa com a notícia.

O problema é que a morte de Zé Maria, ex-campeão brasileiro de boxe e ex-técnico do Corinthians, não é notícia do jornal de hoje, nem de ontem. Aos 71 anos, ele partiu em 15 de novembro de 2018. Mas muita gente não soube, diz a sua irmã, Gina: "Poucos amigos compareceram ao velório, nem todos ficaram sabendo. Não deu tempo."

É uma morte anônima de quem não deixou viúva ou filhos. Além do funeral esvaziado, não houve destaque na imprensa. Um post no blog do jornalista Flávio Prado e não muito mais do que isso. Nesses tempos de farta produção de conteúdo em que tudo vira notícia é até estranho que a morte de Zé Maria tenha passado batida assim. A família tem uma resposta: "O Zé não era dessas pessoas que costuma ficar bajulando ninguém", conta o irmão Norival.

É a vida deste homem que construiu um legado sob os olhos de ninguém — e que morreu em circunstâncias controversas e ainda sob investigação da Justiça — que o UOL Esporte revisita nesta reportagem. Sua morte, suas lutas dentro ou fora do ringue, a fama de revelador de talentos como Dener, a passagem pelo Corinthians no ano do primeiro título brasileiro, a campanha para deputado, o futebol de várzea e tanto mais. Zé Maria agora é história.

Acervo pessoal

Acidente 150 dias antes da morte

(...) o serviço foi acionado para atender uma ocorrência de acidente de trânsito com vítima de lesão corporal, tratando-se de um atropelamento, sendo que ao chegar no local o atendimento de emergência já era realizado (...), tendo o senhor José Maria sido levado ao Hospital João XXIII, onde permanece sob cuidados médicos.

É o que consta no Boletim de Ocorrência registrado em 18 de junho de 2018 no 2º Distrito Policial do Bom Retiro, no centro de São Paulo. Foi o primeiro dos últimos dias da vida de Zé Maria.

Existem versões conflitantes sobre o que aconteceu naquele fim de tarde. Os fatos são os seguintes: o condutor de uma moto branca atropelou Zé Maria na avenida Duque de Caxias, altura do número 400. O piloto sofreu ferimentos leves no punho direito e na perna esquerda. A vítima, desacordada, foi imediatamente hospitalizada. O procedimento de socorro prejudicou o local para perícia, mas foi estabelecido um prazo de seis meses para representar criminalmente contra o motociclista, se a vítima assim desejasse. Antes do prazo se encerrar, Zé Maria morreu. Depois disso, o que restaram foram duas versões conflitantes:

Segundo a família de Zé Maria

Um problema mecânico no veículo que dirigia fez Zé Maria encostar para tentar o conserto. Ao descer do carro, foi atingido pela moto branca. Mas o que causou o desmaio não foi o choque do corpo com a moto, e sim um golpe de capacete dado pelo motociclista na cabeça de Zé Maria após discussão no local. O desentendimento foi omitido no B.O. Mas, segundo a família, há testemunhas.

Segundo o motociclista

No momento em que se aproximou de um cruzamento, com sinal aberto para carros e motos e fechado para pedestres, um homem [Zé Maria] tentou atravessar a faixa passando entre os veículos e acabou atingindo acidentalmente. O motociclista então com 43 anos forneceu dados à polícia, deu depoimento e foi liberado. O UOL Esporte não conseguiu encontrá-lo para maior detalhamento do caso dois anos depois.

Desorientação, declínio e o fim

Zé Maria passou alguns dias internado após o acidente, mas nem familiares sabem dizer com precisão quantos foram. "Ele voltou meio desorientado, de vez em quando tinha uns brancos", Gina conta. É que além de tudo o que decorreu do atropelamento, inclusive o golpe na cabeça causador do desmaio, ele também realizava acompanhamento de um câncer de próstata.

Além dos esquecimentos, a situação física do homem sempre conhecido pela boa forma foi deteriorando com o passar dos dias, ainda que ele tivesse tentado voltar a trabalhar em sua loja de carros. Primeiro foi a bengala. Depois, a cadeira de rodas. Então o auxílio de um cuidador.

