Desafio aceito

Estimulado por Neymar, Richarlison está à vontade como estrela da seleção na briga pelo ouro olímpico

Gabriel Carneiro Do UOL, em São Paulo REUTERS/Phil Noble

Eu quero ver se você tem personalidade de pedir a 10.

O 'sim' ao desafio proposto por Neymar foi o primeiro ato de Richarlison nas Olimpíadas de Tóquio. Os dois atacantes eram companheiros de quarto durante a Copa América e estavam jogando videogame no dia em que o estafe de Richarlison conseguiu a liberação do Everton, da Inglaterra, para que ele fosse convocado por André Jardine. Fora da competição, Neymar comemorou junto com o amigo, mas provocou: "Tem que assumir a responsabilidade agora."

As palavras não podiam cair melhor. Em uma ligação de Jardine, ele pediu a camisa 10 e foi atendido. Frustrado pelo vice-campeonato da Copa América, se apresentou à seleção olímpica na véspera da viagem para o Japão e rapidamente remediou as dores: já são cinco gols marcados em quatro jogos antes da semifinal de amanhã (3), às 5h, contra o México. Além do ouro, o sonho é chegar na artilharia histórica entre os brasileiros que já disputaram as Olimpíadas.

À vontade como protagonista da seleção olímpica depois do desafio de Neymar, Richarlison é referência para os jovens companheiros que ainda sonham com as primeiras chances no time principal, um dos principais responsáveis pelo clima alegre dos bastidores e personagem até fora de campo, com trocas de provocações com argentinos e postagens nas redes sociais que despertam amor e ódio. Personalidade por enquanto não faltou. Nem gols.

REUTERS/Phil Noble

Fico muito feliz de estar vestindo a camisa 10 do Neymar, Pelé, Ronaldinho, Zico... é responsabilidade dobrada, sabemos que quem veste a 10 tem que estar dentro de campo para decidir jogos."

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Richarlison, Na última quinta-feira (29)

Phil Noble/Reuters

Gols e assistências: o que mudou?

O cartão de visitas do camisa 10 do Brasil foi de alto nível nos Jogos Olímpicos, com três gols marcados num intervalo de 23 minutos na estreia contra a Alemanha, que é a atual vice-campeã olímpica na modalidade. Foi apenas a quarta vez na história em que um jogador da seleção masculina fez um hat-trick num mesmo jogo nas Olimpíadas. Gérson, Romário e Bebeto foram os outros — o último deles em Atlanta-1996.

Essa entrada precoce num rol tão restrito de jogadores foi o impulso que faltava para Richarlison assumir o protagonismo, reforçado por mais dois gols decisivos na vitória sobre a Arábia Saudita que colocou o Brasil no mata-mata. Nas quartas de final, deu assistência para Matheus Cunha e foi o melhor em campo no 1 a 0 sobre o Egito. De oito gols marcados nas Olimpíadas, seis tiveram participação direta dele.

Dúvidas frequentes de quem vê a seleção ocasionalmente são por que ele não tem números tão bons com o time principal, comandado por Tite, e quais são as diferenças no modo como é usado por Jardine. Não é uma resposta fácil, já que os modelos de jogo são parecidos: times que valorizam a posse de bola, atacam com cinco jogadores e defendem com duas linhas de quatro. Mas na seleção principal geralmente há Neymar, que monopoliza atenções e faz o jogo girar em torno dele.

Na olímpica, Richarlison atua em dupla com Matheus Cunha, mas tem liberdade para abrir pelo lado esquerdo e gerar tabelas nesse jogo de posse de bola. Dá certo.

Veja o hat-trick do Pombo contra a Alemanha

Os artilheiros do Brasil

  • Bebeto (8)

    Disputou as Olimpíadas em 1988 e 1996. Fez dois gols numa edição, seis na outra e ganhou prata e bronze.

    Imagem: Clive Brunskill/Getty Images
  • Romário (7)

    Disputou as Olimpíadas em 1988 e marcou todos os gols em apenas seis partidas. Foi medalhista de prata.

    Imagem: Arquivo/Folha Imagem
  • Neymar (7)

    Esteve nas Olimpíadas em 2012 e 2016, prata e ouro. Fez três gols na primeira vez e quatro na outra.

    Imagem: REUTERS/Bruno Kelly
  • Damião (6)

    Fez todos os seus gols em cinco jogos na disputa das Olimpíadas de 2012, quando conquistou a prata.

    Imagem: REUTERS/Andrea Comas
  • Ronaldo (5)

    Participou dos Jogos em 1996 e fez seus gols em seis partidas na conquista da medalha de bronze.

