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08/05/2007 - 09h30

Atletas trocam esporte por cinema e televisão

Antoine Morel
Em São Paulo

De um lado, pontos e vitórias. De outro, falas decoradas e autógrafos na rua. Depois de bons resultados no esporte, alguns atletas que disputaram Pan-Americanos levaram a fama de dentro das quadras para outros meios. Na televisão, nos palcos e nas telas de cinema, eles desfrutaram e desfrutam do agrado dos fãs e da exposição exagerada.

Um exemplo é Emil Rached. Os atributos físicos dele impressionavam não só as platéias nas arquibancadas dos ginásios de basquete como também os telespectadores da turma dos Trapalhões. Considerado até pouco tempo o homem mais alto do país, o ex-jogador, de 2,20 m, fez sua fama no esporte no Pan-Americano de 1971, em Cali (Colômbia), ao conquistar a medalha de ouro no basquete. Naquela época, a modalidade não estava acostumada a receber atletas tão altos.

DO ESPORTE À FAMA
Arquivo Folha
Emil Rached, de branco e no centro, posa com o Palmeiras, que tinha Rosa Branca
Divulgação
Filme "Os Trapalhões na Guerra dos Planetas", que exclui Rached do cartaz
Antoine Morel/UOL
Em sua casa em Campinas, Rached, hoje com 63 anos, é maior do que o batente
Rached, atualmente com 63 anos, foi eleito o melhor jogador da final contra Cuba. "Fui o cestinha e eliminei três jogadores de Cuba na final por falta. Eu chamava muita atenção por ser grande. Conseguia atrair dois marcadores para mim e sempre um ficava livre", conta. Não só na quadra o gigante atraía a multidão. Ao lado de Didi - personagem de Renato Aragão -, ele era conhecido como Bonzo e seus filmes chegaram a ter mais de 10 milhões de espectadores nas salas de cinema na década 70 e 80.

"Um dia o Renato Aragão me convidou para ser parte efetiva dos Trapalhões. Eles se aproveitavam de mim", diz, sorrindo, o simpático Rached. Além dos programas de televisão na Record, Tupi e Globo, ele também contracenou - sempre como um papel de menor expressão - com o quarteto cômico nos filmes "O Trapalhão nas Minas do Rei Salomão" (1977) e "Os Trapalhões na Guerra dos Planetas" (1978) (com cinco milhões de público cada).

Os que se lembram de Rached apenas ao lado de Didi, Dedé, Mussum e Zacarias se enganam ao pensar que a fase como jogador foi fracassada. Nascido em Vera Cruz, interior de São Paulo, ele começou a carreira no Palmeiras com o famoso Rosa Branca. Foi duas vezes vice-campeão mundial de clubes pelo Corinthians e Botafogo e terceiro lugar no Campeonato Mundial de seleções, em 1967. Neste mesmo ano, ele embarcaria para o seu primeiro Pan-Americano, em Winnipeg (Canadá). "Ah, esse foi mais turismo do que propriamente jogar Pan. O pessoal só queria fazer compras e compras", lembrou.

A fama no basquete, cinema e televisão não trouxe retornos financeiros como alguns imaginam que um astro das telas tenha. Morando em uma casa simples, em um bairro de classe média de Campinas, no interior de São Paulo, Rached até faz questão de esquecer um pouco o bordão que o tornou celebridade. "Bordão? Não, não tinha...Ah, sei. Quando o Didi perguntava ´Está frio aí em cima?´, eu respondia: ´Pega no meu termômetro´`, afirmou o envergonhado senhor, pai de três filhos e uma neta.

Ao relembrar os velhos tempos, ele não titubeia e até se ressente de não ter optado pela profissionalização no basquete: "Aceitei esses trabalhos (na televisão) porque tinha comércio e ajudava muito na divulgação. Mas eu gostava mesmo era de basquete. Naquela época não dava para viver do esporte. Eu tive, depois do Pan, duas propostas de times dos EUA, mas não aceitei por causa da minha família aqui. Talvez se tivesse aceitado, estaria melhor hoje", concluiu.

