Topo

Simone Biles: o que leva um atleta a sofrer um bloqueio mental

27.jul.2021 - Simone Biles se desequilibra em final olímpica por equipes - Jamie Squire/Getty Images
27.jul.2021 - Simone Biles se desequilibra em final olímpica por equipes Imagem: Jamie Squire/Getty Images

Adriana del Ré

Colaboração para o UOL, em São Paulo

05/08/2021 04h00

A decisão da ginasta norte-americana Simone Biles, de 24 anos, de desistir das finais do individual geral e de quase todos os aparelhos da ginástica artística nas Olimpíadas de Tóquio surpreendeu o mundo e reacendeu o debate sobre a saúde mental no esporte. Afinal, o que leva um atleta, no auge da forma física, a sofrer um bloqueio mental que o impede de competir no principal evento esportivo do mundo?

O que Biles relata sofrer é conhecido internacionalmente como twisties. Trata-se de um bloqueio mental que faz com que o corpo não responda corretamente aos estímulos do cérebro. "Minha mente e meu corpo simplesmente estão fora de sincronia. Não acho que vocês entendem quão perigoso isso é nas superfícies de competições duras. Eu não preciso explicar por que coloquei a saúde em primeiro lugar", declarou a estrela da ginástica artística, que ganhou medalhas de ouro nas Olimpíadas do Rio-2016.

Para o psicólogo do esporte João Ricardo Cozac, a decisão de Biles de desistir de competir em Tóquio é um marco para o esporte mundial.

"Ela traz, através de uma experiência própria muito dura, muito angustiante, muito dolorida, o retrato que muitos atletas silenciosamente vivem e um retrato de um desiquilíbrio das emoções, de uma tentativa de uma adaptação às exigências do esporte de alto rendimento. Não raro, o final dessa equação são síndrome de burnout, que é desistência precoce da prática esportiva, seja ela temporária ou até definitiva, quadros agudos de depressão, crises de ansiedade", avalia Cozac, que é também presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte.

O psicólogo afirma que todas essas respostas emocionais podem estar associadas à dificuldade da adaptação de um novo status, o de campeã e ícone mundial, que gera um aumento das expectativas externas e, muitas vezes, internas também.

"O caso da Simone é um alerta mundial às exigências que o esporte de alto rendimento traz para que a gente possa olhar mais para o lado humano dos atletas. Eles não se separam de sua esfera humana, de sua história, de seu desenvolvimento emocional. Tudo isso entra nas quadras, nos ginásios, nas piscinas, nos estádios."

A psicóloga clínica Regina Truffa Tarabay considera também este um momento histórico, ainda mais envolvendo um ambiente em que atletas estão associados a força, invencibilidade, superação. "Imagina um atleta no nível dela falar: não estou dando conta, minha saúde mental vem primeiro lugar", diz Regina.

Como atleta e, sobretudo, favorita, Simone Biles vive sob uma pressão ainda maior. "Excesso de pressão libera cortisol. O atleta nunca para de liberar cortisol, que é o hormônio do estresse. Nunca vamos ficar com crise de ansiedade ou chegar a uma depressão sem liberar esse cortisol. Todos nós liberamos esse hormônio, o problema é a medida."

Regina chama atenção também para ausência de público nas competições em Tóquio, por causa da pandemia de covid-19. "Quando, por exemplo, você vai para um estádio de futebol, com público, você faz aquela festa. Quando está sozinho, você entra mais em contato com você."

Para ela, isso pode ter influenciado a atleta de alguma maneira. "A energia do público é contagiante, é o que a gente chama de inconsciente coletivo. E ali ela está só com ela. O que aconteceu com Simone poderia ter acontecido daqui a um ano, mas aconteceu agora. A pandemia e a falta de público adiantaram processos que talvez ela só viveria daqui a um tempo."

Para Bianca Panvequi Liberati, psicóloga clínica e hospitalar, o atual momento do mundo influencia no aumento de pressão sobre Biles. "Todo mundo acaba torcendo um pouco pela Simone, principalmente a mulher, que se vê representada por outra mulher; essa questão do empoderamento não só feminino, mas do empoderamento da cultura negra também. Então, tudo isso foi colocando Simone cada vez mais numa pressão muito maior, além da própria pressão interna."

Pedir para sair foi uma questão de proteção, acredita Bianca. "Porque talvez, se ela se frustrasse, fosse muito mais grave do que simplesmente a questão do: 'não dei conta de lidar com meu emocional e desisti'. Então, às vezes o desistir faz bem, sim. É aquilo de sair enquanto o time está ganhando."

A psicóloga clínica Júlia Valdetaro alerta para a importância do trabalho psicológico com os atletas, o que faz com que eles mudem sua perspectiva, evitando principalmente as comparações com os demais competidores, e foquem no seu próprio processo.

"Nas Olimpíadas, isso dificulta porque toda atenção está no atleta e em sua vitória. Sair da dicotomia vitória e derrota ajuda a viver esse momento de maneira mais leve, podendo entender que a possível vitória ou derrota faz parte do processo", afirma ela.

"Também há uma enorme importância de os atletas cuidarem da saúde mental após as competições. O atleta que reconhece seus limites e escolhe cuidar e preservar a sua saúde mental tem um ato de coragem. É um ato de respeito pelo seu corpo e pela sua saúde mental."