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Vaivém Olímpico: o sonho da Vila dos Atletas, cortado pela raiz em Tóquio

Vila Olímpica de Tóquio: contra pandemia, nada de aglomerações - Stanislav Kogiku/SOPA Images/LightRocket via Getty Images
Vila Olímpica de Tóquio: contra pandemia, nada de aglomerações Imagem: Stanislav Kogiku/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Denise Mirás

Colaboração para o UOL, de São Paulo

20/07/2021 04h00

A Carta Olímpica já foi rasgada em pelo menos dois de seus propósitos: a maior igualdade possível com relação a condições na hora de competir (daí o veto ao doping, que pode ser uma grande hipocrisia, mas aí é outro assunto) e o "congraçamento" entre países. A abertura da Vila Olímpica em Tóquio, melancólica sem as cores e festas habituais, com carros de polícia ladeando ônibus com delegações entrando e o sinistro espaço reservado como "ambiente Covid-19" para casos de detecção (antes da saída da bolha), revela que a rigidez irá imperar: com máscaras, sem contatos, sem muita conversa.

Meio que um filme de terror futurista.

Vilas Olímpicas, por princípio, são alegres. É um passa-passa de curiosidade, paquera e trocas. Não à toa, os atletas são doutrinados a não se deixar levar pelo ambiente, que tira o foco do objetivo maior, que é competir. Muitas delegações reservam outros locais para algumas de suas equipes se hospedarem, fora da Vila Olímpica, principalmente aquelas com mais chances de conquistar medalhas.

Mas o que realmente acontece lá dentro?

Visitas informais sempre são dificultadas ao máximo para jornalistas. Como normalmente também não somos muito obedientes a normas sem pé nem cabeça, até inventaram tours oficiais para o local que abriga os atletas, antes do início das Olimpíadas. Claro que não é a partir deles que se vê o mais interessante...

O melhor de se visitar uma Vila Olímpica é se deparar com o futuro.

O que está ali, em primeira mão para os deuses olímpicos, provavelmente será espalhado pelo mundo nos anos seguintes. Foi assim com aparelhos de academia acoplados a monitores de vídeos e cortes de cabelo ousados em seus desenhos em... Seul-1988, talvez? Foi assim com a língua franca (aquela junção de idiomas em que todo mundo acaba se entendendo) depois da queda do muro de Berlim e o desmantelamento do bloco soviético em Barcelona-1992. E a moda das tatuagens? Aros olímpicos começaram a aparecer em virilhas nas cavas de maiôs da piscina no alto de Montjuic, em Barcelona. Foi também na cidade catalã que o "muro" da Vila caiu: com a chegada de celulares, agentes de marketing atrás de atletas não tinham mais barreiras.

Fome por consumo

Na Vila Olímpica de Barcelona-1992 se via uma corrida de dirigentes esfomeados por novidades. Muitos cartolas de países desmembrados da URSS corriam à policlínica para consultas de todos os tipos. Mais ainda: atrás de armações de óculos, das mais variadas. Um "rapa" que espantava os voluntários do local. Foi nessa policlínica em que confirmei o alto grau de importância dos especialistas em pés para os atletas: toda uma ala do local era dedicada aos pés.

Atlanta-1996 me surpreendeu com um espaço meio "new age". A academia, cheia de espelhos sob a batida enjoativa de música bate-estaca, ficava vazia perto de um espaço com tecidos pendurados no teto, aromas diversos de óleos, esponjas e ofurô.

Também havia, no espaço para jogos em geral, uma imitação de asa delta onde se ficava pendurado, usando óculos de realidade virtual para "voar" entre montanhas. Mas esse espaço perdia feio para outro em que havia computadores... Ali, a febre era total. E as filas, imensas — bem difícil cumprir os minutos estipulados e arrancar atletas das cadeiras.

As zonas em que era possível entrevistar atletas começaram a ganhar lojinhas de patrocinadores oficiais e o "fervo" ficou mais artificial. Em Londres-2012, a visita oficial não contemplava o prédio para onde iam as amostras obrigatórias do antidoping — "proibidíssimo". No Rio-2016, atletas passavam mais tempo escolhendo penteados em catálogos para fazer e refazer torres de apliques, tirar fotos e colocar em redes sociais.

Se Tóquio normalmente já mostra o futuro (pelo menos para nós, brasileiros), em circunstâncias normais a visita à Vila Olímpica seria o sonho em forma de tecnologia. Mas, sem atletas podendo circular ou se aproximar de uns e outros sem motivos fortes, pelo jeito esse sonho vai ficar só na imaginação, mesmo.