Mulheres do Brasil

Nas Olimpíadas da equidade, protagonismo das atletas brasileiras enfileira nove medalhas em marco histórico

Beatriz Cesarini, Marta Teixeira e Talyta Vespa Do UOL, em Tóquio (Japão) e em São Paulo Laurence Griffiths/Getty Images

Foram necessários 125 anos para que o número de mulheres em Jogos Olímpicos chegasse perto da equidade. Tóquio-2020 apresentou 49% de atletas competindo em categorias femininas —e o estrondo delas não se confirmou apenas com o saldo de medalhas, mas também com o protagonismo no esporte e na luta.

O sucesso refletiu no desempenho brasileiro, que fecha o ciclo olímpico com a melhor participação feminina na história do país. O recorde de Pequim-2008, em que as brasileiras conquistaram sete medalhas, foi quebrado: no Japão, nove das 21 conquistas que colocaram o Brasil na 12ª posição foram trazidas por elas.

Representatividade.

Meninas de todo o mundo receberam, por duas semanas, a informação de que podem e devem ocupar todos os espaços. Se inspiraram, torceram, aprenderam sobre idolatria. As mulheres em Tóquio se impuseram dentro e fora da competição. Gritaram aos quatro ventos que não há mais espaço para a sexualização do esporte feminino. No Brasil, se escancararam apesar do tão pouco investimento público. Venceram. E subiram ao pódio nove vezes.

Teve chuva de leveza e alegria que só uma menina poderia trazer para uma competição tão séria: a dança de Rayssa no skate. E quem dançou como se levitasse representou a favela com duas medalhas no pescoço. Teve duplo ouro consecutivo em dupla —e o carinho quando Martine Grael e Kahena Kunze colocaram as medalhas uma na outra no lugar mais alto do pódio. Teve, ao fim de dez quilômetros em mar aberto, o lema feminista que marcou Tóquio-2020: mulher pode ser o que quiser, onde quiser, a hora que ela quiser.

Laurence Griffiths/Getty Images
Daniel Ramalho / COB Daniel Ramalho / COB

É ela, Brasil!

A frase que fecha a abertura desta reportagem saiu da boca de Ana Marcela Cunha, após ter sido contemplada com a medalha de ouro na maratona aquática.

A baiana Ana Marcela conseguiu. Depois de uma prova que ela controlou desde o começo, a nadadora brasileira de longas distâncias conquistou a primeira medalha olímpica de sua vida, nos Jogos de Tóquio. Com ela, se tornou a primeira mulher brasileira a ganhar um ouro na natação.

Ao discursar após a vitória, enfatizou a importância do investimento na diversidade. "O Comitê Olímpico tem acreditado e ajudado muito, independentemente de ser masculino ou feminino. Resultados são isso, você conseguir ajudar dessa forma, com igualdade, e acho que as mulheres estão vindo com aquele gostinho especial", completou a campeã.

Ana Marcela é pioneira na maratona aquática. Um pioneirismo que só foi possível após o pioneirismo de outras.

Bettmann Archive

De Maria Lenk e Aida a Rayssa, Rebeca e Mayra

Pioneira aos 17 anos, Maria Lenk tornou-se não apenas a primeira brasileira, mas também a primeira atleta sul-americana a disputar uma Olimpíada ao competir nos Jogos de Los Angeles-1932, abrindo uma nova fronteira no esporte nacional. Foi a única mulher em uma delegação brasileira com 45 homens.

Mais de três décadas depois, pouca coisa tinha mudado nesse cenário. Nos Jogos de Tóquio-1964, sem técnico nem material de competição, em uma delegação na qual também era a única mulher, Aída dos Santos deu outro passo gigante nessa história ao conquistar o quarto lugar no salto em altura. As atletas brasileiras só conseguiriam resultado mais expressivo na edição de 1996 — 32 anos depois, o mesmo período que separou Maria e de Aída.

Ouro e prata para Sandra Pires/Jaqueline Silva e Adriana Samuel/Mônica, respectivamente, no vôlei de praia, prata no basquete e bronze no vôlei. Depois de aprenderem o caminho para o pódio, nunca mais o Brasil voltou para casa sem pelo menos uma medalha conquistada por mulheres nos Jogos. Mas somente em Pequim-2008, com o bronze da judoca Ketleyn Quadros, veio o primeiro pódio individual. O inédito ouro, com Maurren Maggi no salto em distância, veio logo depois.

Hoje, na mesma capital japonesa que tornou Aída um fenômeno, uma nova leva de brasileiras estabeleceu novos paradigmas para o olhar sobre o esporte feminino com as histórias de determinação de Ana Marcela, Laura Pigossi e Luisa Stefani; força, graça e encantamento de Rayssa Leal e Rebeca Andrade; superação de Mayra Aguiar; garra e estratégia de Bia Ferreira, Martine e Kahena, e de união da seleção de vôlei.

