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Hamamatsu, que vai abrigar maior parte da preparação do Brasil antes das Olimpíadas, vive clima de tensão

Juliana Sayuri Colaboração para o UOL, em Hamamatsu (Japão) Getty Images

Às vésperas da abertura das Olimpíadas de Tóquio-2020, Hamamatsu, uma cidade litorânea a 250 km da capital japonesa, vive dias de suspense e tensão. Após o adiamento da Olimpíada, a pandemia de covid-19 e idas e vindas em decisões que se prolongaram por meses, o local começou a receber atletas brasileiros para aclimatação antes dos Jogos. Não é uma situação fácil, já que grande parte da população japonesa é contra a realização das Olimpíadas.

A cidade, uma das nove que vão receber brasileiros antes dos Jogos, será o maior centro verde-amarelo antes do início das competições. Hospedará as equipes de ginástica rítmica, judô e tênis de mesa. No fim de semana, seis judocas chegaram à cidade e começaram a treinar. Ao todo, 75 brasileiros vão passar pelo local na preparação para o Jogos. No fim de agosto, será a vez das modalidades paraolímpicas —todas a delegação brasileira das Paraolimpíadas estará concentrada na cidade.

Desde sexta-feira, atletas desembarcam nos aeroportos dos arredores e vão direto à cidade, onde treinarão por até 15 dias até partirem para Tóquio. Antes da pandemia, a chegada das delegações seria motivo de festa. Dos 800 mil habitantes, cerca de 10 mil são brasileiros — é uma das maiores concentrações per capita do país. Atualmente, entretanto, vive-se uma atmosfera de "adrenalina ao contrário", conta o advogado nipo-brasileiro Etsuo Ishikawa, que desde 2016 atua como consultor internacional responsável pelo contato entre Hamamatsu, o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) e o CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro).

É muita tensão no ar."
Etsuo Ishikawa, consultor do COB e do CPB

A primeira prova de que esse temor é justificado já apareceu: nesta terça-feira (13), o COB confirmou que cinco funcionários do hotel em que o Brasil ficará na cidade testaram positivo para coronavírus em testes antes da chegada da delegação.

Getty Images

Atletas e sparrings da seleção de judô treinam em Hamamatsu

Gaspar Nóbrega/COB Gaspar Nóbrega/COB

Por onde vão passar os brasileiros

Juliana Sayuri/UOL

Arena Yuto

O ginásio fica a cerca de 4 km do centro da cidade. Por lá já passaram muitos lutadores brasileiros, indica um painel da CBJ (Confederação Brasileira de Judô) de 2019 com assinaturas de atletas e fotos autografadas, como a do meio-pesado (até 100 kg) paulista Rafael Buzacarini, que disputará a Olimpíada.

Juliana Sayuri/UOL

Hotel Daiwa

O hotel que vai hospedar as equipes de judô também tem uma vitrine dedicada aos brasileiros, com fotos da CBJ de 2017 a 2019 e do CBP de 2018, além de camisetas especiais da época das competições estampadas por ideogramas japoneses que dizem "foco na perfeição" e "esforço contínuo é caminho para vitória".

Juliana Sayuri/UOL

Complexo Tobio

Um pequeno estande verde e amarelo fica no complexo Tobio. O local não deve ser utilizado, já que os brasileiros devem passar direto pelo lobby, treinar e voltar ao hotel, sem interagir com o staff. "Nem eu vou poder ter contato", conta o nadador Yoshinobu Miyazaki, que representou o Japão nos Jogos de Atlanta-96.

Carl Court/Getty Images
Manifestantes protestam contra Olimpíadas de Tóquio

Pandemia fez mais de 40 cidades desistirem dos Jogos

Até o fim de abril, 528 cidades japonesas pretendiam receber delegações para aclimatação antes dos Jogos Olímpicos. Ao longo de maio de 2021, mais de 40 localidades retiraram a oferta de estadia por causa da pandemia. Hamamatsu insistiu, mas quase voltou atrás: integrantes do Partido Comunista local protocolaram pedido para a prefeitura cancelar a acolhida de atletas estrangeiros. O pedido não avançou, conta Ishikawa, por razões contratuais e até culturais.

"Primeiro: há contratos a cumprir com o comitê organizador", afirma. "Hamamatsu está seguindo as diretrizes de Tóquio. Segundo: a cidade, que outras vezes já recebeu comitivas brasileiras para aclimatação pré-campeonatos mundiais, abraçou a ideia."

"Por fim, tem também um quê japonês de não desistir e fazer o que é possível ainda que sob condições não ideais", disse o consultor.

Juliana Sayuri/UOL
Etsuo Ishikawa, consultor do COB e do CPB, em Hamamatsu

Cidade se diz comprometida, mas coordenadores questionam Jogos

A reportagem conversou com funcionários que se disseram comprometidos em trabalhar para as Olimpíadas, mas questionaram a realização de um evento desse porte no meio da pandemia.

Etsuo Ishikawa, que há tempos se dedica a construir a ponte entre Japão e Brasil, tem suas ressalvas. Até 2019, assinala ele, via-se a tarefa de organizar e receber delegações brasileiras como um trabalho complexo, mas factível. No contexto da pandemia, trata-se de um trabalho atravancado por protocolos cruzados, com determinações de última hora às vezes difíceis de atender. As autoridades japonesas, por exemplo, pediram recentemente para que seja informado com antecedência o número da poltrona no avião em que os atletas estrangeiros vão se sentar.

