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Olimpíadas: por que a maconha ainda é tratada como doping nos esportes

Sha"Carri Richardson foi banida por uso de cannabis, apesar de ter vencido as provas eliminatórias nos EUA - Patrick Smith/Getty Images
Sha'Carri Richardson foi banida por uso de cannabis, apesar de ter vencido as provas eliminatórias nos EUA Imagem: Patrick Smith/Getty Images

Robin Levinson-King - BBC News

05/08/2021 19h52

Agência Mundial Antidoping (WADA) considera que a cannabis uma droga anti-esportiva, mas ativistas fazem campanha para mudar isso.

A velocista americana Sha'Carri Richardson não participou das Olimpíadas de Tóquio porque recebeu diagnóstico positivo para uso de maconha durante as eliminatórias do atletismo dos Estados Unidos.

Apesar da alta do consumo e da legalização da cannabis em muitos Estados nos EUA, por que ela ainda é proibida nos esportes?

Sha'Carri Richardson foi crucial na preparação da equipe americana para os Jogos Olímpicos.

Considerada a sexta mulher mais rápida da história, com o tempo de 10,72s nos 100m rasos, a velocista do Texas era tida como uma das principais concorrentes à medalha de ouro em Tóquio.

Mas quando suas companheiras de equipe foram para a pista, na final feminina dos 100m, no sábado (31), Richardson não estava lá.

No início de julho, foi anunciado que Richardson não representaria os Estados Unidos nos jogos porque ela havia recebido diagnóstico positivo para uso de cannabis durante a prova de qualificação.

Como punição, a Agência Antidoping dos Estados Unidos a proibiu de competir por um mês. Embora, tecnicamente, a suspensão de 30 dias tenha terminado durante os jogos de Tóquio, o comitê de atletismo dos EUA optou por não incluí-la na equipe.

A desqualificação reacendeu um longo debate sobre a proibição da maconha nos esportes olímpicos.

Visto que a cannabis é legal em muitos Estados americanos e que suas propriedades de melhoria de desempenho são contestadas, muitos se perguntam se ela ainda deveria ser proibida.

Uma substância que melhora o desempenho?

A maconha foi proibida pela Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) desde que a organização criou sua lista de substâncias proibidas, em 2004. Os itens da lista atendem a dois dos três critérios: prejudicam a saúde do atleta, melhoram o desempenho ou vão contra "o espírito do esporte".

O segundo ponto é o mais polêmico quando se trata de maconha.

Em 2011, a Wada defendeu a proibição da cannabis, em um artigo publicado na revista Sports Medicine. Citando um estudo sobre a capacidade da maconha de reduzir a ansiedade, a Wada afirmou que ela pode ajudar os atletas a "ter um melhor desempenho sob pressão e a aliviar o estresse sentido antes e durante a competição".

Mas essas descobertas não são suficientes para garantir a conclusão de que a maconha é uma droga que melhora o desempenho, argumenta Alain Steve Comtois, diretor do departamento de ciência do esporte da Universidade de Quebec, em Montreal.

"Você tem que ter uma visão geral", disse ele à BBC. "Sim, os níveis de ansiedade caem, mas em termos de dados fisiológicos reais, isso mostra que o desempenho é reduzido."

Comtois foi um dos autores de uma revisão do Journal of Sports Medicine and Physical Fitness Review de pesquisas sobre o uso de maconha antes do exercício e sua capacidade de melhorar o desempenho atlético.

O artigo descobriu que a maioria das pesquisas aponta para a maconha dificultando as respostas fisiológicas necessárias para o alto desempenho, aumentando a pressão arterial e diminuindo a força e o equilíbrio.

O paper não analisou os efeitos da maconha na ansiedade, mas Comtois diz que seus outros efeitos negativos neutralizariam quaisquer benefícios.

Drogas e o espírito esportivo

Mas há mais na regra de Wada do que apenas a proibição de drogas para melhorar o desempenho.

