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"Tandara não deve ser prejudicada por algo que não fez", diz defesa

Tandara durante duelo do Brasil contra a Coreia do Sul, no vôlei feminino, na fase de grupos dos Jogos Olímpicos de Tóquio - Wander Roberto/COB
Tandara durante duelo do Brasil contra a Coreia do Sul, no vôlei feminino, na fase de grupos dos Jogos Olímpicos de Tóquio Imagem: Wander Roberto/COB

Ana Flávia Oliveira

Do UOL, em São Paulo

06/08/2021 20h50

O advogado Marcelo Franklin, especialista em direito desportivo e doping, assumiu a defesa da jogadora de vôlei Tandara Caixeta, da seleção brasileira, poucas horas depois de ela ter sido notificada sobre a suspensão provisória por uso de Ostarina. A substância é um anabolizante que contribui para o aumento de força e massa muscular. Ele diz que a intenção é provar que ela não usou nenhuma substância proibida.

"Se você olhar para a carreira dessa atleta, é uma atleta totalmente ilibada, não tem qualquer tipo de antecedente, de problema disciplinar, é uma atleta que garante que não usou. E minha intenção é fazer a prova de que de fato ela não usou nada proibido e não merece ser sancionada e prejudicada por algo que ela não cometeu", disse o advogado ao UOL.

Tandara foi avisada sobre a suspensão na véspera da semifinal das Olimpíadas de Tóquio contra a Coreia do Sul, que a seleção venceu por 3 sets a 0, teve de deixar a Vila Olímpica e está a caminho do Brasil. Em nota assinada pelo advogado e publicada nesta sexta-feira (6) nas redes sociais da atleta, a alegação é que foi "uso acidental" da Ostarina.

"Existe uma questão na Justiça Antidopagem chamada de responsabilidade estrita, que diz que o atleta é responsável por tudo que entra no organismo dele. Mas isso não é relacionado ao grau de culpa do atleta. Ainda que ele seja responsável por tudo que entra no organismo dele, se ele puder comprovar que não teve culpa pelo fato de ter entrado, ele pode sair de um processo desse com uma declaração de ausência de culpa e sem nenhum tipo de penalização."

Franklin explicou que, como o caso corre em segredo de justiça, não pode dar detalhes sobre a linha de defesa. Além disso, diz ser necessário aguardar a contraprova do exame feito em 7 de julho, quando a jogadora ainda estava em Saquarema (RJ) com a seleção brasileira antes de embarcar para a disputa das Olimpíadas de Tóquio.

"Eu assumi o caso de ontem para hoje. O próximo passo é a abertura da amostra B de urina da atleta, sem data ainda. Se a amostra B não confirmar a amostra A, o caso desaparece por completo. Se confirmar, o caso vai para o Tribunal de Justiça Desportiva e vai haver ampla instrução, com a possibilidade de defesa, vai haver audiência com oitiva de testemunhas, e o caso vai ser julgado em duas instâncias. Se, ainda assim, houver alguma discordância da decisão final, como ela é uma atleta de nível internacional, há possibilidade de recurso no Tribunal Arbitral do Esporte, na Suíça."

Apesar de a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária) ter proibido a venda, a manipulação, a propagada e o uso da Ostarina em janeiro deste ano, o advogado relata ter diversos casos envolvendo a substância.

"O Tribunal de Justiça Antidopagem está repleto de casos com atletas com problemas justamente com a Ostarina. E foi justamente um caso que estava sob os meus cuidados que fez que houvesse um ofício da ABCD [Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem] à Anvisa pedindo para que fosse proibida a venda da Ostarina no Brasil", disse, sem especificar qual.

"Se o simples fato dessa substância, em dado momento, se tornar proibida fosse justificativa para afastar essa hipótese não haveria sequer razão para estar tratando com tantos casos assim no Brasil. De seis meses para cá, eu já cuidei de pelo menos cinco casos envolvendo essa substância. Eu tenho conhecimento prévio de problemas anteriores com essa substância. Os atletas foram julgados no Brasil e no exterior e verificou-se que eles eram vítimas de situações, que não houve o uso intencional."

Um dos casos defendidos por ele é o da atleta Fernanda Borges, do lançamento de disco, que foi liberada para competir nas Olimpíadas depois de ter sido suspensa provisoriamente pelo uso da mesma substância.

Prejulgamento

O advogado alerta que o prejulgamento feito pelas pessoas pode prejudicar a imagem do atleta. "Na hora que o atleta tem um problema vêm muitas pessoas se manifestar sobre o assunto sem conhecer as particularidades e peculiaridades do caso. Fazer declarações prejulgando os atletas. Muitas vezes, esses atletas, depois do julgamento, conseguem demonstrar que a situação é justificável, e eu não vejo na maioria das vezes a imagem do atleta ser recuperada. Eu vejo com muita preocupação essa questão do prejulgamento, de cancelamento nas redes sociais. Acho que todo mundo deve ter muito cuidado com isso, afinal é um ser humano do outro lado que sequer teve a possibilidade de se defender."

"Tandara está impactada pela dramaticidade da situação, de ser comunicada na véspera de uma semifinal olímpica, um jogo que vale medalha, e ser abruptamente cortada de uma delegação e retornar para o Brasil. É obvio que isso gera um impacto muito violento em qualquer atleta."

Com larga experiência na área, Marcelo Franklin foi responsável pela defesa de atletas como Cesar Cielo, Rafaela Silva, Fernando Reis, além de Fernanda Borges, Etiene Medeiros, Natasha Rosa e do medalhista de prata Pedro Barros, que competiram em Tóquio.

Não está na composição de nenhum medicamento, diz médico

Segundo o médico Alexandre Hohl, presidente do departamento de endocrinologia feminina e andrologia da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), a Ostarina não está na composição de nenhum outro medicamento. "Estão me perguntando bastante: pode ser encontrado em algum remédio? Não! Pode ser usado em algum tratamento? Também não!", disse em entrevista ao UOL Esporte.

Hohl explicou que a Ostarina faz parte da classe "Sarm" (Selective Androgen Receptor Modulators, em português, moduladores seletivos do receptor de androgênio), e que não há nenhum remédio no mundo que pertença a essa classe.

"Quando a gente fala em remédio, ele tem fase 1, 2, 3 e 4 de pesquisa. Esses Sarm's [Selective Androgen Receptor Modulators, em português, moduladores seletivos do receptor de androgênio] nunca chegaram à fase 3. Então, o que acontece? Existe um potencial para melhorar músculo, osso, tem todo um racional legal, só que não foi para frente, não conseguiram evoluir. Então a gente não tem resposta nem de segurança nem de eficácia. E como fica a história? Não existe um remédio no mundo que seja um SARM", explica.

"Era tipo um suplemento que ninguém dava bola, mas é um anabolizante, até a Anvisa se posicionar. A resolução 791 da Anvisa desse ano foi muito feliz, pois eles são bem categóricos: proíbe divulgação, comercialização, propaganda, manipulação e uso de todos os Sarm's. E a Ostarina está ali...", acrescenta.

Caso venha a ser suspensa de forma definitiva, Tandara deve perder os resultados obtidos a partir do dia 7 de julho, até o fim da suspensão, o que inclui os jogos das Olimpíadas. Com isso, caso ela seja de fato punida, não receberá medalha olímpica, mas o time não corre riscos de perder resultados.