Como se faz um mecenas

A história de Fernando Nabuco, atleta olímpico, ex-presidente da bolsa de valores de SP e mecenas esportivo

Denise Mirás Colaboração para o UOL, em São Paulo Denis Mirás/UOL

Os Jogos Olímpicos de Tóquio terminaram e você, agora, vai esperar três anos para ver a maioria dos atletas olímpicos por quem torceu novamente. Até Paris-2024, a maioria delas vai depender do apoio do Governo Federal ou das Confederações ou de patrocinadores. Alguns contarão com a ajuda de mecenas. Pessoas com grande poder aquisitivo que podem ajudar atletas em sua busca por pódio. Mas de onde vêm os mecenas? O UOL foi conversar com um deles, Fernando Nabuco, ex-presidente da Bolsa de Valores de São Paulo e que apoiou ciclismo e atletismo. Esta é a história dele.

São muitos "Fernando Luiz Nabuco de Abreu" em um só: multi-atleta movido a desafios desde a adolescência, nos anos 1960, foi organizador de eventos e dirigente esportivo, em paralelo às atividades de empresário. Hoje em dia, o espírito crítico segue afiado.

"O que acontece, em 2021? Temos um presidente que parece louco, outra vez. O mundo está repleto de dinheiro e seria o momento de o Brasil acabar com o desemprego de 15 milhões de pessoas. E aonde chegamos? A uma situação de pré-ditadura. E ainda que as instituições estão lutando contra isso. Mas essa pandemia explicitou como funciona o Brasil. A gente viu muito bem como foi gerida, com tanta gente morrendo. É uma vergonha como o país é gerido, a presidência, o congresso nacional, como as confederações esportivas são geridas. Com a pandemia, vimos exatamente como o Brasil é administrado. Desde sempre, infelizmente."

Em recuperação de uma cirurgia na coluna, Nabuco está pronto para recomeçar a pedalar em São Paulo — ou velejar, mas em barco grande, na Europa. E, aos 77 anos, diz: "Vou voltar à bicicleta, mas não para competir. Nunca parei com a atividade física porque esportista não pode parar, de jeito nenhum. Agora... estou chegando em uma idade que não quero mais fazer nada. Só passear. Preciso parar com esse espírito de competição."

Acostumado à atividade física desde criança, direcionado pelo pai (Fernando Nabuco de Abreu foi remador olímpico em Los Angeles 1932), diz que a natação orientou toda sua vida profissional.

O esporte é muito importante. Você aprende a perder e a ganhar. Estudar e praticar esporte: uma coisa complementa a outra. Nos Estados Unidos, você tem esporte na escola desde criança. Na universidade, pode optar entre o alto rendimento ou seguir uma carreira de químico, médico, advogado, e seguir com a atividade física. Isso forma a pessoa. Forma a nação".

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Aos 16 anos, na piscina olímpica de Roma

"Tenho uma historinha interessante... Meu pai ficou sócio do Paulistano [Club Athletico Paulistano], onde eu nadava desde os 12, 13 anos. Os técnicos da natação eram os japoneses Minoru Igai e Sakae Maki. Com 16 anos, viajei para a Olimpíada de Roma 1960. Tinha que fechar o revezamento 4x100m medley no lugar do Manoel dos Santos, que era um fenômeno, mas seria poupado para focar nos 100m livre", conta.

"Chegamos uns 15 dias antes e fui com meu pai ao treino da Austrália [potência da natação na época ao lado de Estados Unidos e Japão]. Lá, perguntou para o Don Talbot, que era o técnico principal, se eu poderia treinar junto com a equipe. Ele falou que não tinha problema."

No dia seguinte de manhã, o treinador australiano mandou, direto, para Nabuco: faz 400 metros de aquecimento, depois 50 tiros de 50. "Eu pensei: 'nem sei o que é isso... Nunca dei tiro na minha vida'. Mas fui nadando e no sétimo tiro começou a doer tudo: fígado, e aqui, e ali... Parei, apoiei a mão na borda da piscina e comentei com meu pai. O Don Talbot perguntou a ele o que eu estava dizendo. Daí, me deu um pisão assim na minha mão, pá, com toda força e um berro seco: 'GO! (Vai!)' Sim, consegui terminar, mas ele disse que eu estava completamente destreinado."

