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Como na Rio-2016: com vírus e protestos, Tóquio conquista o clima olímpico

Juliana Sayuri

Colaboração para o UOL, em Tóquio (Japão)

03/08/2021 12h00

Parece que foi ontem que as ruas de Tóquio estavam tomadas por protestos expressivos contra a realização das Olimpíadas em meio à pandemia de covid-19. Às vésperas da abertura, no dia 23 de julho, proliferaram manifestações, mobilizações online e críticas, com apenas 14% da população japonesa a favor dos jogos — de acordo com a última pesquisa pré-jogos do jornal Asahi Shimbun, 43% dos entrevistados desejavam cancelar e outros 40% adiar as Olimpíadas. Até então, o clima olímpico era uma miragem na capital japonesa sob estado de emergência.

Ao longo dos últimos dias, porém, a Tóquio-2020 foi conquistando os japoneses. Lembra o que ocorreu na Rio-2016 durante a epidemia de zika? Apesar dos protestos e ameaças de delegações estrangeiras, e mesmo sem nenhum sinal de que o vírus que ameaçava a realização do evento tivesse sido controlado, depois do pontapé inicial muita gente entrou na dança e passou a assistir e torcer. Há cinco anos, por brasileiros. Hoje, pelos japoneses.

Streamer Marcio Takayama, paulistano radicado há 20 anos no Japão, próximo ao Estádio Nacional de Tóquio-2020 - Juliana Sayuri/UOL - Juliana Sayuri/UOL
Streamer Marcio Takayama, paulistano radicado há 20 anos no Japão, próximo ao Estádio Nacional de Tóquio-2020
Imagem: Juliana Sayuri/UOL

"Antes, eu estava torcendo para cancelarem ou adiarem [as Olimpíadas], para a segurança de quem mora aqui", conta o streamer Marcio Takayama, um paulistano radicado há 20 anos no Japão, a quem a reportagem do UOL Esporte encontrou por acaso fazendo uma live na Twitch nos arredores do Estádio Nacional nesta terça (3).

"Por outro lado, entendo os custos, a pressão política e tudo mais. Quando decidiram que os jogos iam acontecer realmente, aí virei a chave: já que vai acontecer, a gente precisa apoiar, não adianta ficar protestando", opina o produtor e autor do site Coisas do Japão.

Uma expressão japonesa traduz bem essa ideia: "shoganai", que quer dizer "não há o que fazer". Isto é, se não dá para ter controle de tudo, é melhor aceitar, seguir adiante e torcer pelo melhor. É a versão japonesa de "deixa a vida me levar".

Até agora não há enquetes atualizadas de opiniões pró ou contra as Olimpíadas, mas ao menos três pontos indicam essa tendência positiva no Japão, que na sexta-feira (30) já registrava sua melhor performance na história dos Jogos Olímpicos, com 29 medalhas, incluindo o ouro inédito de Momiji Nishiya no skate e a prata de Kanoa Igarashi no surfe, duas modalidades que estrearam nesta edição.

O primeiro é a audiência registrada na abertura: no Japão, 73,27 milhões de pessoas assistiram à cerimônia no Estádio Nacional, transmitida na NHK e em outros canais, segundo estimativa da plataforma Video Research. Sem público nas arquibancadas, sem personalidades vips como o ex-premiê Shinzo Abe e o empresário Akio Toyoda (da Toyota), sem Mario (sim, o do videogame), calcula-se que cerca de 56% da população assistiu à abertura.

Segundo Yiannis Exarchos, diretor do serviço de transmissões das Olimpíadas, foi o evento mais assistido nos últimos dez anos no país. Na Rio-2016, a audiência japonesa ficou na casa dos 26,5 milhões (possivelmente devido ao fuso horário, com 12 horas de diferença entre Rio e Tóquio); e na Londres-2012, 40,7 milhões.

Japoneses tiram foto em frente aos anéis olímpicos próximos ao Estádio Nacional de Tóquio-2020 - Juliana Sayuri/UOL - Juliana Sayuri/UOL
Japoneses tiram foto em frente aos anéis olímpicos próximos ao Estádio Nacional de Tóquio-2020
Imagem: Juliana Sayuri/UOL

O segundo ponto se refere ao frisson provocado pelos jogos no Twitter. Apesar de críticas em torno dos recordes de infecções registrados na capital japonesa, que levaram hashtags como #explosãodecasos (em japonês, é claro) subirem aos trending topics, o número de tuítes a favor dos jogos foi maior: segundo uma análise da Nikkei Asia com base nos dados da consultoria NTT Data, comentários positivos ultrapassaram os negativos em até 2,1 vezes na abertura de 23 de julho e, depois, destacaram as performances de Jun Mizutani e Mima Ito (ouro no tênis de mesa) e Yuto Horigome (ouro no skate).

O último é um fenômeno que aos poucos ganha contornos na cidade: filas para tirar fotos em frente aos anéis olímpicos do Estádio Nacional, lojas finalmente desencalhando souvenires, jovens se reunindo para beber e assistir às disputas em parques. Um fenômeno tímido, longe de lembrar a atmosfera de festa da Copa de 2002, realizada entre Coreia do Sul e Japão, diz Takayama. "Quase nada de clima olímpico, só olhando muito de perto", pondera.

Autoridades vêm pedindo para que os toquiotas fiquem em casa e assistam aos jogos na TV. Protestos continuam ocorrendo na cidade e, na internet, ativistas estão realizando uma série de lives intitulada "NOlympics TV" pedindo boicote à transmissão das Olimpíadas. Até o fim delas, no domingo (8), a disputa deve continuar.