Murilo Garavello Enviado especial do UOL Em Atenas (Grécia) Se fosse possível atribuir valores a medalhas, a prata conquistada pelo futebol feminino valeria mais do que todas as outras obtidas pelo Brasil. Nenhum dos medalhistas brasileiros lida com condições tão adversas quanto as meninas derrotadas dramaticamente pelos EUA na prorrogação.
Além do preconceito que enfrentam em um país que ainda pensa que futebol "é coisa de homem", as brasileiras têm de superar a falta de estrutura. Não há campeonato feminino nacional no Brasil. Para escolher suas jogadoras, o técnico René Simões teve de assistir a vídeos -enviados pelas interessadas- com suas atuações e características. Ao contrário de Robert Scheidt, Torben Grael e Emanuel/Ricardo, elas não têm patrocínio. Também destoam do resto da delegação do Brasil, turbinada por verbas da Lei Piva -o COB não repassa dinheiro à CBF. Para o futebol feminino, sobram apenas algumas migalhas do que é arrecadado pela seleção pentacampeã. Em Atenas, o Brasil superou tudo isso. Chegou à final com o melhor ataque e a melhor defesa da competição -só havia sofrido gols justamente contra os EUA. Na decisão, protagonizou um jogo dramático e emocionante contra as americanas, favoritíssimas e que haviam vencido 17 dos 21 duelos anteriores contra as brasileiras. Marta, Cristiane, Rosana, Formiga, Pretinha e cia. exibiram um ótimo futebol na decisão. Fizeram belas jogadas e mostraram habilidade, mas falharam demais na conclusão -e um pouco em sua organização. Não conseguiram superar o metódico time americano, que mostrou ter como virtude a obediência ao esquema tático. Após o 1 a 1 no tempo normal, no segundo tempo da prorrogação os EUA fizeram o gol da vitória, de cabeça. No entanto, as mulheres do Brasil saem como vitoriosas. A prata em Atenas faz desabar um incômodo jejum de oito anos. Na estréia olímpica do futebol feminino em Atlanta-96, a seleção foi derrotada pela China, nas semifinais, depois de estar vencendo por 2 a 1. Na disputa do bronze, o Brasil perdeu para a Noruega, então campeã mundial, por 2 a 0. Quatro anos depois, em Sydney-2000, a seleção feminina caiu diante da Alemanha por 2 a 0 na decisão da medalha de bronze no torneio. Na semifinal, as brasileiras haviam perdido para os EUA por 1 a 0. A espera pela medalha enfim acabou com a vitória por 1 a 0 sobre a Suécia na semifinal na Grécia, quando o Brasil assegurou pelo menos a prata na decisão contra as norte-americanas. Na festa das mulheres, um homem vencedor. Ao levar a seleção feminina à medalha em Atenas, René Simões adiciona mais um feito histórico a sua carreira. Anos antes, o treinador praticamente "inventou" o futebol da Jamaica e levou os desconhecidos caribenhos à Copa do Mundo de 1998. Com uma trajetória vencedora incomum, em nichos "estranhos", que não inclui nenhum triunfo relevante com clubes de ponta do país, Simões ficará na história como o técnico que fez a seleção feminina parar de bater cabeça em competições internacionais, adquirindo finalmente uma face competitiva. "Ele (Simões) é um fora-de-série, conhecedor profundo do futebol. Desde sua chegada estamos muito mais motivadas. O trabalho dele está sendo marcante", afirmou Kelly na véspera da final olímpica. René Simões substituiu Paulo Gonçalves no começo do ano, assumindo uma seleção pouco motivada diante da estrutura do futebol feminino do país. Mas, conhecido motivador, o treinador aos poucos conquistou a confiança das jogadoras, fazendo o sonho de uma boa participação olímpica crescer para suas comandadas. Antes da viagem para a Grécia, Simões implantou uma tática motivacional, que consistia em cada jogadora carregar uma bola de tênis, para qualquer lugar que fossem. De acordo com o treinador, a brincadeira significava simbolicamente que cada uma de suas comandadas não deveria se esquecer da meta de uma medalha. As brasileiras não só acataram a idéia, como se deixaram empolgar por ela. Agora, a seleção feminina -e todas as jogadoras de futebol do país- esperam que a prata seja suficiente para sensibilizar e emocionar os brasileiros. Em uma nação que dá valor apenas aos vencedores, será suficiente uma prata olímpica carregada de emoção para que se crie um campeonato nacional? Depois da classificação para a decisão, Ricardo Teixeira, presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), marcou presença na festa olímpica e manifestou a intenção de se erguer uma liga feminina no país. É esperar para ver. Leia mais. Confira como o UOL Esporte noticiou | | | |