Nabuco nadou os 4x100m medley em Roma e conta: "Imagina, aos 16 anos, naquele lugar, o Foro Itálico, aquelas estátuas de mármore, piscina de aquecimento, piscina coberta, 20 mil pessoas. Para mim foi a Olimpíada mais bonita, com toda aquela movimentação dos esportes naquela beleza de cidade. Nos 100m livre, o Manoel dos Santos, que era diferenciado, nem sabia da virada americana. Deu a virada normal e foi terrível — ficou mais de meio corpo atrás. Ainda recuperou, mas perdeu a prata na batida de mão."

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A vida por uma água marinha

Mas Don Talbot fez uma proposta a seu pai, explica Nabuco: "Disse que sempre quis ter uma água marinha. E que, se o meu pai enviasse uma para ele, em troca escreveria em um caderno tudo o que eu precisava fazer como atleta. Dia a dia. Ali tinha o controle de tudo, de coração, ginástica, peso, isso e aquilo. Aqui, no Brasil, a gente nadava 3 mil metros por dia e os treinadores só davam a parte técnica, nada de parte física. Passei a nadar 12, 13 mil metros, metade de manhã, metade à tarde."

Era um negócio de louco, como observa: "Não tinha óculos de natação, a piscina não era aquecida... Minha evolução foi brutal. Mostrou a realidade de como estávamos atrasados. E continuamos, aliás. Com alguns atletas extraordinários como o Adhemar Ferreira da Silva, o Joaquim Cruz — cria minha no atletismo, quando fui presidente da Bovespa —, o velejador Robert Scheidt... Pessoas extremamente dedicadas, campeões esporádicos. Mas seguimos sem uma política desportiva nacional."

Com os bons resultados do caderninho de Don Talbot, "os outros nadadores foram chegando", como lembra Nabuco. E no Troféu Brasil de Clubes de 1961, na Guanabara, o Paulistano saiu do décimo lugar para o primeiro, ganhando todas as provas, femininas e masculinas, com recordes sul-americanos. No Sul-Americano seguinte, em 1962, no Vélez Sarsfield de Buenos Aires, a equipe brasileira bateu todos os recordes sul-americanos. "Foi um espanto."

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De superatleta a superdirigente

Além da natação, em que chegou aos títulos brasileiro e sul-americano dos 400m e 1500m, jogou polo aquático. Também foi campeão sul-americano em 1962. Ainda jogou tênis e aprendeu a velejar.

"Nas classes olímpicas, fui campeão sul-americano de Soling, ganhei regata em Mundial de Star... Na vela oceânica, ganhei regatas como a Buenos Aires-Rio, São Paulo-Rio, corri na Admiral's Cup [uma das mais importantes regatas de vela oceânica do mundo]. Um monte de regata..."

Quando assumiu a presidência da Bolsa de Valores de São Paulo, com 35 anos em 1980, Fernando Nabuco seguiria se interessando por praticar novos esportes, mas também passou a organizar eventos. Como corria de 10 a 15 quilômetros no Parque do Ibirapuera antes de ir trabalhar, se interessou pela maratona quando soube de uma primeira que seria disputada no Rio de Janeiro. E organizou a primeira de São Paulo.

Também aceitou o convite dos amigos Victor Malzoni e Flavio Aronis para montar um grupo de corredores de rua em São Paulo —a Corpore, que chegou a ter 50 mil associados. Ao mesmo tempo, bancou com Malzoni uma equipe de atletas e técnicos de elite, com Agberto Guimarães, Joaquim Cruz (que saiu de Taguatinga, próxima de Brasília, e se tornou campeão olímpico dos 800m em Los Angeles 1984) e Zequinha Barbosa.