Depois que ele foi para o hospital não foi mais o mesmo Zé Maria.
Norival de Oliveira, irmão

As dificuldades de locomoção evoluíram para dificuldades de fala até uma internação na Santa Casa da qual ele não voltou mais. Foram apenas 150 dias entre o acidente e a morte. Zé Maria foi sepultado no Cemitério da Lapa, onde também estão os corpos de seus avós, tios, pais e três de seus seis irmãos. Ele morreu, mas não a vontade da família de fazer justiça.

Duas ações simultâneas

Gina, advogada de 72 anos, e Norival, vendedor de carros três anos mais velho, são os responsáveis pela preservação da memória de Zé Maria e também pela luta judicial que envolve o nome do ex-treinador de futebol nos dias atuais. Os irmãos idosos promoveram duas ações na Justiça.

Apesar de eles não quererem entrar em detalhes, sabe-se que a primeira é pelo pagamento do seguro obrigatório DPVAT, que ampara as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional. Caso a vítima morra em virtude de um acidente, os beneficiários têm direito ao recebimento de uma indenização de R$ 13,5 mil.

A questão é que o acompanhamento do câncer na mesma época do acidente gerou dúvidas na seguradora sobre as causas da morte de Zé Maria. Gina explica: "Ele não morreu por causa do câncer, ele morreu devido ao que aconteceu após o acidente. Tem até uma contradição, porque o hospital deveria ter levado ele para fazer exame no IML, não foi feito exame no IML, e até agora nós estamos tentando levantar o DPVAT dele para provar que ele morreu em consequência do atropelamento. O tratamento de próstata ele fazia direitinho na Santa Casa."

O motociclista também está sendo processado pela família de Zé Maria.

20 jogos pelo Corinthians em 1990

O homem da morte anônima teve todos os passos seguidos de perto por uma das maiores torcidas do Brasil há 30 anos. É que entre junho e agosto de 1990, Zé Maria foi técnico do Corinthians.

Depois de trajetória vencedora nas categorias de base, ele foi bancado pelo presidente Vicente Matheus durante um período de transição. Autor do gol do título paulista de 1977, Basílio foi o antecessor de Zé Maria no comando, mas pediu para sair por causa dos sucessivos atrasos de salário e problemas internos, com insatisfação do elenco e pressão do craque do time, o meia Neto, para ser negociado com o futebol italiano.

A bucha caiu no colo do técnico da base, que estreou logo num clássico contra o Palmeiras. E ganhou! A seguir, dirigiu a campanha da terceira fase do Campeonato Paulista, mas um empate com o Bragantino na última rodada terminou com classificação do time do interior para a final — disputada contra o Novorizontino em um feito dos "caipiras" que até hoje é lembrado. A eliminação não foi bem digerida.

Zé Maria ainda trabalhou em dois jogos do Brasileirão. Tomou três do Grêmio fora e perdeu de 1 a 0 para o Cruzeiro, no Pacaembu, num jogo diante de 6 mil torcedores marcado por tentativas de invasão de pessoas que queriam cobrar o treinador pela má fase. Depois dali acabou o clima. Foram 20 jogos, com sete vitórias, dez empates e três derrotas — um aproveitamento de quase 52%, meio de tabela.

"Eu penso que Zé Maria foi injustiçado no Corinthians"

Durante os 20 jogos pelo Corinthians, Zé Maria ergueu a "Taça dos Invictos". É uma premiação criada pelo jornal "A Gazeta Esportiva" para o time que ficasse mais jogos consecutivos sem perder no Campeonato Paulista. Cada vez que um time batia a marca anteriormente estabelecida tinha o direito de receber o troféu das mãos do rival. Em 1990 o valor era ainda mais alto, porque o Palmeiras era dono da taça e o Corinthians se aproximava.

Vicente Matheus fazia muita questão dessa taça e fez festa quando a equipe superou os 23 jogos sem perder do rival. Foi só um empate em 0 a 0 com o Mogi Mirim em julho de 90, mas tudo bem.

Sinceramente, eu penso que o Zé Maria foi injustiçado no Corinthians. Ele foi o treinador campeão na Taça dos Invictos, quem levantou foi ele, pô. Aí terminou o Paulista, entrou o Brasileiro, tem dois tropeços e derrubam ele? Era uma época difícil, todos os jogadores sem renovar contrato, era só esperar um pouco e dar uma sequência. Para mim foi uma injustiça."
Telson, ex-jogador do Corinthians em 1990

A opinião de Telson é compartilhada por outros ex-jogadores do Corinthians. No geral, quem viveu essa época vê Zé Maria como uma espécie de quebra galho num momento em que o clube não sabia muito bem o caminho a seguir. Depois de três meses, contrataram o vice-campeão estadual Nelsinho Baptista, e o time rumou para o primeiro título do Campeonato Brasileiro de sua história no mesmo ano.