    Imagem: Aubrey Washington - EMPICS/PA Images via Getty Images
  • Richarlison (5)

    Em sua primeira Olimpíada, já alcançou cinco gols nos quatro primeiros jogos. Será que vai ao topo?

    Imagem: Júlio César Guimarães/COB
Lucas Figueiredo/CBF

"Ele gosta de desafios"

Richarlison nasceu em Nova Venécia, cidade de 50 mil habitantes no Espírito Santo, e entrou na primeira escolinha de futebol aos dez anos. Era um projeto social comandado por Régis Masarin, ex-jogador do Flamengo. Ele ficou por lá até os 16, quando viajou para uma avaliação no América-MG.

"Levei o Richarlison para fazer testes no Avaí e no Figueirense, mas ele não ficou. Depois apareceu uma chance no América-MG e ele decidiu comprar a passagem só de ida. 'Como assim?'. Ele disse que tinha certeza que ficaria desta vez e não comprou a volta", relembra Régis, ao UOL Esporte.

Richarlison terminou sua formação no América-MG, depois foi vendido ao Fluminense e em seguida partiu para a Inglaterra — primeiro Watford, depois Everton. Sempre com o espírito descrito pelo primeiro treinador: "Ele gosta de desafios. Comigo no projeto às vezes ficava na reserva, mas quando eu colocava sempre mudava o panorama dos jogos pela vontade e pela entrega. Ele cresce quando tem mais responsabilidade em cima, isso é dele. Dá carrinho, levanta, toma porrada, mas vai até o fim."

Além do Flamengo, Régis também jogou duas temporadas com Zico no Kashima Antlers, do Japão. No mesmo estádio de Brasil x México amanhã (3). É como se Richarlison atuando lá unisse pontas de sua vida: "Zico me mandou uma mensagem de que meu pupilo ia jogar em Kashima. Pô, que coisa boa. Olha as voltas que o mundo dá."

Zhizhao Wu/Getty Images

Cabo de guerra por Tóquio

A seleção brasileira principal perdeu um amistoso para a Argentina em novembro de 2019. É uma data sem boas memórias para o time, que na ocasião alcançou a marca de cinco jogos sem vitórias. Para Richarlison, foi o nascimento da esperança de disputar uma Olimpíada e repetir a história de Neymar, seu maior ídolo, com a conquista do ouro.

"Nesse amistoso que tivemos lá na Arábia Saudita o Juninho [Paulista, coordenador da seleção principal] me perguntou se eu queria jogar as Olimpíadas e eu disse que sim", relembra o camisa 10.

Apesar do 'sim', os trâmites que envolveram sua liberação não foram simples. O Everton vetou de primeira depois de terminar o Campeonato Inglês 2020/2021 em décimo lugar, com três derrotas nos últimos cinco jogos que impediram a classificação para a Liga Europa. Tudo isso seguido da saída do técnico Carlo Ancelotti para o Real Madrid.

O clube inglês queria que Richarlison tivesse descanso para depois ficar à disposição desde o começo da pré-temporada com Rafael Benítez. O jogador acatou, mas retomou conversas com a diretoria depois do anúncio de que Pedro não seria liberado pelo Flamengo. Era uma segunda chance e houve mobilização para dar certo. Richarlison fez contato com o próprio Benítez, que deu aval e foi decisivo para a liberação, segundo ouviu o UOL. O técnico espanhol entendeu que contrariar o brasileiro seria pior, mas fez um pedido: quando voltar, retribua.

Richarlison sabe que terá que dar algo de volta porque estamos dando apoio. Conversei com ele, que tinha as Olimpíadas na cabeça. Precisávamos resolver essa situação e agora ele está bem, está feliz por estar lá. E sabe que precisará retribuir. Não participar deste começo de trabalho é algo que podemos considerar ruim agora, mas que pode ser um grande impulso para nós no restante da temporada, porque ele vai tentar entregar desempenho."

Rafael Benítez, Técnico do Everton-ING

Lucas Figueiredo/CBF

Troca de provocações com argentinos

Richarlison também carrega um protagonismo fora de campo nestas Olimpíadas. Seu comportamento divertido nas redes sociais já é conhecido, mas ganhou um tempero nas últimas semanas.

A emissora de TV argentina "TYC Sports" exaltou num post do Instagram o hat-trick de Richarlison contra a Alemanha, na estreia das Olimpíadas. Nos comentários, jogadores da seleção argentina campeã da Copa América sobre o Brasil que teve o atacante como titular perguntaram: "E na final?". Paredes começou a provocação, seguido por Lo Celso e Di Maria.

