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Como a Liberdade, maior reduto japonês de São Paulo, encara as Olimpíadas

Adriana del Ré

colaboração para o UOL, em São Paulo

22/07/2021 04h00

Quem vai ao bairro da Liberdade, conhecido por abrigar a maior comunidade japonesa fora do Japão, no centro de São Paulo, não encontra nenhuma pista de que os Jogos Olímpicos de Tóquio estão prestes a começar oficialmente nesta sexta (23), às 8h (de Brasília). Não se vê bandeiras do Japão ou do Brasil nos postes, disputando espaço com as tradicionais luminárias suzuranto, nem bonecos dos mascotes e outros souvenirs da Olimpíada espalhados pelas lojas. De verde e amarela, só as bandeirolas do Brasil enfeitando a carroça do catador de lixo reciclável estacionada perto da Praça da Liberdade.

Um dos mais queridos pontos turísticos da cidade, a Liberdade continua a atrair um grande movimento de visitantes, com lojas seguindo restrições de frequência e funcionamento. Mesmo assim, o comércio local não aderiu ao espírito olímpico, principalmente pelo clima de incertezas provocado pela pandemia. O momento não inspira decorações especiais, mas, sim, atenção à covid e à recuperação do comércio, dizem comerciantes ouvidos no bairro pela reportagem do UOL.

Alguns afirmam também que não houve orientação nesse sentido por parte da Associação Cultural e Assistencial da Liberdade (Acal). Segundo um dos diretores da associação, Roberto Takamoto, 59 anos, por causa da pandemia e da crise gerada por ela, "a Acal não teve esse momento de se preocupar e providenciar ações, apesar de a Olimpíada ser no Japão".

Ele aponta ainda a indecisão do governo japonês de realizar ou não os Jogos. "Ficou muito em cima da hora a decisão de ter o evento", diz Takamoto, que também trabalha no bairro e tem uma loja de assistência de celular, a Ichiban Celulares, há 5 anos. "Não deu tempo de promover nada, nem de conversar a respeito. Seis meses antes, já teria de ir elaborando, confeccionando enfeites, pedindo autorização da prefeitura." E como a norma é não aglomerar, nenhuma programação tinha sido prevista para este ano.

Em tempos normais, um evento temático certamente seria realizado no bairro neste mês de julho, juntamente com o Tanabata Matsuri —Festival das Estrelas.

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Movimentação no bairro da Liberdade, em São Paulo, dois dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio
Imagem: Ricardo Matsukawa/UOL

Há 40 anos trabalhando na Liberdade, Tetsuya Yoshizumi, de 76 anos, atribui essa falta de interesse local pelas Olimpíadas à situação difícil do momento. "Está desanimado porque as pessoas estão sem dinheiro, sem emprego", arrisca Yoshizumi, que é dono do restaurante Sushi Amigo, especializado em iguarias da culinária japonesa. "Aqui ficou muito tempo fechado, o movimento caiu muito", lamenta.

Nascido no Japão, Yoshizumi desembarcou no porto de Santos em 1961. Era novo, sozinho e queria aventura, ele brinca. Trabalhou com agricultura no interior de São Paulo e, depois, viajou por diversas partes do Brasil em busca de trabalho. Em São Paulo, investiu em suas habilidades com comida japonesa. Abriu seu restaurante, que se tornou um dos mais tradicionais da Liberdade. Tempos depois, resolveu também morar na região. Ele lembra que, em outras épocas, todo mundo ali no bairro torcia pelo Japão. Para ele, os Jogos Olímpicos não deveriam acontecer agora. "O Japão está com medo de ficar doente. Não era bom ter Olimpíada neste momento".

Também antigo no bairro, Akio Hamada, de 68 anos, diz ter vivenciado momentos felizes na Liberdade, quando o assunto era Japão e esporte. Como na Copa do Mundo de 2002, sediada no Japão e na Coreia do Sul, com ruas decoradas e torcida da comunidade em peso. "Tinha aquele sentimento de japonês", relembra Hamada, que é gerente da Kaisen Alimentos e está no bairro há 30 anos.

Atualmente, além da pandemia, ele cita algumas mudanças pelas quais a comunidade local passou nos últimos anos —e que podem ter reforçado essa falta de interesse do bairro pelas Olimpíadas em Tóquio. Entre elas, o aumento da presença de chineses na região e o comportamento das novas gerações de famílias japonesas. "Os mais jovens não estão mais interessados nas tradições", diz Hamada, que é filho de japoneses.

Mascotes solitários

Talvez o casal Mark Eiji Murayama, de 39 anos, e Célia Murayama, de 38, proprietário da Murasan Produtos Naturais, seja um dos únicos comerciantes nas imediações que trazem alguma referência das Olimpíadas na vitrine de sua loja, especializada em própolis. Em 2019, Mark e Célia foram ao Japão e trouxeram de lá os bonecos de Miraitowa e Someity, mascotes oficiais dos Jogos Olímpicos, que seriam realizados em 2020, mas foram adiados para 2021 por causa pandemia do coronavírus no mundo. Naquele ano, o Japão já se preparava para o evento esportivo, com uma grande oferta de produtos ligados às Olimpíadas.

Agora, os dois simpáticos bonecos enfeitam discretamente a vitrine da loja, com o devido aviso: "somente exposição, não estão à venda". Isso, no entanto, não impede que pessoas parem no local e perguntem se os mascotes podem ser comprados.

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Mascote das Olimpíadas fazem parte da decoração dos estabelecimentos da Liberdade, bairro com forte presença japonesa em São Paulo
Imagem: Ricardo Matsukawa / UOL

"Preciso colocar um aviso maior", observa Mark. A falta desse tipo de produto na região causa essa demanda. "Tem essa questão de conseguir o mascote no Japão. A gente só conseguiu porque fomos para lá em 2019", diz Mark, referindo-se ao processo para importar artigos do gênero ao Brasil. Para ele, pesaram também as incertezas em torno da realização das Olimpíadas, o que pode ter feito com que os comerciantes ficassem em dúvida se valia a pena ou não investir nesses produtos.

A autônoma Joyce Cristiane Gomes, 41 anos, e suas filhas Rayza Kristiê, 17, e Ana Clara, 1, que moram na zona leste de São Paulo, foram ao bairro da Liberdade certas que iriam encontrar decoração das Olimpíadas e tirar algumas fotos. Mas o máximo que viram lá com o tema foram os mascotes da loja de Mark e Célia. "Comentei com minha filha sobre isso: achei que íamos ter alguma informação sobre o tema aqui, esperava ver decoração", conta Joyce. Elas acreditam que isso seja efeito da pandemia. "As pessoas não estão focadas em Olimpíada".