Apesar do apagamento geral de seus feitos, Zé Maria também é campeão.

Antes do técnico, o formador de talentos do futebol paulista

Parte do legado de Zé Maria não está nos resultados alcançados como treinador, mas em seu dom como revelador de talentos na base. No Corinthians e na Portuguesa, ele participou da formação de grandes nomes, como Sinval, Tico, Viola, Paulo Sergio, Rodrigo Fabri e outros. Mas o principal é mesmo o de Dener.

Dono de uma das trajetórias mais meteóricas dos gramados brasileiros, o craque que prometia conquistar o mundo e era tratado como "novo Pelé", mas morreu num acidente de carro em 1994, teve o talento aprimorado por Zé Maria no Canindé. Descoberto por um olheiro de apelido "Seu Pixú", chegou ao clube com grande capacidade técnica, mas pouca disciplina.

Apesar do sucesso na formação de grandes talentos, Zé Maria era considerado estranho no ninho. Ele não jogou futebol profissionalmente, então o meio nunca o engoliu completamente. No trato com os jovens, era considerado exigente e disciplinador. E não se furtava de ajudar, inclusive financeiramente. Ele patrocinou alguns times de base que comandou e deu dinheiro para as famílias dos meninos que não tinham condições de seguir treinando.

Ele [Zé Maria] tinha um trabalho no bairro do Limão [Zona Norte de São Paulo] com jovens e foi lá onde iniciei minha carreira no futebol. Fui para a Portuguesa com ele em 1983, fomos campeões, depois me profissionalizei no Corinthians e devo tudo ao Zé Maria, meu incentivador. É um treinador que exigia bastante de todos, então tenho muito respeito".

Moretti, Ex-zagueiro do Corinthians

Eu o conheci aos 12 anos na escolinha de futebol. Era um cara que ajudava muita gente não só no futebol, mas também quando alguém estava passando por necessidades. Ele sempre quis fazer jogador, formar, a satisfação dele era o cara ser um atleta profissional. Eu encerrei em 1998, no Guaratinguetá, e sempre carreguei os ensinamentos".

Telson, Ex-meia-atacante do Corinthians

E antes do futebol, o boxe

A capa do jornal "A Gazeta Esportiva" que informou a demissão de Zé Maria do comando do Corinthians em 1990 teve a seguinte manchete: "Zé Maria beija a lona: o ex-pugilista e treinador do Timão não resistiu às pressões e foi a nocaute."

Essa história de "estranho no ninho" vem daí: o revelador de talentos que dirigiu o clube mais popular de São Paulo não tinha um passado nos gramados. Ele não era ex-jogador de futebol, como a maioria dos treinadores. Também não estudou Educação Física e nem se especializou na parte teórica. Zé Maria era lutador de boxe.

"O boxe era a paixão dele, que aprendeu com Muhammad Ali a forma clássica de se lutar. Ele era sempre um show. Não era um grande nocauteador, porque não era um grande pegador, mas um lutador que dava o verdadeiro show do boxe refinado jogado dentro dos melhores princípios", diz o jornalista Newton Campos, 95 anos, e ainda hoje presidente da Federação Paulista de Pugilismo (FPF).

Zé Maria tinha lutas transmitidas na TV e era personagem de reportagens em jornais. "O maior ibope do boxe amador paulista", segundo uma publicação da época. No boxe, o título brasileiro veio sem asterisco.

Um técnico no ringue

Nascido em Botucatu e criado na Zona Norte da capital paulista, Zé Maria se interessou desde criança por esporte, como dizem os irmãos ainda vivos. O boxe, na época muito popular, foi o escolhido para uma rotina de treinos. E um de seus treinadores foi Kid Jofre, pai do tricampeão mundial Éder Jofre.

"Ele dava trabalho para quem entrasse no jogo dele, trocava de guarda e tal. Quando o cara entrava na onda dele ele deitava e rolava", relembra Fernando Martins, que representou o Brasil na Olimpíada de Montréal-1976. Sidnei Dal Rovere, que esteve nos Jogos de Moscou-1980, concorda: "Ele tinha muita técnica em não receber os golpes, ele apanhava pouco, mas em contrapartida não batia forte, não derrubava. Só que era um grande boxeador tecnicamente, muito bom."

