A primeira vez de Piquet

Primeira vitória do tricampeão na Fórmula 1 teve transmissão da Band e narração de Galvão

Do UOL, em São Paulo Hoch Zwei/Corbis via Getty Images

Em 30 de março de 1980, Nelson Piquet venceu o GP de Long Beach, nos EUA. Foi sua primeira vitória na Fórmula 1, com uma curiosidade: o narrador que levou essa emoção ao Brasil foi Galvão Bueno, como você já está acostumado. Mas a emissora era outra: naquele ano, a dona dos direitos da F-1 era a TV Bandeirantes.

"Nelson Piquet se aproximando da vitória consagradora. E aí está, a bandeirada para Nelson Piquet e o Brasil ganhando. Depois de cinco anos, o Brasil ganha na Fórmula 1. Em 1975, em Silverstone, foi a última. Nelson Piquet, Brasil, 1980, 30 de março. Rede Bandeirantes traz para você a vitória do Brasil"
Galvão Bueno, com uma voz sonoramente mais jovem que a você ouve hoje em dia

Aquela foi a primeira temporada completa transmitida por uma emissora brasileira. Antes, a F-1 chegou à TV dos Brasileiros por vários canais. Nos anos 70, por exemplo, Record, TV Rio, Tupi e Globo mostravam a categoria, mas nenhuma delas transmitia todas as provas.

Essa "exclusividade" da Band em 1980 (a emissora dividiu a exibição do GP do Brasil com a TV Cultura), porém, era fruto de um problema: a última vitória do país na categoria tinha sido em 1975, com Emerson Fittipaldi, e o interesse brasileiro vinha caindo.

A vitória de Piquet, porém, mudou o panorama. O carioca venceu mais duas vezes no ano, terminou com o vice-campeonato e a F1 renasceu no Brasil. Tanto que, no ano seguinte, a Globo passou a transmitir a categoria, como faz até hoje — e teve o direito de mostrar o primeiro dos três títulos de Piquet.

Já com Galvão, a história foi diferente. Aos 30 anos, era uma estrela em ascensão. Após passar por TV Gazeta e Record, ele tinha chegado à Band em 1977. Foi comentarista da Copa do Mundo de 1978, mas começava a brilhar como narrador justamente com a F-1.

No ano seguinte, ele foi contratado pela Globo, onde está até hoje — com exceção de um período de pouco mais de um ano, entre 1992 e 1993, em que ele trabalhou na Rede OM (que depois viraria CNT) e foi o narrador do título do São Paulo na Libertadores de 1992.

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Assista à última volta na voz de Galvão

Como foi a corrida

Terceiro no primeiro treino classificatório, com o tempo de 1min19s571, Piquet marcou a pole position com 1min17s694, quase um segundo à frente de René Arnoux, da Renault. No domingo, o brasileiro levou um grande susto: durante o warm-up, se chocou com o irlandês Derek Daly, da Tyrrell, decolou e caindo fortemente com as quatro rodas no chão. Mas nada de grave aconteceu com os pilotos.

Piquet largou bem e, em poucas voltas, começou a abrir uma vantagem sobre o francês Patrick Depailler, da Alfa Romeo. A corrida acabou marcada por acidentes, sete carros no total, e colocou fim à carreira do suíço Clay Regazzoni, que perdeu o controle de sua Ensign na 53ª volta, bateu forte contra o muro e ficou preso no cockpit por quase 20 minutos. O piloto sofreu ferimentos leves na cabeça, fraturas múltiplas na perna direita e lesão na coluna. Ficou paraplégico.

Líder de ponta a ponta, Piquet quebrou o recorde da pista na 38ª volta com o tempo de 1min19s830, superando a marca de Gilles Villeneuve, de 1979. Seu ritmo era tão bom que, na 63ª volta, o italiano Riccardo Patrese, da Arrows, na segunda colocação, estava 52 segundos atrás do brasileiro. Ao final da 80ª volta, Piquet tinha 49 segundos de vantagem para Patrese e 1min18s de Emerson Fittipaldi, que fez uma corrida segura, saindo da última colocação e aproveitando as quebras e acidentes para chegar ao pódio, o último de sua carreira.

Com a vitória em sua 25ª corrida disputada na categoria, Nelsinho, como era chamado na época, assumiu a liderança do campeonato após quatro provas. Em sua volta ao Brasil, na primeira entrevista coletiva, o piloto lembrou dos cinco anos sem vitória do país na categoria, série que ele tinha acabado de quebrar. "Essa vitória vai servir para dar um novo impulso ao automobilismo brasileiro, não só em termos de público na Fórmula 1, mas também em relação às competições domésticas do calendário da Confederação Brasileira".

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Estrela em ascensão

O ano era 1978 e Piquet brilhava na F-3 inglesa. Com oito vitórias na temporada, o carioca, então com 25 anos, bateu o recorde da categoria. Fez tanto sucesso que estreou na Fórmula 1 no mesmo ano.

