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Japão apostou alto e perdeu: Tóquio-2020 é Olimpíada mais cara da história

Abertura dos Jogos de Tóquio 2020 no Estádio Nacional: local foi reconstruído por R$ 7,4 bilhões e é símbolo do custo alto da Olimpíada - Miriam Jeske/COB
Abertura dos Jogos de Tóquio 2020 no Estádio Nacional: local foi reconstruído por R$ 7,4 bilhões e é símbolo do custo alto da Olimpíada
Imagem: Miriam Jeske/COB

Juliana Sayuri

Colaboração para o UOL, em Tóquio (Japão)

07/08/2021 12h00

É difícil cravar números absolutos para traduzir a dimensão dos impactos econômicos das Olimpíadas para o Japão, mas é certo dizer que a casa apostou alto. E saiu perdendo.

Quando foi escolhida para sediar a 32ª edição dos Jogos Olímpicos, Tóquio construiu arenas do zero, repaginou estádios e fez obras e mais obras para oferecer a atletas e torcedores infraestrutura impecável. O custo inicial ficou na casa de US$ 7,3 bilhões (cerca de R$ 38 bilhões no câmbio atual).

Com o adiamento provocado pela pandemia de covid-19, a cidade-anfitriã transformou seus Jogos na Olimpíada mais cara da história. O orçamento divulgado pelo comitê organizador saltou para US$ 15,4 bilhões, drenados, por exemplo, para renegociar contratos firmados para 2020 postergados para 2021 e adaptações para garantir protocolos de segurança e saúde impostos pela pandemia. Extraoficialmente, especialistas consideram que o valor final ultrapasse US$ 26,3 bilhões.

Quase US$ 3 bi de prejuízo (até agora) só por falta de público

Sob estado de emergência e atravessando a pior onda de covid-19 desde o início da pandemia, Tóquio realizou os Jogos a portas fechadas, sem a presença de torcedores estrangeiros (vetados em março) ou japoneses (desconvidados de última hora em julho, a quinze dias da cerimônia de abertura). Segundo um estudo realizado pelo Nomura Research Institute, a ausência de público corresponde a uma perda de US$ 1,3 bilhão (R$ 6,8 bilhões) só de ingressos inutilizados.

Além das arquibancadas, a ausência de público impactou a indústria turística que, pré-pandemia, esperava receber 40 milhões de turistas estrangeiros durante os Jogos. De hotéis estrelados a simples ryokans (as hospedarias japonesas típicas), passando por bares badalados e pequenas casas de chá, todos ficaram a ver navios no arquipélago. Com as fronteiras fechadas, os prejuízos alcançaram US$ 1,4 bilhões até fins de 2020 e ainda se espera dados consolidados de 2021.

"Praga das cidades anfitriãs"

Policiais preparados para agir em caso de manifestações contra a olimpíada de Tóquio. Ao fundo, fogos de artifício durante a cerimônia de abertura  - Yuichi Yamazaki/Getty Images - Yuichi Yamazaki/Getty Images
Policiais preparados para agir em caso de manifestações contra a olimpíada de Tóquio. Ao fundo, fogos de artifício durante a cerimônia de abertura
Imagem: Yuichi Yamazaki/Getty Images

Enquanto o bônus da transmissão dos jogos vai para o COI (Comitê Olímpico Internacional), o ônus fica com o Japão, que inclusive drenou recursos de outras regiões para Tóquio, diz o cientista político Jules Boykoff, professor da Universidade Pacific, em Forest Grove (Estados Unidos), e autor de "NOlympians: Inside the Fight Against Capitalist Mega-sports in Los Angeles, Tokyo and Beyond" (2020) e "Celebration Capitalism and the Olympic Games" (2013), entre outros.

Para Boykoff, a cidade-sede ficou com o "fardo" dos jogos, que consumiram recursos que poderiam ser investidos para enfrentar a disparada de covid-19 no país. "A sociedade japonesa pagou, mediante impostos, por um evento que nem deveria acontecer neste momento."

Pandemia à parte, ao longo dos últimos anos autores vêm destacando como as Olimpíadas envolvem custos demais e benefícios de menos para as cidades-sede: os benefícios seriam a expectativa de aquecer o mercado do turismo e capitalizar o prestígio do país sob holofotes internacionais; os custos vão desde remoções de residentes de áreas para construção até a incerteza de retorno econômico e o destino das instalações ao fim das competições —o risco de criar "elefantes brancos".

