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OPINIÃO

Sete momentos em que as Olímpiadas mostraram que o mundo pode ser melhor

Reuters
Imagem: Reuters

Alexandre Cossenza

Colaboração para o UOL, de São Paulo

10/08/2021 04h00

Foram 19 dias de... tudo. A elite da elite esportiva disputando para ser um centésimo de segundo mais rápida, um centímetro mais alta, um milímetro mais precisa. Sorrisos, lágrimas, vitórias, derrotas, sucesso e fracasso. Tudo, às vezes, no mesmo take repetido em super slow e visto em um bilhão de telas ligadas em ilhas, desertos, megalópoles e aldeias em 24 fusos horários diferentes.

Mas e agora, que acabou? A população que acompanhou tudo isso no mundo moderno multitelas retoma a vida pelos próximos três anos, até 26 de julho de 2024, início dos Jogos Olímpicos de Paris... e o que fica?

Como em tudo na vida, depende dos olhos de quem vê. Sim, o planeta seguirá lutando contra a pandemia, e cada país continuará com seus dilemas próprios. Aquecimento global, crises migratórias, guerras santas e tudo o mais. Mas se você, leitor, prestou atenção em muitas das cenas que Tóquio compartilhou conosco os últimos 19 dias, não faltam motivos — e exemplos — para acreditar que o mundo pode melhorar.

1. Diplomacia

Quem não se emocionou com o qatari Mutaz Essa Barshim e o italiano Gianmarco Tamberi dividindo o ouro no salto em altura? O sarrafo subiu para 2,39m, ambos falharam em suas três tentativas, e um oficial da competição perguntou se os atletas — os únicos na briga pelo ouro — gostariam de decidir a medalha em um "jump-off" (desempate em que vence o primeiro a saltar a próxima altura, mas com apenas uma tentativa por vez para cada competidor). Bastou Barshim perguntar: "Podemos ficar com dois ouros?" O oficial acenou positivamente com a cabeça, Tamberi saltou no colo do qatari, e os dois comemoraram a decisão. Afinal, por que seguir batalhando se um objetivo comum pode ser dividido igualmente?

2. Generosidade

O que dizer do skate? Estreante no programa olímpico, a modalidade era olhada com uma certa desconfiança por chegar com um rol de atletas adolescentes que levavam às Olimpíadas um visual diferente e despojado. Não demorou para ficar claro que o espírito olímpico estava forte ali.

A cada atleta que se apresentava, uma dúzia de "rivais" acompanhava do lado de fora e vibrava com os acertos de quem estava na pista. Aplausos, high fives e alegria genuína pelos vencedores. Quem não abriu um sorriso com os abraços de Margielyn Didal e Rayssa Leal? Como não levar para vida que podemos admirar e, por que não, festejar o sucesso de adversários? Como ver uma cena assim e não aprender que oponentes não são inimigos?

3, 4 e 5. Trabalho em equipe, saúde mental e comunicação

A gigante Simone Biles talvez tenha sido o maior dos exemplos. Em cerca de uma semana, a tetracampeã olímpica mandou múltiplas mensagens positivas na sua passagem em Tóquio. Desde o "tudo bem não estar bem", uma admissão pública ao desistir de várias provas porque não se sentia mentalmente bem para competir, passando pelo "não importa o que as pessoas pensam, o importante é estar bem consigo mesmo", até a importância da comunicação e de passar a mensagem adiante.

Da arquibancada, Simone vibrou com suas companheiras de time. Na internet, usou sua conta no Instagram, com quase 7 milhões de seguidores, para levar a informação adiante, falar abertamente da sua decisão e explicar o que são "twisties" e por que são tão perigosos. Como se não bastasse, voltou no último dia, para a disputa da trave, e saiu de Tóquio com um bronze que, se tem seu valor pelo mérito esportivo, tem peso muito maior pelo simbolismo de mostrar ao mundo o quanto a melhor ginasta do planeta valorizou o mais baixo dos degraus do pódio.

6. "A gente é muito capaz"

Bruno Fratus tinha acabado de conquistar o bronze nos 50m livre quando, diante dos microfones da TV, mandou uma mensagem de incentivo a seus compatriotas. Sim, de um jeito meio estabanado, mas do modo que alguém é capaz de fazer sob o efeito de uma quantidade cavalar de adrenalina após alcançar o sonho de uma vida.

"Nós somos o melhor povo, nós temos o melhor país do mundo. Eu moro nos EUA faz um tempo, né? Todo mundo lá paga pau pro Brasil, paga pau pro povo brasileiro. A gente é muito capaz, então assim que nem eu fiz hoje, se permitam ser o povo que a gente pode ser, o país que a gente pode construir porque é isso, é o que aconteceu. A gente está entre os melhores do mundo, não deixa nada a desejar pra ninguém."

Mais do que qualquer outra coisa, Fratus passa uma mensagem de autoestima coletiva melhor do que qualquer frase de camiseta repetida por aquele coach que aparece em posts patrocinados no seu Instagram. Seu público-alvo tem 200 milhões de pessoas que precisam de estímulos positivos num cotidiano cheio de obstáculos e se é verdade que o nadador mora nos Estados Unidos, sua declaração não perde força por isso.

7. Amor

Da medalha mais improvável entre as conquistadas pelo Brasil em Tóquio — e uma das mais inesperadas da história olímpica verde-e-amarela — veio o exemplo de Luisa Stefani e Laura Pigossi, que derrubaram cabeças de chave, salvaram quatro match points nas quartas de final e protagonizaram uma espetacular virada em cima das vice-campeãs de Wimbledon na disputa pelo terceiro lugar.

Luisa fala sobre energia e acreditar até o fim — uma mensagem de fé acima de qualquer coisa — mas também fala em jogar com o coração. A paulista contou que antes de ir a Tóquio escreveu em seu caderninho a seguinte frase: "Jogue pelo amor e não pelo resultado".

É claro que a medalha aumenta exponencialmente o volume do recado, mas o que poderia ser mais simples e brilhante do que inspirar pessoas a fazerem suas tarefas do dia a dia com amor? Obrigado, Luisa. E obrigado, Tóquio-2020!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL