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Velejadores atrás de medalhas: tão tradicional como cerveja na chegada

Robert Scheidt, aos 48 anos, finalista da Laser, classe que exige muito do físico - Clive Mason/Getty Images
Robert Scheidt, aos 48 anos, finalista da Laser, classe que exige muito do físico Imagem: Clive Mason/Getty Images

Denise Mirás

Colaboração para o UOL, de São Paulo

01/08/2021 04h44

Na vela, disputada na baía de Enoshima, os japoneses bem que colocaram em prática o que pregaram na cerimônia de abertura das Olimpíadas de Tóquio-2020, com relação a preservar o meio ambiente. As regatas, desta vez, só começaram ao meio-dia porque os organizadores tiveram de entrar em acordo com pescadores da região, que têm o forte do trabalho realizado pela manhã. As seis raias tiveram de ser montadas ao redor de pesqueiros. Também foi montado um corredor de acesso, fora da área para os pescadores.

Normalmente o povo da vela compete longe da cidade olímpica - que não necessariamente é cidade litorânea. Por isso, as festas rolam entre as equipes, entre os contêineres que formam um pequeno vilarejo, "mezzo napolitano", bandeiras dos países no alto, paredes e portas cheio de roupas coloridas penduradas, caixas de ferramentas e equipamentos.

Nem ideia de como está sendo no Japão. Imagino que bem diferente por causa da pandemia, mas a cerveja é meio sagrada na volta do mar. Latinhas ficam nos "canudos" de transporte de mastros, abertos, improvisados como "cochos" cheios de gelo. Vários países participam dessas confraternização e os australianos, também tradicionalmente, são os mais animados e festeiros. Recebem muito bem os vizinhos. Em Sydney-2020, o pessoal da Austrália arrumou uma espécie de mesa comunitária em uma "praça" entre os contêineres, com bandejas de frios - e as devidas cervejas.

Da praia de Long Beach, em Los Angeles-1984, era possível ver os barcos ao longe, em meio a torres de petróleo, mas sem qualquer referência de quem estivesse na frente ou atrás. Era nada bacana ficar esperando o fim das regatas sentada na grama sintética, que pinicava. Pessoas levantavam pontas de quadrados que formavam esse "tapete", para apagar o cigarro na areia.

As raias de Barcelona-1992 foram tão ruins para os velejadores brasileiros que um deles comparou o mar local a uma mesa de pingue-pongue inclinada, onde se tem de jogar.

Lua cheia e música de orquestra

Em Atlanta-1996 (as regatas na verdade foram no litoral da cidade de Savannah) as raias ficavam em alto mar - alto mar mesmo. Foi montada uma plataforma flutuante gigante como base, onde se andava meio com rebolado, meio com tropeços. Para ir e vir entre o local e a terra firme, havia lanchas dos organizadores, mas muitas vezes se pegava carona para voltar ao centro de imprensa mais rápido, nas pequenas lanchas que muitas das equipe do Caribe levaram para lá. Pequenas e corcoveando à toda velocidade por cima das ondas, como boi em rodeio.

Nessa Olimpíada em que o Brasil foi o primeiro país em nível técnico, os jornalistas da sala não acreditavam na façanha, mas os brasileiros sabiam que era verdade - e riam da cara de desconfiança dos lobos do mar da imprensa internacional. Em uma rua de bares onde velejadores comemoravam resultados, em Savannah, Roberto Scheidt, era o único sóbrio e com pressa para ir dormir para a regata seguinte. Não à toa é o maior medalhista brasileiro hoje.

A premiação era o lado da rua dos bares, mas no canal da cidade que tinha um barco negro, antigo ancorado ali. Torben recebeu o ouro de um rei verdadeiro, apesar de destituído da coroa e deportado da Europa (era o rei grego Constantino), sob som de orquestra e lua cheia deslumbrante.

Pela tevê, entendendo "dribles"

Em Sydney-2000, onde Torben Grael/Marcelo Ferreira, da Star, e Robert Scheidt, da Laser, perderam o ouro por pouco, já era comum acompanhar as regatas pela tevê da sala de imprensa. Câmeras captavam largadas queimadas, imagens de mostravam o desenho dos percursos, as táticas, o "drible" que também existe na vela.

O Brasil saiu da onda de azar em Atenas-2004, onde jornalistas cozinhavam no píer de cimento branco refletindo o sol, de manhã até o começo da tarde.

Os organizadores diziam que não era possível ter algo como uma tenda sequer, por força de segurança, porque helicópteros sobrevoando não poderiam vigiar tudo sem visão. Eram os primeiros Jogos Olímpicos depois do ataque terrorista às Torres Gêmeas, em setembro de 2001. Mas ao mar Egeu se lançavam alguns dos melhores velejadores do mundo em lanchas, para acompanhar mais de perto táticas e manobras daqueles que consideram o mestre dos mestres: Torben. Veio o ouro para a dupla de Star, assim com para Scheidt, na Laser.

Martine Grael e Kahena Kunze, velejadoras - Clive Mason/Getty Images - Clive Mason/Getty Images
Martine Grael e Kahena Kunze: ouro no Rio-2016, com barco carregado para a praia
Imagem: Clive Mason/Getty Images

No Ro-2016, foi a filha de Torben, Martine, que foi campeã olímpica aos 26 anos (muito mais nova que o pai) na classe 49er.FX, com Kahena Kunze. Chegaram à areia carregadas dentro do barco, em meio a uma multidão. Aos 30, as duas alcançaram a Medal Race neste domingo (1o.) como vice-líderes na pontuação das regatas da semana na Baía de Enoshima. Prontas para conquistar uma segunda medalha olímpica nessa espécie de final entre os melhores dos melhores de cada classe. E quem mais, nestes Jogos de Tóquio-2020? Robert Scheidt: top 10 da Laser, classe que justamente exige um absurdo do físico.