Nessa década de 1980, estava na corretora Baluarte, mas ainda estava ligado à Bovespa/BMF (ele voltou à presidência da bolsa em 1990), seguiu apoiando o atletismo, mas descobriu o triatlo. "Por causa da natação, resolvi entrar, para ver como era. Nunca tinha montado numa bicicleta. Participei do primeiro, lá no Rio, e trouxe para São Paulo. O primeiro, na Cidade Universitária, fui eu que organizei, depois fiz outros. Ganhei vários nos Estados Unidos e por aqui, na faixa etária. E parti para o Ironman do Havaí, onde corri em 1984, 1987 e 1989."

Dura realidade: gerindo federação sem dinheiro

"Aí, entrei nesse negócio de bicicleta. Eu tinha organizado uma competição aqui com o pessoal da Volta da França, e o Bruno Calói, que era o presidente da CBC [Confederação Brasileira de Ciclismo], queria que eu assumisse o posto. Acabei eleito, para a gestão 1986 e 1989", conta Nabuco.

"Contratei dois técnicos estrangeiros, fiz três Voltas do Brasil. Então fizemos um intercâmbio muito grande na Europa. O Cássio de Paiva, inclusive, ganhou três Voltas de Portugal, e uma etapa profissional da Volta da Espanha. Foram resultados muito bons."

Mas Nabuco diz que essa presidência da CBC foi muito difícil. "Quem manda são as Federações. Veja no futebol: você faz o São Paulo viajar até Teresina, tomar ônibus, viajar 75 quilômetros para puxar saco de presidente local, depois o time tem de vir aqui, viaja três dias de ônibus... Essa crise que está na CBF.... Aquilo, só jogando uma bomba. Uma confederação com um bilhão e meio em caixa e os clubes pobres devendo para tudo quanto é lugar... Tem de fazer como na Inglaterra. O time mantém seu nome, mas é uma empresa, com dono que cuida do clube para render. Não vem nada do governo."

Na Confederação de Ciclismo, Nabuco lembra ter colocado "um dinheirão do meu bolso". "Terminava o dia cansado da Bolsa, de tudo, de trabalhar, e vinha o cara lá de tal federação para dizer: 'Seu Fernando, o senhor precisa me mandar mil reais, porque senão minha quitanda vai falir amanhã'. E de outra federação, e outra. É uma tristeza. Fiz uma Copa Norte-Nordeste, tive de pagar para quatro ciclistas do Acre, Roraima, Maranhão, Pará, e chegam todos no Rio Grande do Norte de chinelo, bicicleta do dia a dia deles. Pensei: meu dinheiro foi todo para o lixo. É muito difícil tudo isso. E o Nordeste podia ser a Califórnia brasileira, mas o dinheiro não chega nunca onde deve."

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Rasteira de Nuzman

Nabuco nunca cogitou se candidatar à presidência do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) porque teria de se dedicar com exclusividade e não queria isso. Mas, ainda na presidência da CBC, apoiou o candidato Carlos Arthur Nuzman, então presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), contra o presidente da época, o major Sylvio de Magalhães Padilha, no fm dos anos 90. Como foi?

"Fiz um acordo com o Nuzman para derrubar o Padilha. Para que houvesse um novo presidente, com tudo novo. Quando chegou na eleição, o Nuzman ficou do lado do Padilha. Mostrou minha carta a ele e disse: 'Esta é a última vez que você tem meu apoio. Na próxima, você vai me apoiar'." Padilha teve um AVC em 1989 e o vice-presidente, André Richer, ficou com o posto a partir de 1990 — em composição com Nuzman, que assumiu a presidência do COB em 1º de julho de 1995 e saiu preso em 2017.

Em 1994, foi a vez do golfe entrar na vida de Nabuco — é essa modalidade que valeu a cirurgia na coluna deste ano. "Comecei com 50 anos e é muito movimento de torção do tronco. Há três meses estava sem conseguir andar". Também passou pela velocidade da motonáutica (foi campeão brasileiro) e pelo automobilismo, nos anos 2000: sua equipe venceu duas Mil Milhas no autódromo de Interlagos. "Não posso nem enumerar os esportes que já fiz. Ganhei mais de 160 medalhas, que não sei onde foram parar."

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