As últimas são as primeiras

Luisa e Laura entraram na última vaga da dupla feminina para ganhar a primeira medalha do tênis brasileiro

Felipe Pereira, Alexandre Cossenza e Talyta Vespa Do UOL, em Tóquio (Japão) e em São Paulo Naomi Baker/Getty Images

Luisa Stefani e Laura Pigossi enfrentaram quatro match points contra na decisão da medalha de bronze contra as russas Elena Vesnina e Veronika Kudermetova. O placar apontava 5 a 9 e era normal que os outros duvidassem. Afinal, duvidaram delas desde o começo.

Última dupla inscrita no último dia possível, encarando multi-campeãs de Grand Slams e representando um país que nunca tinha ganhado uma medalha no tênis em Olimpíadas. Pois elas fizeram seis pontos seguidos. Bronze para o Brasil porque a dupla nunca duvidou.

"A gente recebeu a ligação de que a gente estava dentro [das Olimpíadas]. A primeira coisa que falei para ela [Stefani] foi: 'As últimas serão as primeiras' E ela riu, mas acreditava na loucura", conta Laura.

Foi com esta confiança que Luisa e Laura chegaram a Tóquio. E, por essa confiança, as rivais foram caindo. Ou melhor, foram derrubadas. A campanha de conto de fadas teve um revés. As duas abriram 4 a 0 nas semifinais e tomaram a virada das suíças Belinda Bencic e Viktorija Golubic. Pareciam abaladas. Quando chegaram na privacidade da Vila Olímpica, Luisa precisou emprestar o ombro, e Laura chorou de soluçar de tristeza.

"Ela simplesmente me apoiou. Não é que ela falou algo, ela me abraçou quando eu precisei chorar."

Tinha mais abraços para rolar. Agora, o match point era a favor. As adversárias russas jogaram a bola para fora, Luisa e Laura jogaram raquetes e viseiras para longe. Cumprimento rápido nas oponentes, outro abraço e uma descoberta: choro também tem sabor de alegria.

Naomi Baker/Getty Images
Gaspar Nóbrega/COB

Luisa foi moldada pelo tênis dos EUA

Luisa Stefani surgiu no circuito mundial como candidata a frequentar o topo do ranking de duplas por bastante tempo. Com apenas 23 anos, teve uma carreira consistente no juvenil e se estabeleceu entre as profissionais.

A formação como tenista se deu nos Estados Unidos, o que explica ela ter os melhores resultados em quadra dura — ao contrário do saibro, o piso preferido de Guga Kuerten, Fernando Meligeni e todos os brasileiros que vieram antes deles. Luisa começou no tênis aos 10 anos num golpe de sorte do destino.

"A gente ia para a praia todo verão, meus avós tinham casa no Guarujá, no litoral paulista. Eu e meu irmão adorávamos brincar de frescobol. Minha mãe era meio ruim, aí ela decidiu se inscrever na aula de tênis de uma academia para melhorar e conseguir jogar frescobol com a gente. Ela gostou, colocou meu irmão e eu para jogar também. Não foi nada planejado, era só para a gente fazer mais um esporte".

Luisa mudou com os pais para a Flórida quando tinha 14 anos. Ganhou bolsa para jogar tênis em uma universidade. Largou os estudos e, no ano passado, terminou como a 33ª do mundo, primeira brasileira no top 40 em mais de três décadas.

Ela também é aquela pessoa que posta fotos no Instagram praticando ioga, pulando de paraquedas e até abraçada num pote gigante de Nutella. A atleta contou que, desde que ganhou a medalha, não consegue parar de sorrir, mas como a cerimônia de entrega é só amanhã, ainda falta um dia. Ela parecia tão ansiosa quanto uma criança esperando o Papai Noel.

Gaspar Nóbrega/COB

Laura soube da Olimpíada no Cazaquistão

Laura Pigossi estava no aquecimento para uma partida de um torneio no Cazaquistão quando o gerente esportivo da Confederação Brasileira de Tênis (CBT), Eduardo Frick, fez várias ligações. Ela pediu para falar depois, mas cedeu à insistência. Não podia ter tomado decisão mais correta. A tenista de 26 anos fazia muita questão de estar nos Jogos Olímpicos.

Tanto que aceitou pegar um voo para estar em Tóquio oito dias depois, mesmo que fosse necessário fazer um pinga-pinga aéreo e enfrentar 12 horas somente numa escala. Jogadora que fala com facilidade, Laura conseguiu explicar bem o que sentiu ao longo de Tóquio-2020. Só não conseguiu explicar como estava se sentindo hoje porque nem ela entende o que aconteceu. Mas o sorriso aberto já conta muita coisa.

Laura é aquele tipo de jogadora inteligente que soube aproveitar chaves menos complicadas por causa da pandemia para faturar seus dois primeiros campeonatos na carreira. A tenista mudou para Espanha em 2016 para melhorar seu jogo.

Ela e Luisa se conhecem desde a infância, mas a dupla competiu poucas vezes —três vezes, de que se lembram. Mas este último encontro nenhuma delas vai jamais esquecer.

Naomi Baker/Getty Images Naomi Baker/Getty Images

A campanha

A estreia já foi uma surpresa e com gosto familiar: vitória sobre as canadenses (cabeças de chave 7 do torneio) Gabriela Dabrowski e Sharon Fichman: 7/6(3) e 6/4. Dabrowski é a atual #14 do mundo, já foi top 10 e será a parceira de Luisa no resto da temporada.