Ser mulher no esporte era muito difícil. Ainda mais sendo negra e pobre. Meus pais não entendiam e não queriam que eu praticasse esporte. Quando ganhei minha primeira medalha, meu pai jogou ela fora porque eu não trouxe dinheiro para casa. Foi duro, mas insisti."

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Aída dos Santos

Huang Zongzhi/Xinhua Huang Zongzhi/Xinhua

Uma nova história a cada dia

Subir ao pódio nos Jogos de Tóquio não foi o único feito de várias novas medalhistas brasileiras. De diferentes maneiras, elas também atingiram marcas e desempenhos nunca antes conquistados.

Depois do ouro na 49er FX na Rio-2016, Martine Grael e Kahena Kunze repetiram a dose na baía de Endoshima e se tornaram as primeiras mulheres bicampeãs olímpicas do Brasil —a seleção de vôlei tinha alcançado o feito em modalidades por equipes em Pequim-2008 e Londres-2012.

A judoca Mayra Aguiar se consagrou a única atleta brasileira a conquistar medalha em três edições olímpicas consecutivas: bronzes em Tóquio-2020, Rio-2016 e Londres-2012.

Três vezes Mayra, que expôs as dificuldades ao se recuperar de uma cirurgia no joelho, em casa, durante a pandemia. Expôs, também, como o estresse da TPM afetou o convívio com o namorado. Deu uma piscadinha de leve para Beatriz Cesarini, correspondente do UOL em Tóquio, e concluiu: "Você entende, né?"

Representatividade. Só a gente entende o potencial destruidor de uma TPM. E o potencial de afago da sororidade.

UESLEI MARCELINO/REUTERS

Falando em potencial, como não exaltar Rebeca Andrade, outro nome que mudará para sempre a história da ginástica brasileira. A paulista garantiu feito inédito duplo. É a primeira campeã olímpica da ginástica artística (solo) e a primeira ginasta nacional com dois pódios na mesma edição dos Jogos: prata (individual geral). Mostrou ao mundo seu baile de favela, e voltou para a quebrada com duas medalhas no pescoço.

Na estreia do skate no programa olímpico, Rayssa Leal, de apenas 13 anos, assegurou a presença da bandeira brasileira no primeiro pódio da modalidade na categoria street. E fez isso com a leveza que só uma menina em busca de diversão conseguiria fazer. Rayssa é autêntica, leve e livre, como o esporte prega em sua mais bonita teoria.

Nas quadras, a dupla Pigossi/Stefani iniciou um novo capítulo na história do tênis nacional com o bronze conquistado. E Bia Ferreira, no boxe, conseguiu o maior feito feminino na categoria: uma medalha de prata.

Ezra Shaw/Getty Images Ezra Shaw/Getty Images

Ideal machista e excludente

Os escritos que fundaram o movimento olímpico, de autoria do Barão Pierre de Coubertin, são machistas e excludentes. Guardados como um tesouro na sede do COI, os arquivos não deixam dúvidas: em 1912, quando as Olimpíadas foram criadas, não haveria motivo para incluir as mulheres nos Jogos, salvo para aplaudir na entrega dos prêmios aos homens —como mostra esta reportagem de Jamil Chade, do UOL.

Para o pai das Olimpíadas da Era Moderna, o movimento que ele criou deveria focar exclusivamente em promover os Jogos e apostar na "única exaltação do atletismo masculino, baseado no internacionalismo, com base na justiça e no cenário artístico, com os aplausos das mulheres como único prêmio".

Coubertin chegou a refletir sobre a realização de um evento separado para mulheres. Mas deixou claro que seriam "semi-Olimpiadas" e que não teriam nem apelo nem interesse. "Não hesitaria em dizer que não seria apropriado", disse. E ele foi além, indicando que eventos femininos "não são cenas que multidões gostariam de ver em Jogos".

Em Atenas, em 1896, o evento era exclusivamente masculino. Em Roma, em 1960, as mulheres representavam 10% dos atletas. Mesmo em Sydney, na virada do século 21, elas eram apenas um terço dos participantes. No Rio, em 2016, elas eram 45% dos Jogos.

Tóquio vem como um ponto revolucionário na história do movimento olímpico. Apesar da comemoração da paridade, os alertas de que foram necessários 125 anos para finalmente atingir a marca soam forte.

Em contrapartida, não há mais possibilidade de retrocesso: as mulheres ocupam, medalham e expõem dia após dia que, para o patriarcado? Sem tempo, irmão.

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