O grande rival de Zé Maria no boxe foi Chiquinho de Jesus, medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos de San Juan-1979 e representante brasileiro nas Olimpíadas de 1976 e 1980.

Eu comecei a treinar boxe em 1970, com 14 anos, e assistia às lutas do meu ídolo Zé Maria. Ele já era um veterano e enchia ginásio com muita torcida por ele. Lutava contra um pessoal muito importante no pico de ser profissional, mas ele não se profissionalizava porque não queria, só por isso".

Chiquinho de Jesus, ex-pugilista

Dá para dizer que o Zé Maria tinha um jogo de boxe bonito, quando o cara queria arrancar o pescoço, ele dava risada. Chegou uma hora que eu comecei a treinar mais e lutar contra ele, que sempre chegava nas finais dos campeonatos. Lutei contra ele cinco vezes e ganhei as cinco".

sobre o grande adversário

A lembrança que eu tenho do Zé é que eu fui fã dele. Antes de eu chegar no topo do boxe, quando disputei duas Olimpíadas, fui campeão das Américas em Nova York, dono de título pan-americano e mundial, eu comecei me espelhando muito no Zé Maria. Era o meu grande ídolo".

sobre idolatria a Zé Maria

"Rei da Cascata" e "Cassius Clay brasileiro": é hora da luta

Mais do que a boa esquiva, Zé Maria atraía público aos ginásios por uma característica que Chiquinho de Jesus define: "Ele era que nem o Cassius Clay."

Era o nome de Muhammad Ali antes da conversão ao Islã. O que não mudou foi a grande capacidade para o nocaute e o estilo provocador no ringue, algo que mexia com o emocional dos adversários. Era o estilo que o brasileiro buscava copiar e pelo qual é lembrado.

"Ele falava um monte de coisa. Que tinha nocauteado um, que tinha nocauteado outro, que você era o próximo. Era gozador mesmo", relembra Fernando Martins.

Apelidado de "Rei da Cascata" no universo do boxe, Zé Maria mostrava a língua, mordia o ombro, dizia que o adversário era feio demais ou pobre demais, e assim construiu sua reputação que levava fãs aos ginásios. Segundo um jornal da época, "notadamente da ala feminina".

Ele lutava com os grandes pegadores que esperavam que um golpe pudesse mandá-lo para a lona, mas ele nunca foi nocauteado, ganhou 98% das lutas, tinha um cartel maravilhoso pela habilidade como encarava os adversários, golpeando, saindo, se movimentando e de vez em quando, quando ele se esquivava de um adversário que havia aplicado um golpe, tirava o sarro. Por isso ele se tornava um boxeador muito hilariante."
Newton Campos, vice-presidente honorário do Conselho Mundial de Boxe

Do ringue ao campo (e a loja no meio)

Zé Maria foi campeão brasileiro de boxe amador na categoria Médio Ligeiro em 1974. A competição foi disputada em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e foi o ponto máximo de uma carreira que ainda passou por outras categorias, mas nunca chegou à profissionalização. Por quê?

Segundo pessoas próximas, investir em uma carreira profissional na luta significaria para Zé Maria ter que abrir mão do negócio que ele tocava paralelamente ao esporte, que era uma loja de carros usados no centro de São Paulo. Em 1978, ele chegou a pedir para não ficar concentrado com a seleção paulista de boxe no Ibirapuera porque não podia descuidar dos negócios.

Conforme o tempo passava, o período de treinos diminuía, a forma física exigia esforços que ele não tinha tempo de ter e o boxe foi ficando para trás.

Longe da rotina de atleta, ele se mantinha envolvido em causas esportivas na capital paulista. Começou a apoiar uma escolinha de futebol perto da casa onde vivia, na Zona Norte, acabou se aproximando do trabalho de campo e transformou a paixão pelo jogo e pelo Corinthians na vontade de trabalhar com jovens jogadores. O sucesso dos times de bairro gerou um convite para trabalhar nas categorias de base da Portuguesa em 1983. Uma nova carreira quase aos 40 anos.