OS BBBs ESPORTISTAS
Divulgação
Marcelo Zulu posa para foto do Big Brother 4. A fama veio, mas ele prefere...
Divulgação
...a luta greco-romana. Ele é um dos convocados para disputar o Pan do Rio
Reprodução
Em apenas seis dias no BBB, Daniel Bellangero ficou famoso e pôde divulgar...
Divulgação
...o hóquei sobre patins, modalidade que deu a ele um bronze no Pan de Winnipeg
A mesma opinião tem Marcelo Zulu. Ex-integrante do reality-show Big Brother Brasil 4, ele é o dono da vaga da luta greco-romana no Pan de 2007 e um dos principais da categoria no país. "Não, nunca tive vontade de virar artista. Não tenho dom nenhum para arte. A minha intenção com o BBB foi divulgar o esporte", afirmou o atleta.

Com 26 anos atualmente, Zulu participou do jogo em janeiro de 2004, quando tentava ainda uma vaga para a Olimpíada de Atenas. Não conseguiu. Mas no Big Brother ficou exposto 24 horas a câmeras e brincadeiras que desafiavam os anônimos enclausurados na casa. "Acho que influenciou muito a presença lá na minha carreira. Porque agora tem um diferencial. Não sou apenas um atleta. E isso chama a atenção do público. Eu sou melhor recebido. O público se liga na luta", diz ele, que também reconhece as desvantagens: "Tem uma superexposição. Tem gente até que duvida que eu sou atleta".

Zulu tanto é um esportista, que já negou eventos promocionais, sua única fonte de alimentação da fama depois do BBB. "Quase não faço mais nenhum evento. Eu perdi mais de 11 ou 12 eventos porque estava competindo. E isso que eu gasto dinheiro para competir. A minha preferência é pelo esporte", confirma o lutador, que recebeu convite até para ser árbitro de uma competição de luta no Amapá.

Do mesmo artifício tentou usar o técnico do Palmeiras de hóquei sobre os patins. Daniel Bellangero teve fama instantânea e passageira. Ficou apenas seis dias na casa do Big Brother este ano, mas que, segundo ele - medalha de bronze pelo Brasil no Pan de 99 -, renderam bastante para o esporte. Quando perguntava se preferia a fama ou o dinheiro antes de entrar no programa, ele foi taxativo: "Dinheiro. A grana é uma prioridade. O sucesso engana. Ele é muito rápido. Não conseguiria viver de fama; a que eu queria, consegui no esporte". Daniel não vai poder aproveitar essa fama no Rio: a modalidade foi cortada do programa dos Jogos Pan-Americanos.

Quem soube aproveitar muito bem a fama foi o nadador Rômulo Arantes Filho. Morto em 2000 em um acidente aéreo, ele largou as piscinas para se dedicar à teledramaturgia. Ator de novelas como "Sassaricando", "Perigosas Peruas" e "Pantanal", Arantes foi contra a maré da sua família de esportistas. Seu pai era técnico de remo e natação e foi o seu maior incentivador nas braçadas iniciais. Tanto deu certo que, com 22 anos, ele ganhou duas medalhas no Pan-Americano de 1979, em San Juan (Porto Rico).

Porém, Arantes tomou uma decisão em meados década de 1980. Queria virar ator. Fez mais de 12 novelas e se tornou um dos galãs da dramaturgia da TV Globo. "Meu avô fazia contagem regressiva para os Pan-Americanos. A família tinha muita ligação com o esporte. Eu cheguei a nadar muito", disse o Rômulo Arantes Neto, filho do ex-nadador que hoje em dia também está na televisão, na novela "Malhação".

Assim como Arantes deu força para o filho ingressar na teledramaturgia, Jack Kelly também recebeu força de um parente. Irmão da famosa atriz norte-americana Grace Kelly, ele também passou das águas para as telas. Kelly, que era homônimo do pai milionário, foi medalhista no remo nos Jogos Pan-Americanos em 1955 (na Cidade do México) e foi escolhido para fazer o juramento do atleta na festa de abertura do Pan de 1959 (em Chicago, nos EUA). Depois, ainda conseguiu fazer alguns filmes "B" influenciados pela irmã, que em 1956 havia se casado com o príncipe Rainier 3º de Mônaco.

A mais famosa, porém, de todos esportistas brasileiros que tenham se aventurado no meio artístico foi a cantora Simone. Reserva da seleção de basquete vice-campeã mundial em 1971, pouco antes do Pan de Cali, ela foi cortada antes de embarcar para a Colômbia. Anos depois a jogadora do São Caetano se tornaria uma das cantoras mais famosas da MPB nos anos 1970 e 1980.