Foram cinco corridas por três equipes diferentes em sua primeira temporada. A primeira, pelo Team Tissot/Ensign (GP da Alemanha). As três seguintes, pela BS Fabrications/McLaren (GPs da Áustria, da Holanda e da Itália). Na Itália, chegou em nono. Depois disso, disputou o GP do Canadá pela Parmalat/Brabham, equipe comandada, então, por Bernie Ecclestone, ex-chefão da F-1.

Agradou tanto que fechou contrato com a Brabham para 1979. Ele seria o segundo piloto da equipe, que tinha o austríaco Niki Lauda como estrela. A temporada de Piquet, considerado uma promessa, foi marcada por muitas quebras (11 em 15 provas) e ele pontuou apenas no GP da Holanda. Com os três pontos pelo quarto lugar daquela prova, terminou o campeonato na 15ª colocação.

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Vitória e vice-campeonato

Em 1980, já com 27 anos, Piquet entrou definitivamente no grupo dos principais pilotos da época. A vitória em Long Beach abriu caminho para o vice-campeonato, atrás apenas do australiano Alan Jones, da Wiliams. Isso numa temporada que tinha ainda grandes nomes, como o argentino Carlos Reutemann, os franceses René Arnoux e o estreante Alain Prost, o finlandês Keke Rosberg, o canadense Giles Villeneuve, o norte-americano Mario Andretti e o inglês Nigel Mansell, outro estreante.

Logo na primeira prova da temporada, no GP da Argentina, Piquet subiu pela primeira vez ao pódio, ficando na segunda colocação, atrás de Jones. No GP seguinte, em Interlagos, Piquet quebrou na 14ª volta e não pontuou. Depois, foi 4º no GP da África do Sul.

O GP de Long Beach foi a quinta prova do ano. Depois dos EUA, Piquet venceu mais duas vezes e foi ao pódio mais duas. Foi terceiro colocado no G de Mônaco, segundo na Inglaterra e primeiro nos GPs da Holanda e da Itália — ele não terminou as últimas duas provas da temporada, nos Canadá e nos EUA (dessa vez no circuito de Watkins Glen, em Nova York).

Jones acabou campeão com 67 pontos, contra 54 de Piquet.

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O último pódio de Emerson

Além da vitória de Piquet, o GP de Long Beach teve outra marca para o automobilismo brasileiro. Foi o último pódio de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1 — e veio com uma performance surpreendente.

O bicampeão mundial terminou em terceiro lugar pela sua própria equipe, a Fittipaldi, que corria com chassi próprio, mas com motor Ford. O carro foi um dos melhores que o time brasileiro já montou, mas não era exatamente no mesmo nível dos ponteiros: no treino de classificação, ficou na última posição: 24º lugar.

Foi, também, o último pódio de uma equipe brasileira na F-1. O time Fittipaldi (conhecido como Copersucar, nome do patrocinador, entre 1975 e 1979) participou da categoria de 1975 a 1982, somando três pódios — dois com Emerson (2º lugar no GP de Jacarepaguá de 1978 e o 3º lugar de Long Beach em 1980) e um com Keke Rosberg (3º lugar no GP da Argentina em 1980).

Emerson tinha sido o último brasileiro a vencer uma corrida, no GP da Grã-Bretanha, em julho de 1975 — mesma prova em que, também pela última vez, dois brasileiros tinham subido ao pódio (José Carlos Pace havia terminado na segunda colocação).

Hoje, o Brasil soma 101 vitórias na F1, mas vive uma seca ainda maior do que aquela que Piquet quebrou: Rubens Barrichello foi o último brasileiro a receber a bandeira quadriculada em primeiro lugar, em setembro de 2009, no GP da Itália.

Zé Paulo Cardeal/TV Globo

Galvão Bueno das corridas

A relação com Galvão com o automobilismo só aumentou desde essa primeira vitória. Hoje, virou coisa de família. Seus filhos Cacá Bueno (na foto acima) e Popó Bueno viraram pilotos. O primeiro é um os mais bem-sucedidos da história do automobilismo nacional, com cinco títulos da Stock Car Brasil. O segundo chegou a correr na Fórmula Renault Européia, em 2001 e 2002, mas um acidente no circuito de Monza, na Itália, o fez retornar ao Brasil em 2003.

Numa rara entrevista, concedida para a extinta Rede OM assim que foi contratado para ser diretor de esportes da emissora, em março de 1992, Galvão disse que até gostaria de ter um filho campeão de Fórmula 1, mas que não alimentava o sonho. "Eu não alimento o sonho de ter um filho campeão de Fórmula 1. Eu até gostaria, claro, mas não é exatamente por aí. Eu acho que e não tenho o direito de impedir que eles tentem. Eu tenho até obrigação de ajudar no que possível, dar uma força no que eu puder, mas não alimento isso neles".

Na verdade, Galvão admitiu que ele era um pouco frustrado por não ser um esportista de velocidade. "Eu sou um pouco frustrado mesmo nisso. Eu já fiz uma graça no kart, gosto de andar de lancha, de jet-ski. Se eu pudesse, iria por esse caminho antes", disse o narrador.

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