"Assim, há críticos que preferem retratar as Olimpíadas atualmente como uma indústria, uma máquina e até uma 'doença' que cria uma praga nas cidades que serão as anfitriãs", diz o sociólogo John Horne, atualmente professor visitante da Universidade Waseda, em Tóquio, e coautor do livro "Understanding the Olympics" (2020).

Patrocinadores se esconderam

Miniatura de Toyota e-Palette nas Olimpíadas de Tóquio - Divulgação - Divulgação
Miniatura de Toyota e-Palette nas Olimpíadas de Tóquio: a empresa faria uma série de ações durante os Jogos, mas só manteve iniciativas pontuais, como os carrinhos no rúgbi e os ônibus autônomos na Vila Olímpica
Imagem: Divulgação

Em plena pandemia, Tóquio realizou sua Olimpíada sob protestos de ativistas e críticas de médicos, economistas e empresários. Até patrocinadores importantes, como a montadora Toyota, preferiram não veicular propagandas de suas marcas. Outros nem compareceram à cerimônia de abertura.

Lideranças empresariais também tomaram distância. Takeshi Niinami, diretor-executivo da Suntory, avaliou que os jogos estão perdendo "valor" e não investiu como patrocinador. Hiroshi Mikitan, da Rakuten, definiu as Olimpíadas como "missão suicida".

Mesmo quem gostaria de participar do evento não pode. Japoneses se reuniram em pontos de chegada de atletas, mas não puderam interagir com os esportistas. Outro exemplo de tentativa frustrada. Ao lado do local de competição da escalada há um espaço que serviria de área de encontro de torcidas, mas que está vazio por causa do estado de emergência sanitária em Tóquio.

O ex-premiê Shinzo Abe, responsável pela candidatura de Tóquio como cidade olímpica em 2013, tampouco prestigiou a abertura. O atual primeiro-ministro Yoshihide Suga, cujos índices de aprovação derreteram neste verão, enfrentará eleições neste ano (data a definir). Até lá, outro megaevento esportivo marca o calendário: as Paraolimpíadas, de 24 de agosto a 5 de setembro.

Legado: próximos Jogos evitarão construir instalações

Arena Ariake, sede dos jogos de vôlei - Tomohiro Ohsumi/Getty Images - Tomohiro Ohsumi/Getty Images
Arena Ariake, sede dos jogos de vôlei, que servirá como arena multiuso pós-Jogos -- sede do basquete na Rio-2016 tem a mesma função e, entre 2007, quando foi construída para o Pan, e 2016 foi mais usada para shows do que para eventos esportivos
Imagem: Tomohiro Ohsumi/Getty Images

A brasileira Tânia Braga, chefe de legado do COI e que fazia parte do comitê organizador das Olimpíadas do Rio de Janeiro, ressalta que das 43 instalações olímpicas de Tóquio, apenas 8 são inteiramente novas. "Se você olhar para as 878 instalações de Olimpíadas anteriores, de Atenas-1896 a PyeongChang-2018, 39% eram novas. Em Tóquio, é menos de 20%", diz ela, indicando como um dos legados da edição japonesa o aproveitamento de estruturas existentes -a previsão é que em Paris-2024, por exemplo, só 5% das arenas sejam novas e em Los Angeles-2028, 100% das instalações serão pré-existentes.

Entre os novos estão o Estádio Nacional (que foi demolido e reconstruído a um custo de cerca de US$ 1,4 bilhões), o Centro Aquático (US$ 542 milhões) e a Ariake Arena (US$ 320 milhões). Segundo os organizadores, todos serão usados para eventos depois dos Jogos —o ginásio do vôlei, também para eventos culturais.

"Outra mudança importante é a compreensão de que legado não quer dizer só instalações e infraestrutura. É sobre pessoas. É o que chamamos de legado humano, desenvolvimento de esporte, mudança de comportamento, engajamento. Tóquio usou o poder dos jogos para ajudar a criar mudanças de comportamento na sociedade", disse Braga.

Ela se referia a projetos de reciclagem e prática esportiva por toquiotas. Entretanto, quem caminha na capital japonesa vê outras mudanças na época dos jogos: população de rua removida de áreas centrais ao redor do Estádio Nacional e protestos quase que diários.