"É impossível, só se confirma na hora do check-in e às vezes há alterações. Partindo do Brasil, é preciso pegar dois aviões, em geral. Vamos precisar pedir para cada um dos atletas mandar um zap com o número do assento de cada voo para alguém aqui montar uma planilha e comunicar às autoridades japonesas? E como isso vai funcionar na escala de milhares de atletas? Questões assim demandam energia que, a essa altura do campeonato, ninguém tem mais", afirma o consultor.

Ishikawa conta que na cidade se reflete a tendência da opinião pública no nível nacional: a maioria preferiria cancelar ou adiar os Jogos.

Sigo trabalhando, pois é meu dever. Mas, sinceramente, estou com a maioria da sociedade japonesa: cancelar ou adiar seria a melhor alternativa. Especialistas já estão dizendo que terá outra onda de infecções, não tem condição. Em sã consciência, alguém deveria dizer: lutamos até o último minuto, fizemos o possível e o impossível, mas não dá, não é melhor adiar e privilegiar a saúde mundial?"

Etsuo Ishikawa, consultor do COB e do CPB

Hotel tem cinco casos positivos

O choque de realidade da cidade aconteceu antes mesmo da chegada dos primeiros atletas em Hamamatsu. O hotel que está recebendo a equipe brasileira de judô teve casos de funcionários que testaram positivo para a covid antes da entrada da equipe nacional.

"Cinco funcionários testaram positivo antes da chegada no hotel. A gente tem conversado diariamente com a cidade, eles estão falando o que estão adotando de medidas para a gente minimizar o risco. A cidade está sendo muito parceira. Estão relatando diariamente os resultados de testagem dos funcionários. Hoje não teve nenhum caso positivo", explicou a médica Ana Carolina Corte, do COB, que classificou o caso como "sensível".

"Esses funcionários não tiveram contato com a nossa delegação. Já foram isolados os contactantes próximos. Nossa delegação brasileira desde a chegada no hotel utiliza um elevador privativo, não usa área social do prédio, não tem contato nenhum com os funcionários do hotel", explicou a médica do COB.

O hotel abriga hoje 15 atletas do judô, seis vão participar da Olimpíada e nove são sparrings. Hoje (13), chega a Hamamatsu a equipe de tênis de mesa, que ficará hospedado em outro hotel.

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Juliana Sayuri/UOL

Hamamatsu tem 25 funcionários dedicados a receber brasileiros

No departamento de esportes da cidade, em que 25 funcionários foram mobilizados para a operação Brasil, há entre eles um misto de engajamento, expectativa e temores. No começo do mês, todos estavam pendurados nos telefones para resolver os últimos detalhes da recepção aos brasileiros em tempos de covid. Embora o Brasil seja hoje um dos epicentros da pandemia, os funcionários não se mostraram particularmente preocupados em ter contato com brasileiros.

"Preocupação é maior do que qualquer outro sentimento atualmente", define o coordenador Hiroyasu Nakamura, sobre conseguir conjugar as diretrizes de Hamamatsu, de Tóquio, do Japão, do COI (Comitê Olímpico Internacional) e, por fim, combiná-las direitinho com o Brasil. "No dia a dia, já há a preocupação diante do risco de infecções. Atletas vão chegar e nós não teremos contato direto com eles, mas, mesmo de longe, vamos trabalhar para que tudo dê certo na estadia deles", diz, diplomaticamente.

Ayumi Hara, uma das quatro mulheres na equipe do departamento de esportes, também se preocupa em garantir a segurança dos envolvidos e, em especial, um mínimo de tranquilidade no decorrer da estadia. "Certas providências nós podemos tomar com protocolos e recursos orçamentários, mas a tranquilidade, a garantia de se sentir seguro, já é diferente."

Juliana Sayuri/UOL Juliana Sayuri/UOL
Gaspar Nóbrega/COB

Brasileiro viveu na cidade por 14 anos

O lutador Eduardo Katsuhiro Barbosa, que defenderá o Brasil na categoria até 73kg do judô, teve uma sensação diferente de seus companheiros ao desembarcar em Hamamatsu. O brasileiro morou com a avó durante 14 anos na cidade e agora retorna como atleta olímpico.

"O mundo é muito pequeno. Indescritível a sensação de estar fazendo a aclimatação para os meus primeiros Jogos Olímpicos na cidade onde passei minha infância. Por causa de todos os protocolos necessários para nossa segurança, não vou poder estar perto dos meus amigos, mas só de estar em Hamamatsu, sinto que minha energia será maior", disse Katsuhiro ao COB.

Município arca com todos os custos de hospedagem

A reportagem do UOL Esporte visitou instalações destinadas aos brasileiros. Os atletas vão ocupar cinco hotéis e cinco centros de treinamento. Hamamatsu não está recebendo investimento extra de nenhum dos comitês: ao contrário, são os cofres da cidade-anfitriã que arcam com os custos de aluguel das instalações e itens como tatames novos para o ginásio Yuto, onde vão treinar os treze judocas brasileiros.

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