Os vários Zé Maria

Ganha-pão

A "Zé Maria Automóveis" funcionou por cerca de 40 anos na região de São Paulo conhecida como "Boca do Lixo". O logotipo ainda está por lá, no número 176 da Rua General Rondon. Ele comprava e vendia usados. Vários jogadores compraram o primeiro carro da vida das mãos do treinador. A família ainda aluga o imóvel, antigos amigos guardam veículos no espaço, mas a devolução pode ocorrer em breve.

Herança?

Zé Maria tem alguns carros alienados, garantias de um empréstimo ou financiamento. Assim, a família não consegue calcular se existe patrimônio após sua morte. A irmã Gina critica: "Chega um monte de multa em nome de carros do Zé Maria e quem deveria responder não responde, nem tira o carro do nome dele. É um problema sério." Na loja, ele empregou familiares e virou tipo um zelador da área.

Os "filhos"

Parte do dinheiro arrecadado na loja era usado num projeto pessoal nada a ver com o futebol. Era dono de um sítio na cidade de Sorocaba e cuidava de cachorros de rua. Segundo o irmão, entre 150 e 200 animais chegaram a ser tratados ao mesmo tempo na chácara. Era uma paixão que no fim da vida ficou abandonada.

Na política

Sob o codinome "Zé Maria do Futebol", o treinador tentou a sorte na política. Em 2010, ele foi candidato a deputado estadual pelo PSDC, partido que apoiava Aloizio Mercadante (PT) para o governo e José Maria Eymael (PSDC) à Presidência. Nenhum dos três foi eleito. Zé Maria recebeu 803 votos.

Último capítulo foi na várzea

Após a passagem pelo Corinthians, a carreira de Zé Maria como treinador profissional não decolou. Ele não queria sair de São Paulo por causa da loja, da família e da chácara, o que causou uma limitação no mercado da bola. Os trabalhos seguintes foram em clubes modestos e divisões menores. O último registro profissional no futebol é de 2009, quando dirigiu o Mauaense na Quarta Divisão do Campeonato Paulista.

Mas antes disso ainda houve tempo para mais um grande capítulo dessa história sob os olhos de ninguém. Num tradicional futebol de várzea de São Paulo, Zé Maria teve papel importante num feito histórico: depois de quatro anos de hegemonia de times da Zona Leste na Copa Kaiser, pela primeira vez uma equipe da Zona Norte acabou campeã. Foi o Lausanne Paulista, em 1999.

Zé Maria foi mais que treinador naquela campanha. Ele integrou ex-jogadores profissionais conhecidos, como Serginho Chulapa, Pires, Telson e Moretti. Ele criou regimes de concentração na várzea, tirando do próprio bolso para pagar pernoites em hotéis e evitar que os jogadores chegassem sem condições para as partidas.

Uma gestão varzeana profissional, como diz José Marcelino de Aquino, o Deka, fabricante de materiais esportivos conhecido na várzea: "Se ele pudesse fazer o melhor para o time, ele fazia, não tinha dó de gastar, não. Era aquele cara que não gastava com ele, mas gastava com o futebol e com o time dele."

Desafio para o Corinthians

O Corinthians fez uma péssima campanha na Copa João Havelange de 2000, ano que não teve Campeonato Brasileiro. Ficou em penúltimo lugar entre 25 times e só não foi rebaixado porque o formato não previa rebaixamento.

A equipe de reportagem de um jornal foi atrás de Zé Maria para uma matéria óbvia: ouvir um técnico da várzea sobre o péssimo momento do time profissional no qual ele já havia trabalhado. Brincalhão, Zé Maria desafiou o ex-time para uma partida contra o Lausanne Paulista. É claro que o jogo nunca aconteceu, mas não era difícil imaginar uma vitória dos amadores...

Foi uma das últimas vezes em que a mídia deu destaque a um personagem que agitou o noticiário por pelo menos 20 anos. Depois do futebol, Zé Maria cuidou da vida. Não se casou, nem teve filhos — pelo menos que os irmãos ou amigos saibam, porque namoradas eram algumas.

Os cinco sobrinhos lembram com saudade e carinho, enquanto os dois irmãos ainda vivos lutam para reaver o patrimônio, negociar itens do acervo pessoal, fazer justiça e preservar a memória do homem apaixonado por cachorros, carros, boxe e futebol. E que morreu sem que muitos soubessem disso.

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