Richarlison é fã de jogadores com estilo irreverente, como Romário, Edmundo, Paulo Nunes, Neymar e outros. Pessoas próximas dizem que depois de ser alvo dos argentinos era questão de tempo para devolver a provocação. E assim foi: quando a Argentina foi eliminada na fase de grupos das Olimpíadas, o camisa 10 escreveu nas redes sociais "mil gols, só Pelé" e "quem tem mais tem 5", além de aparecer numa foto postada por Matheus Cunha fazendo gesto de adeus com a legenda "tchau, hermanitos".

De Paul retrucou. Postou uma foto da final da Copa América em que aparece à frente de Richarlison, ajoelhado, e olhando feio para o brasileiro, como se desse uma bronca. Acrescentou um emoji de taça, uma bandeira da Argentina e outro pedindo silêncio. Todos estão ansiosos pela resposta do brasileiro, que até limitou comentários no Instagram por se tornar alvo dos argentinos.

Richarlison tá on

Fora de campo, camisa 10 viraliza nas redes sociais

Reprodução/Twitter

Patriota

O atacante posta homenagens a todos os brasileiros premiados nos Jogos Olímpicos, como Rebeca Andrade e Rayssa Leal. Ele apareceu num vídeo torcendo fervorosamente dentro do ônibus da seleção por Italo Ferreira, protestou pela eliminação de Gabriel Medina e cometeu uma gafe ao postar foto que não era de Mayra Aguiar, mas depois pediu desculpas: "Deu ruim".

Reprodução/Twitter

Xavequeiro

A ex-BBB Juliette postou no Twitter na semana passada: "Que tanto atleta gato é esse?! Queriaaaa". Alguns esportistas reagiram, como Italo Ferreira e Neymar, mas bastou Richarlison responder o post com uma selfie usando um óculos do tipo Juliet para a internet shippar o casal. Foram mais de 140 mil interações, e Juliette respondeu: "Kkkkk.... Vocês não brincam!"

Reprodução/Instagram

Cantor

Depois da classificação contra o Egito, o volante Douglas Luiz gravou vídeos no Instagram que mostram o lado cantor do companheiro ao som de "Ela Mexe Comigo", do grupo Boka Loka. Pelas publicações, os jogadores ficaram um bom tempo tirando um som no hotel onde a delegação está hospedada, em Tóquio. O grupo levou instrumentos para a concentração e se diverte como dá.

Reprodução/Instagram

Vascaíno?

Richarlison aparece vestido com a camisa do Vasco numa postagem de Douglas Luiz no Instagram, o que causou a ira de torcedores do Fluminense, clube que ele defendeu entre 2016 e 2017. O Vasco tem Lucão e Ricardo Graça nas Olimpíadas e também presenteou Paulinho, Matheus Cunha e Bruno Guimarães. Na sua publicação, Richarlison só agradeceu, sem vestir.

Lucas Figueiredo/CBF

Futuro no Real Madrid?

A medalha de ouro na Tóquio-2020 seria uma consagração importante na carreira de Richarlison, que já foi campeão da Copa América pela seleção principal, em 2019, e trabalha para pavimentar seu caminho rumo à Copa do Mundo do Qatar no ano que vem.

Aos 24 anos, ele tem contrato com o Everton até o meio de 2024, mas a "retribuição" que prometeu ao técnico Rafa Benítez pode ficar para depois: ele é alvo do Real Madrid de Carlo Ancelotti e pode se transferir depois que retornar dos Jogos Olímpicos. O técnico italiano já tratou o brasileiro como um "atacante completo", e Richarlison considera a saída porque foi o técnico com quem mais evoluiu taticamente na carreira.

Torcedores do Everton têm se mobilizado pedindo a permanência do jogador de 42 gols e 119 partidas pelo clube. A diretoria promete jogo duro com uma pedida próxima de 90 milhões de euros (R$ 540 milhões, aproximadamente).

Richarlison é titular do Everton e sabe que na Espanha a missão de jogar com tanta frequência seria mais difícil, o que poderia dar brecha para deixar o radar da seleção faltando pouco mais de um ano para a Copa do Mundo. Por outro lado, entende que Ancelotti confia nele e que ser destaque no Real Madrid ampliaria ainda mais suas possibilidades. Essas dúvidas não serão resolvidas agora, há uma Olimpíada em disputa e ele é a estrela da seleção.

A prioridade de Richarlison é a medalha de ouro.

Lucas Figueiredo/CBF Lucas Figueiredo/CBF

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