Em seguida, Luisa e Laura venceram de virada Karolina Pliskova, vice-campeã de Wimbledon em simples, e Marketa Vondrousova, finalista em simples em Tóquio-2020: 2/6, 6/4 e 13/11, com direito a quatro match points salvos no match tie-break.

Nas quartas, outra virada, mas sobre as cabeças 4, Bethanie Mattek-Sands, ex-número 1 do mundo nas duplas e campeã de cinco Grand Slams na modalidade, e sua compatriota americana Jessica Pegula: 1/6, 6/3 e 10/6. A única derrota veio na semi, diante das suíças Belinda Bencic e Viktorija Golubic: 7/5 e 6/3.

Viria, ainda, o triunfo mais espetacular. De virada, no match tie-break, depois de quatro match points salvos de forma consecutiva contra as russas atuais vice-campeãs de Wimbledon, Elena Vesnina e Veronika Kudermetova: 4/6, 6/4 e 11/9.

Reuters Reuters

Gambiarras e links piratas para acompanhar

As três primeiras partidas de Laura e Luisa não foram exibidas pela TV no Brasil. O pacote comprado pela Globo incluía apenas as Quadras Central, 1, 2, 3 e 4 e as brasileiras atuaram em quadras mais isoladas do Ariake Tennis Park. Para exibir as partidas era preciso abrir a carteira. A emissora não topou.

A Bandsports tentou driblar sua limitação colocando um repórter cinematográfico atrás da Quadra 5 quando Laura e Luisa enfrentavam as americanas Mattek-Sands e Pegula, nas quartas de final. O canal mostrou o fim do segundo set e o começo do match tie-break, mas logo a informação de que a emissora estava passando o jogo chegou à organização, que teria cobrado a emissora. O apresentador Elia Júnior tratou de avisar que a transmissão precisava ser encerrada e o equipamento foi retirado às pressas da plataforma.

Fãs de tênis buscaram maneiras alternativas de ver as brasileiras. Alguns usaram VPN para acessar desde o Brasil transmissões feitas apenas para o Japão. Outros apelaram para sites piratas. Alessandra Stefani, mãe de Luisa, dividiu-se entre o livescore, placar em tempo real, e a transmissão via VPN.

"Livescore eu chamo de radinho de pilha, que mata a gente a cada minuto. Parece que quando vai fazer o ponto, o radinho de pilha não gira. O primeiro jogo eu assisti assim. O segundo eu consegui assistir pelo VPN do Japão, e o terceiro eu não assisti. Anteontem, [a semifinal] eu já consegui e foi muito bom assistir pelo SporTV."

Rafael Bello/COB

"Jogue pelo amor e não pelo resultado"

Luisa Stefani deu pulos quando soube que ia para as Olimpíadas. Ligou para Laura e depois encontrou o princípio que ia guiá-la em Tóquio-2020. "Eu li uma entrevista de algum esportista que falou 'jogue pelo amor e não pelo resultado', escrevi no meu caderninho antes de vir."

Às vezes, não é você que procura a resposta, ela se apresenta. Laura sentiu a derrota da semifinal e depois de chorar de soluçar, recorreu às redes sociais. Fonte de tanto ódio, elas também servem de apoio, depende da intenção de quem está teclando.

Laura nem sabe de onde partiu. Acha que foi de Minas Gerais que enviaram uma foto de jovens tenistas sentados ao redor de uma televisão assistindo sua dupla com Luisa jogar. A tenista se viu naquelas pessoas. Lembrou de quando era uma garota e interrompia os treinos para torcer por Guga.

Foi a lembrança das raízes, a recordação da origem do sonho de ser profissional que mudou o estado de espírito dela. O sonho de criança suplantou o drama da vida adulta. "Isso me marcou muito. Poder estar inspirando tenistas, poder estar inspirando todo mundo no Brasil a acreditar nos seus sonhos. E sim, você pode não ser o favorito, mas se realmente quiser você pode conquistar o que quiser."

Luisa e Laura conseguiram.

Reuters

É histórico, sim

Por todas as circunstâncias que envolveram desde a classificação até os oito match points salvos —quatro na segunda rodada e mais quatro na disputa pelo bronze—, "histórica" mal começa a descrever o tamanho do feito de Laura e Luisa em Tóquio. Sim, o adjetivo precisa ser usado porque é a primeira vez do Brasil no pódio olímpico do tênis, mas o significado transborda o registro do feito em um livro de recordes.

A medalha de Laura e Luisa precisa ser vista tanto como um sinal de esperança para todo atleta, não só do tênis e não só do Brasil. Quem imaginaria que a #190 do mundo, não importa a nacionalidade, seria medalhista? É um pódio que faz ecoar a mensagem de que é preciso, além de trabalhar, acreditar.

A classificação parecia impossível quando Luisa teve apendicite e ficou fora de Roland Garros, poucas semanas antes dos Jogos, mas as muitas desistências abriram espaço para as brasileiras. Depois, a chave do torneio, com rivais fortes desde a estreia, faziam da medalha um sonho improvável. Jogo após jogo, match point salvo após match point salvo, a esperança foi alimentada. O sonho se tornou realidade.

Acreditem, meninas. E trabalhem duro. Para as meninas e os meninos do Brasil, o recado é se entregar ao esporte. O esporte te dá coisas inacreditáveis. Do mesmo jeito que a gente faz muito por ele, ele faz muito para a gente. Esse é o melhor sentimento. Poder dar de volta para o Brasil.

Luisa Stefani

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