Fundada em 1999 após vários escândalos de doping nas Olimpíadas, a Wada tinha como objetivo liderar uma ação para acabar com o doping nos esportes em todo o mundo. Ao elaborar sua lista de substâncias proibidas em 2004, a maconha era ilegal em quase todos os países do mundo.

"Eles não queriam ter problemas de respeitabilidade social", diz John Hoberman, um historiador cultural que pesquisa a história antidoping na Universidade do Texas-Austin.

Seu status de droga ilícita foi citado pela Wada em um paper de 2011 como um dos motivos pelos quais a maconha ofendia o "espírito esportivo" (critério 3) e "não era compatível com o atleta, um modelo para jovens em todo o mundo".

A regra gerou repreensões não apenas para Richardson, mas também para dezenas de outros atletas.

Em 2009, Michael Phelps, nadador americano, foi suspenso por três meses e perdeu o patrocínio da Kellogg's depois que fotos dele fumando maconha vazaram na internet.

O velocista americano John Capel também foi suspenso por dois anos, depois de um segundo teste positivo em 2006.

Antes de a Wada criar a lista de drogas proibidas, o Comitê Olímpico Internacional (COI) tentou tirar a medalha de ouro do snowboarder canadense Ross Rebagliati porque ele testou positivo.

Mas, na última década, a situação da maconha legal — e a atitude da sociedade em relação a ela — começou a mudar.

O Uruguai foi o primeiro país a tornar legal a compra e venda de maconha para uso recreativo, em 2013, com o Canadá seguindo o processo em 2018.

Muitos outros países descriminalizaram a erva até um certo grau, incluindo África do Sul, Austrália, Espanha e Holanda.

Nos Estados Unidos, é ilegal em âmbito federal, mas é legal em cerca de um terço dos Estados — incluindo Oregon, onde Richardson testou positivo.

Também tem havido uma aceitação crescente do uso de cannabis para fins médicos, com muitos países, incluindo o Reino Unido, permitindo o uso da maconha medicinal.

Na verdade, em 2019, a Wada retirou o canabidiol (CBD), um componente da cannabis, da lista de substâncias proibidas, embora o produto continue ilegal em alguns países, como o Japão, onde as Olimpíadas são realizadas neste ano.

Essas mudanças alimentaram as atuais críticas à suspensão de Richardson.

A corredora disse à NBC News que ela tinha usado maconha para lidar com a morte da mãe dela, uma semana antes da eliminatória.

"Peço desculpas se decepcionei vocês — e eu o fiz. Esta será a última vez que os EUA voltam para casa sem ouro nos 100 metros", disse ela.

Em meio a uma onda de simpatia por Richardson, a Wada enfrentou um dilema. Como diz Hoberman: "Você não pode administrar uma organização que está sujeita a regras e simplesmente dissolver uma regra em um momento conveniente".

Como a proibição da maconha ainda está em vigor, uma exceção não poderia ser concedida facilmente para Richardson.

"E então essa jovem foi vítima da existência dessa regra", disse Hoberman.

Qual a próxima?

Não está claro se ou quando a Wada vai reconsiderar a proibição da cannabis, mas a pressão está aumentando para que isso aconteça.

A suspensão de Richardson levou o presidente dos EUA, Joe Biden, a questionar a lei atual, embora ele não tenha dito que ela deveria ser anulada, gerando rumores de que a Casa Branca poderia intervir.

"Regras são regras. Todo mundo sabe quais são as regras", disse Biden a repórteres, em Michigan. "Se elas devem permanecer assim, se ela deve continuar, é uma questão diferente."

Até mesmo a Agência Antidoping dos Estados Unidos, a autoridade americana que aplica as regras da Wada, disse que "é hora de rever o assunto".

Por enquanto, Richardson, e outros atletas como ela, terão que ficar longe da maconha, ou ficar à margem.